domingo, 12 de junho de 2016






O PRÍNCIPE ENCANTADO
Conto de fadas revisitado por Lisa Goldstein em prosa,
versão poética de William Lagos, 28 mai 2016)

O PRÍNCIPE ENCANTADO I

Em um reino cujo nome se perdeu
nascera um príncipe, o primeiro da rainha,
muito orgulhosa por sua perfeição,
ansiosamente a conferir-lhe o amor seu.
De forma igual, muito feliz se achava o rei,
tendo nos braços a criança pequeninha,
a garantia de continuar sua dinastia,
de seu trono o bom herdeiro que queria,
recompensada assim sua devoção,
cumprido o quanto lhe exigia a antiga lei!...

A estabilidade de seu reino garantida,
sem precisar de temer pela ambição
de meia dúzia de aristocratas desleais,
ordenou grandes festejos em seguida,
para ao povo o seu herdeiro apresentar
e garantir a sua total aceitação;
manter do exército o apoio mais constante,
já esperando ouvir aplauso delirante
dos cidadãos, aldeães  e todos mais,
dos sacerdotes longo Te-Déum a entoar...

Na terra havia uma longa tradição,
com a qual não concordava inteiramente:
chamar as fadas para que o abençoassem.
Corria uma lenda de bastante aceitação
que sete delas tinham sido convocadas,
cem anos antes, tal qual dizia a gente,
para abençoar uma jovem princesinha
de um reino ali vizinho, no qual tinha
sido esquecida uma que poucos recordassem,
mas que surgira logo após as convidadas.

Cheia de raiva, em razão de tal descaso,
a qual, ao invés de conferir bondade,
profetizara sua morte em verdes anos,
mas que no instante de se cumprir o prazo
ela teria tão somente adormecido,
já que outra fada, por felicidade,
seu dom à princesinha ainda não dera,
tendo ficado, por prudência, à espera,
ao desconfiar, com seus dotes arcanos,
que algum mal seria a ela prometido...

O PRÍNCIPE ENCANTADO II

Há gerações essa história se contava,
mas esse reino se extinguira, até,
se é que de fato algum dia havia existido;
quiçá além de uma floresta se encontrava,
que era hoje totalmente impenetrável,
bem ao norte de sua terra, que era a sé
de maus duendes e dos seres mais maléficos...
Os homens sábios e instruídos eram céticos
e que tal reino que diziam estar perdido
fosse invenção de gente pobre e miserável...

De qualquer modo, era a vontade da rainha
e tão feliz estava o rei com ela
que ordenou percorressem toda a terra
até encontrarem as fadas que ainda tinha.
Naquela terra para nós desconhecida
dizia o povo que até das fadas a mais bela
definha e morre, perdendo as esperanças
quando nela não creem sequer crianças,
mas em recanto obscuro ainda se encerra
uma que outra fadinha envelhecida...

E procurando, acharam curandeira;
em seu pequeno jardim uma herbanária, (*)
uma parteira e a seguir sacerdotisa
da Deusa Terra e até uma certa feiticeira
(ou, pelo menos, que de bruxa tinha a fama,
todas velhinhas, em decadência vária,
sendo a mais moça a que tinha o seu jardim,
a quem chamavam Margarida ou então Jasmim,
por entre as flores conservando a pele lisa,
ganhando a vida a vender ervas em rama...
(*) Vendedora de ervas, raízes e cascas de árvore como remédio.

Naturalmente, não chegou qualquer voando;
uma ou duas trouxeram de carruagem,
a maioria em mulas ou cavalos,
a sua velhice claramente demonstrando...
“Vocês são fadas?” – indagou o rei, surpreso.
Elas se olharam e a herbanária, com coragem,
respondeu-lhe a pergunta, finalmente:
“Nós fomos fadas, sire, mas a gente (*)
parou de crer em nós e, aos poucos, ralos
nossos poderes ficaram, por tristeza...
(*) Tratamento para um rei; mais curto que Vossa Majestade.

O PRÍNCIPE ENCANTADO Iii

“Vocês não eram sete?” – a rainha quis saber.
“Sete de nós houve na antiga cerimônia
em que foi dado o nome para a Princesa Bela,
além daquela que preferiram esquecer,
dentre nós todas a mais poderosa;
chegou voando com grifos, qual demônia (*)
e por se estar sentindo escarnecida,
a maldição  lançou sobre tão jovem vida,
a pobre princesinha...  E então saiu pela janela...
Fui eu que amenizei a sua praga perniciosa...”
(*) Animais mitológicos voadores, menores que dragões.

“Tudo é verdade, então?” – interrogou o rei.
“Claro que sim, mas fazem cento e vinte anos;
quando Datura ficou a par disso que fiz,
amaldiçoou de nós sete toda a grei:
nossos poderes bem depressa se esgotaram
e sem podermos realizar atos arcanos,
muito depressa duvidaram os camponeses;
Mesmo os soldados, os melhores dos fregueses...
Morreu de triste a pobrezinha Fada Anis
e a Manjerona como bruxa até queimaram...”

