quinta-feira, 20 de outubro de 2016






AMORES VIOLETA – 29 SET—8 OUT16
Novas Séries de William Lagos

PICADAS VIOLETA I – 17 OUT 2007

Se te farei sofrer, não quero mais
o meu amor de víbora, a peçonha
que em ti derramo, no amor que ponha
o meu prazer, sem retribuir jamais.

Se dor te causarei e for demais,
meus anelos contrario: que deponha
prazer o meu amor quanto ela sonha:
centelhas de ilusão em mil torchais...

Pois sempre foi o que mais me atrapalhou:
que assim sofresses dor, enquanto davas
o gozo multicor e me aliviavas,

por um breve momento, o meu sofrer...
Mas que prazer teria, se não dou
um gozo igual ao que me faz viver...?     

PICADAS VIOLETA II – 29 SET 16

Sofrer por dor é muito relativo:
existem dores que ferem bem profundo,
outras que o peito tornam iracundo,
outras que criam rancor bem mais ativo,

outras de efeito bem pouco sensitivo;
há dor ridícula que te faz jocundo, (*)
há dor solerte que te deixa imundo,
há dor tão leve que mal passa no crivo
(*) Que te faz rir.

do sentimento.  Há quem seja mais sensível,
que por um quase-nada se magoa,
fervendo em raiva ou lançada em depressão,

enquanto a pele de outra é intransponível
e até o maior insulto é coisa atoa,
que não lhe toca, nem de leve, o coração.

PICADAS VIOLETA III

A dor moral, portanto, muitas vezes,
dói muito mais em quem a provocou
do que neste ou naquela a quem picou,
traz um remorso que dura muitos meses

ou mesmo mais, pois julgas que lhes deves
por tua palavra dura que brotou
ou pela indiferença que insinuou
maior rancor com que de fato os leses...

Eu sou assim. Por mais que uma ferida
tenha sido perfurada dentro dalma
rói muito menos que se eu a provoquei.

E mesmo tendo logo a escusa concedida,
meu peito arde e não encontra a calma,
visto que eu a mim mesmo não perdoei.

PICADAS VIOLETA IV

Assim, se te magoei e me perdoaste,
terei de mim um maior ressentimento:
não me absolvo nesse julgamento,
sofrendo menos quando me magoaste.

Mas, em geral, foi involuntário engaste
que te feriu, descontrole de um momento,
involuntário totalmente o movimento,
porém de tua vingança não cansaste.

E desta forma, quando revidaste,
foi por ação totalmente desejada,
em imediata ou planejada ação;

pelo desdém percebido esse desgaste,
a repetir por dez vezes a picada
que te causei sem ter tido a intenção!...

PELÚCIA VIOLETA  I – 18 OUT 2007

Prefiro ser magoado que ferir.
Primeiro, por estar acostumado,
porque sensível sou, mas calejado
de antigas mágoas: das quais possa rir...

Mas sei que outros não têm esse talento.
Às vezes, sem querer, sou magoador
e causo o mal, buscando dar amor,
por mais pureza tenha em pensamento...

Isso porque aprendi, no sofrimento,
a transformar desejos em poesia.
Poucos conseguem sublimar humilhações.

E julgo então, no meu ressentimento,
que os outros são iguais, mas como é esguia
essa pele que protege os corações!...

PELÚCIA VIOLETA II – 30 set 2016

Frequentemente a alma da mulher
por algures vagueia, simplesmente,
em preocupações de inverso ambiente,
praticamente alheia a seu mister,

só pelo hábito a praticar o quanto quer,
porém sua mente noutra parte ausente
e até se queima os dedos, de repente,
quase nem nota a crua dor sequer...

Quando no mundo do possível se apresente,
em pensamentos desconcatenados,
interrompidos pela lancinante dor;

só então se arranca da fantasia ingente,
tais pensamentos já mal e mal lembrados
em sua quimera amorosa ou de estertor.