“Mas onde se acha agora a fada má?”
“Datura?  Há mais de século não a vemos;
mais velha do que nós, talvez tenha morrido...”
“Foi envenenada, ouvi falar,” disse Alcalá,
aquela fada a quem chamavam feiticeira.
“E nenhum dom para meu filho então teremos?”
indagou a rainha, em voz peremptória,
muito prática, para concluir a história.
“Juntas as cinco, atenderemos seu pedido:
algumas coisas, sim...” – disse a parteira.

“Pois veja, Majestade, algum poder
recuperamos, que nas habilidades
que conservamos o povo ainda acredita.
Como fadas não nos vão reconhecer,
mas nos procuram, havendo precisão...”
“De mim tem medo que faça-lhes maldades,
pois dizem que sou bruxa,” disse-lhe Alcalá;
filtros de amor eu lhes preparo já,
mais um conselho que ao resultado incita;
e alguns castigos, porém nunca sem razão...”

O PRÍNCIPE ENCANTADO IV

Falou a parteira, cujo nome era Estremosa:
“Ele há de ser um homem muito belo,
o mais lindo do reino e de grande simpatia...”
“Eu lhe garanto uma saúde portentosa,”
Prometeu-lhe a herbanária, Margarida.
“E todos o amarão, haja o que houver,”
Disse Alcalá, “tal qual filtro de amor;
será por muitos procurado com ardor,
distribuirá entre todos a alegria
e de “Encantado” em breve o povo o apelida...”

Disse Arandela: “Sou hoje apenas curandeira,
mas dou-lhe algo que cura qualquer mal:
o dom do riso a que acompanha o bom humor,
mesmo a pior situação mudando inteira,
ao perceber nela oculta uma ironia...”
A sacerdotisa Altanair falou, afinal:
“Eu lhe darei o amor pela sua terra,
sabedoria e a justiça que ela encerra!...
“Será o Príncipe Encantado,” o dotaram com ardor
as cinco fadas, com seus restos de magia...

Albanezer, o rei, demonstrou satisfação,
mas a rainha ficou até desapontada:
Beleza, Saúde, Riso e Simpatia...
tudo isso já lhe trouxera a gestação;
por que não deram Poder, Glória, Riqueza?
Porém sorriu, fingindo achar-se deliciada,
Por que razão ofenderia essas velhinhas?
Sem ter magia, foram até esforçadinhas...
E no momento em que a cerimônia concluía,
o rei recompensou-as com nobreza...

Era bem fácil perceber-lhes a pobreza
e além de lhes dar bolsas de ouro,
para as cinco ele nomeou um Intendente,
encarregado de atendê-las com presteza,
sempre que visse de que algo precisavam...
Mas nesse instante escutou-se largo estouro,
as janelas se escancararam de repente
e entrou outra fada, essa de aspecto potente...
“Pois então, me esqueceram novamente?
Somente essas cinco infelizes convocaram...?”

O PRÍNCIPE ENCANTADO V

“Igual que da outra vez, ignorantes!
Eu sou a única que tem real poder!...”
Altanair respondeu: “Cara Datura,
não houve aqui descaso como dantes,
sinceramente, pensamos que morrera!”
“Senhora,” disse o rei, “não foi por esquecer,
mandei fidalgos a indagarem pela terra,
ninguém sabia, nos planos ou na serra
seu paradeiro!... Esta é a verdade pura!
A seu poder mui certamente eu recorrera!”

“Caro rei Albanezer, não sou idiota!
Fala essas coisas por ter medo de mim
e do que eu possa fazer a essa sua cria!
Talvez lançar-lhe a maldição mais ignota!”
“Senhora, eu lhe imploro, humildemente...”
Gozou a fada o seu triunfo assim.
“Não é preciso, sire, assim se preocupar,
que um belo dom a seu garoto hoje vou dar...”
“Ah, pelo menos, nos poupe a zombaria!”
Disse Arandela, bastante ansiosamente...

“Bando de tolas!... Ora, “Príncipe Encantado!”
Um Príncipe Encantador então seria,
com esses dons idiotas que lhe deram!
Só confirmaram o que haviam encontrado...
Ninguém lembrou de lhe dar inteligência?
Claro que não!  Quem não tem, não poderia!
E se o menino se mostrar bem limitado?
Um deficiente a rir, bem-humorado?
E longa vida lhe dar sequer lembraram?
De curta vida o dotar tenho potência...”

“Alguém lembrou-se de lhe dar a boa visão?
E se o garoto se demonstrar um cego?
Ou bem depressa apresentar uma surdez?
Boa saúde!... Ora, isso é tudo que lhe dão?”
“Senhora Datura,” suplicou de novo o rei,
“qualquer desprezo por si agora eu nego!
Eu realmente mandei-a procurar,
mas emissário algum a pôde achar!”
“Então pensa que eu não sei? Foi pura estupidez,
por isso não me acharam...  Porém não me vingarei.”

O PRÍNCIPE ENCANTADO VI

“Bem ao contrário...  Príncipe Encantador,
eu lhe darei um excelente dom:
em seu castelo dorme a Bela Adormecida...
Há mais de séculos, muitos nobres de valor
têm procurado achá-la e não o puderam...
Sua beleza era louvada em alto som,
realmente, a mais linda em toda a Terra
dorme em seu leito que a floresta encerra...
Pois bem, meu príncipe, terá bem longa vida
e a inteligência que essas tolas não lhe deram...”

“Visão perfeita lhe dou; e ótima audição,
mas assim que se tornar maior de idade
irá cumprir totalmente o seu destino:
encontrará esse objeto de paixão
e com um beijo, ela despertará;
será por ela amado de verdade...
Porém depois que essa princesa despertar,
a cerimônia se deve logo celebrar
e os dois se casarão sem pompa ou sino,
contudo fiel integralmente ela será!...”

Então voltou-se para a Fada Margarida:
“Como é? Pretende atrapalhar-me desta vez?
Pois não lhe dei tudo o quanto se esqueceram?”
“Claro que não!...” – a outra falou, com voz sumida,
”Melhor dom não poderia ter-lhe dado...”
“Dei-lhe cinco, bem mais do que vocês,
mas será que foi tão bom?” – falou Datura;
e com longa e zombeteira curvatura,
esperou pelos adeuses que lhe deram,
depois partindo em seu belo carro alado...

“Fiquei tomado por tão bela surpresa
que até mesmo me esqueci de agradecer!
Foi muito generosa, realmente...”
falou o rei, com a voz um tanto presa.
“Inteligência, Vida Longa... que bondade!
E a mais bela mulher do mundo prometer!...”
Contudo, as fadas se entreolharam,
de um malefício escondido desconfiaram,
mas sem maldade encontrarem na aparente
dotação mística de generosidade!

O PRÍNCIPE ENCANTADO VII

As cinco fadas partiram, finalmente,
e a rainha pediu não mencionassem
entre o povo os dez dotes concedidos;
porém havia um nobre ali presente
que as profecias havia todas escutado
e logo fez com que entre o povo se espalhassem,
a gente inteira ficando bem feliz,
por tantos dotes que ao príncipe se quis
oferecer, plenamente convencidos
de todo o bem que lhe fora destinado...

Cresceu o príncipe e depressa foi amado,
pois bem sabia a todos encantar;
numa conversa, conseguia dar a impressão
de que o interlocutor era muito respeitado,
logo a seguir, porém, seguia adiante,
a outra pessoa igual impressão dar;
com seu professor mesmo brincava;
o cozinheiro o melhor doce lhe dava;
de travessuras, caso houvesse uma ocasião,
um outro a culpa assumia em tal instante...

Seu pai, de fato, não percebia nada,
também estava encantado com a criança
e nenhum de seus ministros o avisava;
já a rainha ficava, às vezes, perturbada,
mas quando ao príncipe queria aconselhar,
via um sorriso, tal qual mimosa trança
e então achava impossível repreendê-lo,
por mais forte que fosse então seu zelo;
ao menino assim tudo se perdoava,
sem que aprendesse como ao reino governar...

Mas quando o príncipe completou dez anos,
chegou-se à mãe, a fim de a interrogar
sobre uma história que alguém lhe havia contado:
“Existem mesmo esses dotes tão arcanos?
Preciso mesmo me casar com “tal princesa”?
“Querido, ninguém pensa em o obrigar,
não é uma lei, é tão só uma profecia,
a fada apenas afirmou quanto queria,
o seu futuro não está predestinado,
não quer dizer que isso ocorra com certeza!”

O PRÍNCIPE ENCANTADO VIII

“Mas tal princesa, será mesmo bonita?
“Extremamente bela,” disse-lhe a rainha
sem recordar exatamente a profecia.
“Há gente jovem que bonita se acredita,”
disse o menino, em surpreendente madurez.
“Desejo despertava em quem dela se avizinha,
deve, portanto, ser muito bela, realmente...”
Ou encantar a qualquer um que se apresente,
o mesmo dom que no seu filho via?...
Mas afastou tal pensamento de uma vez...

“Mas ninguém sabe onde fica o tal castelo,
portanto, sou eu que a terei de procurar...
Talvez leve em tal busca muitos anos...
Quanta comida precisarei levar...?”
“Querido, como é que eu vou saber?
Mas se em tal busca realmente se empenhar,
muitos soldados deverá levar consigo,
caçadores, o cozinheiro seu amigo...
Antes de ir, precisará fazer seus planos,
esse lugar alguém deve conhecer...”

“Caso eu a encontre, preciso mesmo me casar?”
“Claro que não!  Só vai casar com quem quiser!
Aquela bruxa já deve mesmo ter morrido,
junto com as outras que o vieram abençoar...
Mas eu não quero essa conversa continuar...”
O rapazinho cresceu.  Qualquer mulher
que ele quisesse caía logo nos seus braços;
e depois de experimentar tantos abraços,
para a empresa pronto achou-se convencido:
cavalgava muito bem e melhor sabia lutar!...