PELÚCIA VIOLETA III

E quando seu marido ou seu amante
com essa intermitência se ressente,
a sua surpresa é plena e transparente,
mal se recorda do derradeiro instante,

mas por tal interrupção raiva vibrante
lhe sobe à tona, rasgado o peito e a mente,
que ao mundo em torno se achava indiferente,
concreto ambiente que a cerviz lhe espante. (*)
(*) Testa = Cabeça, mente;

Nessa impaciência, suas raízes decepadas,
sem nem saber porquê exatamente,
meio magoada por ter sido interrompida,

tais quais artérias do coração cortadas,
toda arranhada a sua pele translucente
por tal retorno indesejado à vida!...

PELÚCIA VIOLETA  IV

Por isso, é necessário ter cuidado,
essa pelúcia é mais fina que veludo,
esgarçada, rasga fundo, não me iludo,
involuntário seja o corte e sem pecado.

Não obstante, é ferimento atribulado,
não é mais que um terciopelo seu escudo,
no suprassumo de um desejo mudo,
que nem sequer a si mesma é confessado!

Quantos meandros precisou então cruzar
a sua mente, a se esfolar nos escaninhos,
cheios de curvas, com ásperas esquinas,

na crueldade desse ingente despertar,
que não compensam os mais meigos carinhos,
que mais irritam tais paredes finas!..

REGRAS DA VIDA XLII (42) – 18 out 2007

O que mais vale na vida é a qualidade
e não o preço que vais pagar por ela.
Enquanto não tiveres liberdade
de comprar a tessitura de uma estrela,

não te contentes com luz fluorescente.
Economiza, luta, até que possas
adquirir aquilo em que te endossas
como sendo o desejo permanente...

Assim no amor, procura o mais real,
o duradouro e não o LED sucedâneo
e nunca abraces tão só por solidão.

Amor não é somente um festival:
é para a vida inteira o sufragâneo (*)
de ti, que te preencha o coração!
(*) Eleito, mas antes de assumir o cargo.

CUIDADOS VIOLETA I – 19 out 07

Não há palavra mais longa do que "sempre",
nem som mais breve que a palavra "nunca".
São palavras sem rima, não se cumpre
tempo mais longo que “sempre” e nem se junca

por mais que se acumule no "jamais",
tempo mais curto... Exceto no "talvez",
que nem sequer é tempo, nos anais
da eternidade, pois em tempo mal se fez...

Porque o "sempre" se espera ser eterno,
enquanto o "nunca" se julga nem sequer
viver no tempo inteiro... Ou no "também".

E assim eu fico, em tom amargo e terno,
pois sempre hei de querer essa mulher,
mesmo que nunca venha a ser "meu bem".

CUIDADOS VIOLETA II –1º out 2016

Contudo, um “sempre” nunca é “nunca-mais”,
nem nunca o “sempre” nos traz gozo perenal,
melhor “talvez”, coisa bem mais habitual,
mescla de eternos com laivos de jamais.

Sempre o “sempre!” se reverte nos totais
e nunca o “nunca!” é totalmente material,
nunca o “sempre!” é inteiramente perpetual
e o “nunca!” em breve encontra os ademais...

Cada “entretanto” ao “sempre” desafia
e o “doravante” vai ao “nunca” limitar,
só o “talvez” é que possui perpetuidade...

Cada incerteza ao vasto “sempre” esfria,
todo o “quem sabe” ao “nunca” vai quebrar,
que nada humano alcança a eternidade.

CUIDADOS VIOLETA III

Mesmo que o “nunca!” seja maior que o nada,
enquanto o “sempre!” é bem menor que o todo,
pois cada “nunca!” seu fim alcança ao rodo,
e cada “sempre!” tem duração quebrada...

Esta é uma regra que não pode ser mudada,
por mais que o “sempre” se embarace em lodo,
por mais que o “nunca” enfrente algum apodo,
pois nunca é eterno; todo “nunca!” é quase-nada.

E sem o “sempre” será sempre conservado;
só existe sempre na sempiternidade
e sofre o “sempre” aos poucos seu desgaste.

E pelos séculos dos séculos desprezado
será o “nunca”, por não ter ubiquidade,
nem para encher o “nada” nunca baste!...