Mas a despeito de conseguir tudo facilmente,
um de seus dons era o de ser inteligente;
logo aprendera instrumentos a tocar
e lera muitos manuscritos, realmente...
Só uma coisa ele jamais entendera:
por que irmãos não tinha, como toda a gente?
Seus pais disseram que, de fato, haviam tentado,
sem que o ventre de sua mãe fosse abençoado...
Dos sacerdotes a quem fora consultar
somente frases inócuas recebera...

O PRÍNCIPE ENCANTADO IX

Assim, ao completar dezoito anos,
levou consigo grande soma de dinheiro
e outro cavalo, além de sua montaria,
levando roupas e presentes soberanos
que à princesa pretendia oferecer.
O reino era tranquilo, seu pai um bom guerreiro,
porém melhor ainda um diplomata;
com tratados comerciais a paz se acata
e um bom exército também a garantiria,
as fronteiras do país a guarnecer...

Por todo o lado encontrou prosperidade,
como apenas bom governo ao povo traz,
porém com isso já estava acostumado,
crescendo sempre com tranquilidade;
e assim foi indagando, vários meses,
muito confiantes os campônios nessa paz
e finalmente, o proprietário de um moinho,
já perto da fronteira, lhe falou, devagarinho:
“Lá nas terras devolutas, já arruinado,
Contam haver um castelo os camponeses...”

“Corre uma lenda que, no meio da floresta,
ali se encontra a Bela Adormecida...”
Mas não sabia se verdade mesmo era...
“À mata virgem transpor ninguém se apresta...”
Bem mais adiante, seguindo o tal caminho,
encontrou uma velhinha, já encolhida,
à porta do casebre a tomar sol...
E lhe mostrando seu sorriso, doce anzol,
ela acordou...  E às perguntas que fazia
respondeu com boa-vontade e até carinho...

“Sim, é o castelo da Bela Adormecida,
meu filho...  Minha avozinha falecida
chegou a trabalhar lá...  Era copeira,
mas pela maldição foi perseguida,
que as plantações também adormeceram,
nenhuma rez de novo foi parida,
nem as galinhas mais botaram ovos,
mesmo a relva perdeu os seus renovos
e a floresta ressecou-se, derradeira,
todos os troncos a seguir endureceram...”

O PRÍNCIPE ENCANTADO X

“E se juntaram, formando uma muralha...
Não foi possível renovar as provisões...
Os camponeses a seus campos ressecados
abandonaram, mesmo a tropa já se espalha,
sem ser possível encontrar mais alimentos;
logo do reino emigraram multidões
e no final, também fugiu a criadagem...
Somente o rei e a rainha, com coragem
permaneceram para à princesa dar cuidados,
até as datas de seus falecimentos....”

“Contam que o rei enterrou a sua rainha,
muitos anos depois da maldição
e sobre a tumba se deitou até morrer,
com sua coroa e as jóias que ainda tinha;
tempos depois, ali chegou um salteador,
que tudo lhe roubou, sem compaixão...”
“Mas e a princesa?” – insistiu o Encantado.
“Ah, a Bela...?  No seu leito bem gelado
há muito tempo ninguém mais a busca ver;
até de entrar nesse castelo têm pavor!...”

“Contudo, me garantiu a vovozinha
que nesse dia em que se foi embora,
sem no celeiro ou na despesa haver comida,
continuava adormecida, a pobrezinha,
que nem sequer um dedo havia mexido...
Mas isso foi há muito longo outrora!
Depois disso, ficou a mata tão cerrada
que aqueles que a queriam despertada
não conseguiram, na tal floresta endurecida
achar passagem e tudo enfim foi esquecido...”

“Há longo tempo ninguém passa por aqui;
só os meus netos vem-me, às vezes, visitar
e me disseram que a floresta enverdeceu,
mas não há meio de se atravessar ali,
que além das árvores, cresceram espinheiros
e não há jeito de por ali passar...
Mas a Bela ainda deve estar Adormecida,
sem que ninguém mais a procure nesta vida!...”
Encantado gentilmente agradeceu
e seus cavalos pôs a trotear, ligeiros!...

O PRÍNCIPE ENCANTADO XI

Em pouco tempo, alcançou a tal floresta
e a contemplou com melancólico sorriso,
vendo que era realmente intransponível...
Como posso realizar esta minha giesta? (*)
Talvez com fogo eu queime os espinheiros...
Mas de repente, de surpresa e de improviso,
tal qual que se a floresta já o esperasse
ou talvez por seu sorriso se encantasse,
ele assistiu a uma ocorrência incrível:
surgiu passagem entre os troncos altaneiros!
(*) Missão romântica de um cavaleiro-andante.

Faria isso parte de seu encantamento?
Dando de ombros, atravessou-a com coragem,
logo avistando os campos ressecados,
um rio parado, sem mostrar seu movimento,
embora a água não parecesse estagnada...
Pensou até em banhar-se na paragem,
mas logo achou que não seria conveniente
e desmontando, foi seguindo à frente...
Por sobre um túmulo, viu ossos espalhados,
restos de um manto na ossatura despojada...

Então a história era mesmo verdadeira!...
Ali se achavam os pais da princesinha...
Seus cavalos amarrou em duas argolas
e a levadiça cruzou, sem mostrar medo.
Era o piso de mármore rachado,
Pilhas de entulho que do teto claro vinha,
restos de móveis, armas enferrujadas,
tapeçarias em farrapos penduradas,
empoleiradas nas traves pombas-rolas,
tirante os pássaros, tudo estando abandonado...

Mas após explorar peça por peça,
não encontrou da princesa algum sinal...
E ao reconhecer onde havia já passado,
em desaponto, saiu acabrunhado...
Decerto havia porões, mas duvidava
que a princesa ali se achasse, no final...
Que recebera maldição, já suspeitasse:
Seria essa, que a princesa nunca achasse?
Depois de a ter com tanto esforço procurado...
Mas uma torre lá no fundo se avistava...

O PRÍNCIPE ENCANTADO XII

Caminhou o príncipe outra vez pelo castelo
e finalmente, meio coberta pelo entulho,
uma porta divisou, um tanto apodrecida;
não teria força para poder detê-lo...
E de fato, ao seu toque, desmanchou-se.
Subiu as escadas, movido pelo orgulho,
seu coração já a bater, descompassado;
segunda porta já se havia despencado
e na câmara penetrando, escurecida,
uma mulher deitada em leito revelou-se...

Pé ante pé, aproximou-se, com cautela
e então sorriu: pois não queria despertá-la?
pela janela de repente o sol entrava
só percebendo então como fora amaldiçoado:
A mulher envelhecera com o castelo!...
Mil rugas pela face, recortada como tela,
seu corpo na magreza mais terrível...
A cabeleira, por qualquer motivo incrível
ainda loura, a seus pés quase alcançava...
Do crânio os ossos a sugerir um rosto belo...

Aquela múmia de corpo ressecado,
muito antes que ele nascesse, falecera!...
Não percebeu a menor respiração.
mas afinal, ele era o Príncipe Encantado:
cem anos antes deveria ter chegado.
Pobre jovem, que há tanto tempo adormecera...
Ele era a vítima da mais estranha profecia:
com uma defunta, jamais se casaria...
Mas na bondade de seu coração,
um beijo, ao menos, lhe deveria ser dado...

E se a beijasse... quiçá, remoçaria?...
Mas que tolice!  As mortas não remoçam...
E num impulso, inclinou-se sobre o leito,
sobre a tal boca ressecada que ali via,
depositando o mais gentil dos beijos...
Mas no momento em que os lábios se retoçam,
sentindo o cheiro e o sabor da poeira,
estremeceu a pobre múmia, toda inteira!
A um pesadelo achava-se sujeito...!?
De um respirar pressentiu leves adejos...

O PRÍNCIPE ENCANTADO XIII

Temendo o cheiro do bafo do passado,
Encantado recuou rapidamente,
sem ser assaltado por qualquer mau odor:
mesmo suave sendo o aroma suspirado...
Abriu os olhos, já de catarata brancos,
sorriu tal qual fosse jovem adolescente,
rugas em sua face mais se salientaram,
os velhos ossos a fina pele sustentaram...
“Quem é você?” – indagou-lhe aquele horror.
“Dores percorrem meu corpo como arrancos!”

“Por que não posso enxergá-lo claramente...?”
Encantado enfim sua voz recuperou:
“Senhora, estáveis sob um encantamento...”
“É bem verdade, lembro perfeitamente;
disse uma bruxa que morreria aos quinze anos,
mas uma fada a maldição amenizou:
que eu apenas iria adormecer
e após um século, dormindo sem morrer,
viria um príncipe beijar-me em tal momento
e para o amor despertaria sem enganos...”

“Você é o príncipe que me veio despertar?”
“Sim, minha senhora, esse é o meu destino.”
“Mas o que foi que aconteceu com minhas mãos?
Por que me doem os pulmões ao respirar?...”
Ela se ergueu, com a maior dificuldade.
“Mas o que houve comigo?  Por que esse desatino?
Meu corpo inteiro parece anquilosado,
cheia de dores, estou seca!... O amaldiçoado
encantamento que me prendeu há gerações
não foi quebrado realmente, não é verdade...?”

“Senhora,” disse o Príncipe Encantado,
sem ter ânimo para dizer toda a verdade,
“Vós dormistes por cento e vinte anos,
seu castelo totalmente abandonado...”
“Ai, por cem anos eu envelheci também...?
Ainda ontem eu estava cheia da vaidade
dos quinze anos, da beleza no esplendor!
Havia nobres a me falar de amor...
Como podem ter ocorrido tais enganos?
Meu pai, minha mãe, não encontro mais ninguém?”