CUIDADOS VIOLETA IV

E que fazer com tal “sempre” sem rima,
se algum amor vem sempre nos tirar?
Ai, como é curto o “sempre” desse amar,
Ai, como é breve a juventude da menina!

E que fazer, quando o “nunca” desatina,
a sempre e sempre nunca se afirmar
e nunca e nunca para sempre continuar
tal nunca-sempre que nos governa a sina!

Só uma coisa é certa: é que jamais
se pode depender de um “sempre!” exato
e nem de um “nunca!”, por definição,

ambos perdidos na corrente do ademais,
sem ser o “sempre” um permanente fato
e nem o ”nunca” uma total separação!...

DEALBAR EM VIOLETA I – 19 out 2007

Tudo acontece quando ocorrer deve,
nem antes, nem depois, sem qualquer dúvida...
a cornucópia só se mostra túrgida
quando a inclinam os deuses, numa breve

e risonha carícia caprichosa...
se ocorrerá de novo, nem te atreve
a prever, pois são cristais de neve,
hexágonos de luz semipreciosa...

Essa é a graça dos deuses. Se concedem,
é quando querem e não quando desejas:
estende as mãos e colhe as chuvas mansas...

E beija o sol, quando os raios se despedem...
não importa se a miragem nunca beijas,
tens a lembrança dela e não te cansas...

DEALBAR EM VIOLETA II – 02 OUT 16

É tão estranha essa palavra “dealbar”,
que mais parece denotar a conclusão,
embora indique de fato a iniciação
de qualquer dia que a noite vem quebrar...

Também estranha essa palavra “amar”,
que nos inspira sempiterna ação,
mas quanta vez acha completação
no reverso da medalha, que é o “odiar”.

E como é estranha a bênção da “esperança”,
pois é de fato não mais do que abstrata,
embora digam: “quem espera sempre alcança”.

Tão estranho é o dealbar, pois sabe a mente
que esse dia facilmente se desata
quanto o amor que alma a alma entrança!

DEALBAR EM VIOLETA III

Eu bem queria amor a proclamar
como essa flor de florilégio eterno!
Que todo o seu vigor de espanto terno,
nesse momento de ansioso despertar,

tal qual a aurora que se pode contemplar
numa explosão de dote sempiterno,
especialmente nos frios dias de inverno
que em hora breve a luz nos vem cortar!

Contudo é a aurora, até mesmo no verão,
somente o arauto do dia transitório,
por longo seja o crepúsculo estival.

Destarte o amor te confrange o coração,
trazendo o aviso, assaz peremptório,
que cedo ou tarde há de perder o seu fanal!

DEALBAR EM VIOLETA IV

Embora o dia nos chegue na hora certa,
nunca chega à mesma hora todo dia:
algumas vezes mais cedo se inicia,
outras mais tarde seu dealbar desperta.

Assim o amor também nos desconcerta,
a nos brindar na hora em que queria
e não naquela em que a gente se iludia
dever o encanto explodir na mente aberta.

Pois entre o amor e a aurora a mente oscila,
tudo pensado, sempre descontente,
por chegar cedo demais ou muito tarde!

Dos equinócios nos afasta a longa fila (*)
dos dias longos ou breves tão frequente,
enquanto o amor esfria e o peito arde...
(*) Duas datas anuais em que o dia e a noite são iguais.

RESSUMBRAR I (sem data)

Monótono é este som.  Escuto em paz
revirando as moléculas do ar,
acompanhando a melodia alvar,(*)
enquanto espero a hora que me traz
(*) Boba, tola.

os universitários... As horas más
do desperdício.  Sei bem não vou ensinar
absolutamente nada.  Só mostrar
a quem quiser aprender como se o faz.

Pelas janelas escuto este batuque,
num ritmo neurótico, sem métrica,
acompanhando um girar entontecido,

então concebo, por um estranho truque,
estar a ver derviches em sua estética
busca de Alá em tal ritmo perdido...

RESSUMBRAR II 03 OUT 2016

Os meus motivos para escrever são vários
e não se esgota nunca a inspiração;
a meu redor, a flutuar, vejo que estão
almas perdidas de mil escriturários...