O PRÍNCIPE ENCANTADO XIV

E sem poder aquilatar sua situação,
Bela caiu no desmaio mais terrível...
Que poderei fazer? – lamentou-se o Encantado.
Enrolou Bela em seus lençóis, então:
era uma pluma, não pesava quase nada;
molhou-lhe os lábios, como lhe foi possível.
Mas que coisa mais terrível!  Ele despertara
a sua noiva, mas ela em nada remoçara!...
Carregou-a escada abaixo, com cuidado:
não poderia ali deixá-la abandonada!...

Numa cocheira encontrou uma carruagem,
milagrosamente razoável seu estado
firme atrelou-a a seus dois cavalos,
colocando ali a princesa, com coragem,
estendida sobre o assento de cetim...
Olhou ao redor, percebendo, já espantado,
que a relva a seu redor reverdecia,
que outra vez no rio a água corria,
campos arados, qual se alguém a conservá-los:
a terra seca despertara inteira assim!...

Mas no momento em que Bela despertou,
Encantado escutou terrível pranto
e suspendeu o andamento da carruagem,
água lhe deu, mas nem um pouco a consolou,
mesmo nos braços a tomar seu corpo frágil...
“Eu tinha quinze anos quando o encanto
me fez dormir!... Pensei que acordaria
com o mesmo corpo que então me pertencia,
mas perdi minha juventude na passagem,
até morrer teria sido preferível!...”

Encantado a embalou, tal qual criança;
por sorte a princesa não cheirava mal,
porem suas roupas se estavam desfazendo
e assim pensou em lhe dar certa bonança...
“Senhora, trouxe-lhe joias de presente
e igualmente trouxe comigo um enxoval,
não gostaria de trocar sua roupa?...”
Chorou ainda mais, como se fosse coisa pouca
e adormeceu, soluçando e estremecendo,
Encantado sentindo-se impotente...

O PRÍNCIPE ENCANTADO XV

Felizmente, ele chegou a uma hospedaria,
na qual dois quartos depressa ele alugou;
e lhe falou a dona da pensão
que as roupas da “avozinha” trocaria...
Encantado colocou todo o enxoval
no quarto que para a Bela reservou,
embora as jóias consigo conservasse,
para um momento em que melhor se achasse,
nenhum dos dois a revelar a situação,
o pobre príncipe a sentir-se muito mal...

A noite inteira a si mesmo repreendeu
por seu impulso de depositar um beijo
naquela velha-moça adormecida...
Mas, afinal, era o destino meu!...
Contudo, agora, como a posso desposar?
E assim, pensando em tão infausto ensejo,
conduziu-a até o castelo de seu pai,
uma longa explicação a lhe dar vai,
sua mãe ficando já desfalecida...
Mas ninguém Bela decidiu-se a rejeitar...

O médico do castelo encarregou-se
de cuidar dela, mas sem prometer nada.
Podia tornar-lhe a vida confortável,
porém o tempo contrariar não se pudesse...
Não obstante, Encantado se julgava
o responsável pela pobre desgraçada,
mas quase nunca com Bela se encontrava,
porque a princesa ferozmente o amaldiçoava:
“Por que foi me despertar, seu miserável?
Um dia a morte finalmente chegaria!...”

Mas disse o médico: “Não morrerá tão breve,
conserva ainda um vigor desnecessário,
tal qual se fosse mesmo ainda adolescente...”
Porém dela aproximar-se não se atreve
o triste príncipe... “Não pode mesmo fazer nada?”
“Eu já lhe disse.  É um caso extraordinário:
não é possível todo esse tempo combater...”
“Mas se eu puder o seu encanto reverter?”
Pensando assim, em viagem ia frequente,
a ver se a bruxa podia ainda ser achada...

O PRÍNCIPE ENCANTADO XVI

Mas a única que encontrou foi a herbanária.
a quem chamavam “Jasmim” e “Margarida”.
“Alcalá e Altanair já faleceram,
Arandela ainda vive, solitária,,
mas incapaz de recordar de mais ninguém...
Estremosa em Avalon achou guarida...
Mas realmente, não sei nada de Datura,
e lhe confesso que me sinto meio impura,
pois o encanto amenizei que lhe impuseram,
sem perceber que envelhecer iria também...”

“Você não pode realmente fazer nada?”
“Tão somente a Datura poderia...
É necessário um poder muito maior
para cem anos reverter de uma assentada,
do que agora tenho ou que jamais em tive...”
Por dois anos Encantado perquiria
por toda parte, mas sem achar Datura,
até que um dia... encontrou-lhe a sepultura.
Voltou tomado de uma imensa dor...
Quem sabe Bela, coitadinha, já não vive?

Mas por esse pensamento envergonhado
voltou ao castelo e ao médico encontrou:
“Ela está muito bem, meu caro amigo...”
“Mas então...  O encantamento foi quebrado?”
O velho riu-se, bem educadamente:
“Velhice é coisa que ninguém jamais curou,
nem por ciência, nem magia ou encantamento...
Mas sua saúde é um real portento
para quem mais de cem anos traz consigo:
ela caminha e tem conversa inteligente...”