Este soneto sobre os universitários
quase em bolor descobri nesta ocasião,
esfarrapadas suas margens sem perdão
(por sorte traças não guardo nos armários!)

Bem certamente, esta ocasião passou,
que há vários anos cessei de lecionar,
restrito apenas a minhas traduções,

mas a lembrança de novo ressumbrou
das longas horas por eles a esperar,
quando faziam algures suas reuniões!

RESSUMBRAR III

Na maioria, meus amigos permanecem,
alguns procuram me abraçar nas ruas,
outros escrevem, quando estão de luas,
alguns rancores, contudo, ainda acontecem.

Especialmente quando esperanças crescem
de serem reconhecidos pelas suas
fisionomias, nas quais solertes gruas
calvície e rugas indesejadas tecem...

Eu cuido os olhos, que pouco se transmutam,
mais facilmente relembrando seus semblantes,
porém seus nomes a girar em labirinto,

pois quantas listas de presença se permutam
nesses rostos tão mais velhos do que dantes,
mas nos quais cordialidade ainda pressinto!

RESSUMBRAR IV

A revolver os escaninhos do passado,
lamento não possuir memória eidética; (*)
meus dias se confundem nessa estética,
imagens pingam em ritmo apressado.
(*) Recordação total.

Sem qualquer dúvida, cada dia é recordado,
mas foi tão repetitiva essa profética
de novos dias a gastar na mesma ética,
nessas veredas a pisotear meu passo andado!

Foi meu costume quase sempre caminhar
após as aulas, em meu retorno a casa,
algumas sendas a cobrar-me mais de hora...

Os rostos rotos em centelhas a brilhar,
de cada face em carvão perdida a brasa,
tanto do antanho para mim jogado fora!...

vazio violeta 1 – 04 out 16

a cada instante fabricamos o passado,
camada após camada em nosso antanho,
nem sempre equilibrado o seu tamanho,
como estrato geológico encontrado.

um bom geólogo examina o seu achado
e vai dizer, pela extensão de cada lanho,
quantos séculos acumula no seu ganho,
destarte um novo conhecimento acumulado.

mas as camadas superpostas na memória
são afetadas por constante vazamento,
novas lembranças a mostrar supuração,

intercaladas de forma peremptória
pelas lembranças de lembranças do momento
nesse mosaico em perpétua mutação...

vazio violeta 2

nossa memória se colore em violeta,
nem roxo, nem azul ou avermelhado,
gotas de arco-íris na panóplia do passado,
gotas de olvido que o coração secreta...

lembranças há que a alma só completa
com os retalhos que tomou do resultado:
outras lembranças de teor acidulado,
na imposição de qualquer dor mais indiscreta.

como equimoses que a pele avioletam
ou arroxeiam, enegrecem e amarelam,
as más lembranças insistem em voltar...

enquanto aquelas que mais prazer concretam
se amalgamam entre si e se revelam
tão difíceis para a gente recordar!...

vazio violeta 3

boas lembranças se entreveram e misturam
nessa nuvem de prazer enovelado,
algum orgasmo apenas relembrado
na multidão dos outros que perduram.

alguns fracassos, contudo, nos torturam,
a culpa e a humilhação nesse ampliado
caleidoscópio de pedrinhas marchetado,
que ao invés de flores quais tristezas duram.

nossos demônios favoritos vêm de novo,
inesperadamente à superfície,
como um lodo que não chega a se assentar

e ali quedamos, sem querer, vendo o renovo
de uma mágoa qualquer ou de estultície,
sempre do vácuo violeta a tocaiar!...

LÁGRIMAS VIOLETA I – 5 OUT 16

Por que não para o mundo quando amor parou?
Por que não morre a Terra quando amor morreu?
Parou o amor, mas dele o mundo se esqueceu,
Morreu o amor, mas dele a Terra não lembrou.

Indiferença sempre a vida demonstrou
Perante as mágoas que o coração sofreu:
Foi esse o meu destino e foi o teu,
Fado perpétuo que a todos nos tocou...