“Depois que a submeti a fisioterapia,
Muito melhor tem as articulações...
Das cataratas, eu mesmo a operei;
tem bom-humor e das dores que sentia
já consegui aliviá-la grandemente,
até engordou... E mantém boas relações
com a Senhora sua Mãe e o Rei seu Pai...
usa muletas e pelo castelo sai,
indo assistir às audiências de seu rei...
Sua audição ainda está excelente...”

O PRÍNCIPE ENCANTADO XVII

“Por que não vai visitá-la, você mesmo?
Seu pai e sua mãe há muito tempo a aceitaram...”
“Mas, doutor, ela disse que me odeia!”
“São só palavras que pronunciou a esmo,
não tem qualquer motivo para o odiar,
foram as bruxas que de tal forma a deixaram...”
“Então agora crê em feitiços, bom doutor?”
“Creio no enigma de mulher plena de vigor,
com suas faces retalhadas como teia,
mais de cem anos certamente a aparentar...”

Encantado, finalmente, decidiu-se
e à porta lhe bateu, suavemente...
Se não lhe respondesse, iria embora.
Mas uma voz logo a seguir ouviu-se:
“Pode entrar...” Meio com medo, penetrou.
“Ah, é você...” – disse a mulher, indiferente.
“Pensei fosse o doutor.  Por que está vindo?”
“Para saber como se está sentindo...”
“E como espera que eu me sinta nesta hora?”
“Está mais confortável?” – Encantado balbuciou.

“Para quem tem mais de cem anos, confortável.”
E no silêncio que se seguiu depois
só se lembrou de perguntar: “Ainda me odeia?”
“Claro que não.  Só me sinto miserável,
mas reconheço que a culpa não é sua,
a maldição é que envolveu nós dois...
Mas qual é a razão de estar aqui?
A verdadeira... Veio ver se não morri?”
“Não é nada disso!  Mas a morte então receia?”
“Acolheria com prazer sua foice nua...”

“Mas de fato, tendo apenas dezessete,
por muitos anos não a espero ver chegar!
Seu castelo talvez também eu arruíne...”
Uma vozinha em sua cabeça se intromete,
mas o príncipe a afastou, rapidamente:
“Eu só desejo é que possa melhorar...”
“Fazem dois anos... Nunca mais me visitou...”
“Eu procurei Datura... Ninguém nunca lhe contou?
Até parece que cometi um crime!...”
“É óbvio que não.  Foi tão só indiferente...”

O PRÍNCIPE ENCANTADO XVIII

“Mas veio agora esperando gratidão?”
“Minha senhora, só vim ver como se achava.”
“Agora viu, mas por nada lhe agradeço,
não lhe pedi que me quebrasse a maldição;
se por acaso me viesse a perguntar,
eu lhe diria ser tolice o que buscava...
Em suas viagens, só estava me evitando,
mais do que a cura me estivesse procurando.
Não obstante, de seu beijo não me esqueço:
sabe que foi o primeiro a me beijar...?”

Mas continuando nessa conversação,
foi logo o príncipe puxar uma cadeira.
A velha-moça não mais o repelia,
mas para o mal não encontrava solução.
Passado um tempo, finalmente ele se ergueu.
“A sua visita foi bastante lisonjeira,”
disse ela.   “Agradeço a compreensão.”
Então o príncipe respondeu, com emoção,
que na verdade pouco ou nada compreendia,
mas de novo a princesinha agradeceu...

Encantado se tornou muito confuso,
mas voltou logo, de novo, para vê-la,
ela era espirituosa e inteligente...
“Ah, se não fosse o tal maldito fuso!...”
“Como assim?”  “Não lhe contaram dessa arte?
Uma roca encontrei e, ao percebê-la,
tomei nas mãos o fuso e me piquei...
desde esse instante não mais eu acordei,
até o momento de seu beijo quente...”
Encantado se assustou e a seguir parte...

Será que eu tenho de beijá-la novamente?
Mas retornou, passada uma semana
e por um ano inteiro conversaram,
até passeios a fazer juntos, frequente,
mas Encantado não se atrevia a tocá-la,
embora jogassem damas sobre a cama;
contudo, aos poucos, se tornaram bons amigos,
ele contou de suas buscas os perigos,
essas pesquisas todas que falharam...
Se por acaso outra vez fosse beijá-la...?

O PRÍNCIPE ENCANTADO XIX

Será que assim o encantamento quebraria?
E se lhe acontecesse algo pior?
Se, por exemplo, se transformasse em poeira?
À experiência ele jamais se atreveria!...
Enquanto isso, algo de estranho aconteceu:
a cada ano, a colheita era menor,
o reino inteiro a passar por estiagem,
passando fome até mesmo a criadagem,
toda a reserva esgotada por inteira,
mandando o rei comprar trigo enquanto deu...

Logo esvaziou-se o tesouro real,
porque sementes aos campônios distribuiu,
mas sem vir chuva, não brotava nada;
aos cidadãos compartia algum cereal;
sequer o gado se reproduzia
e logo a caça do país sumiu,
depois os rios de peixe se esvaziaram,
nem as galinhas ovos mais botaram...
Breve chegou uma turba revoltada
às portas do castelo, em gritaria!...

Mas disse o rei: “Nada mais tenho no celeiro;
nossos vizinhos se estão a aproveitar
desta penúria e nos cobram muito caro:
o meu tesouro já se esvaziou inteiro!...
Não sobram meios para dar-lhes mais semente!”
Um sacerdote avançou a lhe falar:
“Não, Majestade, a culpa é da presença
dessa princesa entre nós, que desavença
causou às nuvens e o alimento tornou raro!
Ela é que trouxe sobre nós tempo inclemente!”

“Mas o que querem que eu faça? É uma velhinha!
Não podem desejar que a mande embora!...”
“Não, Majestade, mas que se cumpra a obrigação!
Não o senhor, pois já tem a sua rainha,
porém seu filho, o seu príncipe-herdeiro!...
“Eu não entendo!...”   “A tradição vinda do outrora
fala que a terra deverá ser renovada
por uma boda que seja celebrada...
Então que o príncipe complete a sua missão!
Foi seu destino!... Pois que o cumpra por inteiro!...”

O PRÍNCIPE ENCANTADO XX

E dessa forma, informaram ao Encantado
que o matrimônio deveria ser cumprido,
por mais que a perspectiva o horrorizasse!...
E depois de uma semana ter pensado,
o Encantado finalmente concordou:
era o destino para o qual havia nascido:
já que a trouxera, a si cabia a solução:
foi à velha princesa para pedir-lhe a mão,
perfeitamente seguro que aceitasse...
Mas ela, de imediato, recusou!...

“Você está louco?  Assim velha como estou?”
“Não, realmente eu preciso desposá-la...”
“É minha beleza e juventude que o atrai...?”
“Não, minha querida.  O Conselho decidiu
que sua vida está ligada à nossa terra,
que é sua presença que está a devastá-la;
até querem-na expulsar, mas por nosso casamento
será quebrado finalmente o encantamento.
Já pensei muito.  A maldição que sobre nós recai
só por nosso matrimônio é que se encerra...”

“Se nos casarmos, talvez venha a remoçar...”
“Mas eu não quero casar-me com você!”
“E por que não?” – falou o príncipe, espantado.
“Nenhum pedido já viu alguém lhe recusar?”
“É o reino inteiro que necessita salvação!
Pode zombar de mim, se ainda não crê,
mas a sua mão não me pode hoje negar!
Nós a acolhemos, terá de nos ajudar!...”
“Você me ama?” – disse a velha do seu lado.
“É o que se espera escutar nesta ocasião...”

“Não, minha querida.  Eu não posso lhe mentir,
porém gosto de você imensamente,
por sua inteligência e qualidades,
contudo... amor não poderei fingir....”
“Pois eu o amo,” disse ela, mansamente.
“Foi o meu primeiro beijo, realmente...”
“Então por que não quer casar comigo?”
“Jamais me ferirá, meu doce amigo...?”
“A vida é feita de eventualidades...
Talvez a fira, caso o rancor me atente...”

O PRÍNCIPE ENCANTADO XXI

“Ao menos jura que jamais me mentirá,
meu Príncipe Encantado, no futuro?”
“Isso eu prometo, serei sempre verdadeiro.”
“Se um dia mentir, é quando mais me ferirá...”
Destarte, celebrou-se o casamento,
sem grande pompa, mas compromisso puro
e os sacerdotes disseram que a beijasse...
Isso ele fez, com elegância e classe,
porém não remoçou seu corpo inteiro...
Nem desse modo se quebrou o encantamento!

E lhe ordenou o Sumo-Sacerdote:
“Você deve consumar o casamento;
é seu dever um novo herdeiro produzir...”
Falava a sério, mas seria puro escote?  (*)
Assim o príncipe carregou-a até o leito,
ainda leve como pluma em tal momento.
Ela pediu-lhe que ele fosse cuidadoso,
“Nunca tive um namorado, meu formoso...”
“Eu lhe jurei que jamais a iria ferir...”
Disse o Príncipe, abraçando-a com jeito...
(*) Troça, zombaria, sarcasmo.

E no momento em que lhe deu a sua semente,
recebida por ela num suspiro,
ouviu lá fora um ruído inesperado:
era a chuva que descia de repente!...
E para seu espanto, percebeu,
ao virar-se para o lado, em brando giro,
que tinha ao lado um rosto encantador,
corpo perfeito implorando mais amor.
Cumpriu-se assim o destino do Encantado
E o da Adormecida, que seu filho concebeu!...

Ao norte, desbravou-se a tal floresta,
todos os campos novamente cultivados
e do reino duplicou-se a extensão...
Vinda a colheita, celebrou-se a festa
E belos filhos gerou esse casal...
Ainda comentam alguns velhos aloucados
que lá no leste abriu-se uma sepultura
e dela ergueu-se a alma de Datura,
perdoada, enfim, a sua própria maldição,
que de Avalon foi em busca do fanal...

EPÍLOGO

Pudera também eu um dia despertar
em cada velha a jovenzinha perdida,
ao lhe aplicar o mais gentil dos beijos!...




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