Existe até quem se mostre solidária,
Quando queremos lamentar o desamor,
Porém em breve já acredita ter direito

De nos roubar a hora perdulária,
A confessar longamente o próprio ardor,
Inda mais fundo a perfurar o nosso peito.

LÁGRIMAS VIOLETA II

Ou vem alguém a nos dar algum conselho,
Que o real consolo está na religião,
Ou numa ação comunitária, então,
Nossas mágoas ampliando qual espelho...

Ou nos indica um alfarrábio velho
De autoajuda, para nos dar consolação,
Quando de fato, só buscamos a ocasião
De às chibatadas fugir do veloz relho.

O fato é que mal de amor é tão comum!
Quem nunca teve algum sofrer profundo,
Qual realmente jamais alguém esquece?

Sem que se possa encontrar consolo algum:
Se amor acaba, não termina o mundo
E nem amor ressuscita qualquer prece!...

LÁGRIMAS VIOLETA III

Pensando bem, por que parar devia
O mundo inteiro por nosso sofrimento?
Por que, na pena de nosso entendimento
Sequer a Terra por momento morreria?

A dor é nossa e tão mais se sentiria
Quanto mais fundo nos cortou o sentimento
De sermos centro do mundo em tal momento,
Quando só estamos em sua real periferia...

Muito melhor toda dor tornar poesia,
Que sempre pode ser literatura
E que nos outros só recorda a própria dor,

Quando em segredo sua lágrima vertia,
Nesse crepúsculo de violeta pura
Que então demarca o fim de cada amor.

OMPHALOSKEPSIS  I – 06 OUT 16

JÁ MUITAS VEZES QUASE ADORMECI
PARA MEUS FILHOS A CONTAR HISTÓRIAS,
RETRANSMITINDO DOS HERÓIS AS GLÓRIAS,
CONTOS DE FADAS QUE EM MINHA INFÂNCIA LI.

MAS EM OUTRAS OCASIÕES, QUANDO OS REUNI,
SEMPRE EVITEI, POR RAZÕES CONTRADITÓRIAS,
QUE NO PRESENTE ME FOGEM DAS MEMÓRIAS,
LHES REVELAR AS HISTÓRIAS QUE EU VIVI.

O  MAIS ESTRANHO FOI FORÇAR-ME A ESQUECER,
POR UM PERÍODO DE QUASE TRINTA ANOS,
DE MINHA VIDA UM SINGULAR EVENTO,

POR NUMA LÁPIDE MEU NOME UM DIA VER,
MORTO NA GUERRA DOS HERÓIS INSANOS,
MORTA FAMÍLIA DE FANTASMAS TENDO ALENTO.

OMPHALOSKEPSIS II

SOMENTE AO ESCUTAR DE UMA CANÇÃO,
QUE MEU FILHO, DE PRESENTE, ME GRAVOU,
VELHA LEMBRANÇA ENTÃO SOBRENADOU
DA AMARGA GUERRA CHAMADA SECESSÃO.

QUE DESTE FATO PROVOCOU A REPRESSÃO
É UM ENIGMA QUE A MENTE ME ASSOMBROU,
POIS NO FUNDO DE MINHALMA SE OCULTOU,
NESTA MINHA VIDA DE CONSTANTE AGITAÇÃO.

NA QUAL A TANTO FATO ALHEIO DEI ABRIGO,
MIL ESCANINHOS DE CULTURA INÚTIL,
MAS QUE HOJE SERVE FORRAGEM A MEUS VERSOS,

MUITO DIVERSA DE CONTEMPLAR O MEU UMBIGO,
QUE OLHO APENAS QUANDO O SABÃO DÚCTIL
SUA COVA RASA FAÇO LIMPAR COM DEDOS TERSOS!

OMPHALOSKEPSIS  Iii

TERIA O BUDDHA A CONTEMPLAÇÃO DO UMBIGO
INSPIRADO A SEUS TANTOS SEGUIDORES;
COMO ONFALOSCOPIA OS ESCRITORES
MAIS DEFENDEM TAL CONCEITO SEM PERIGO.

MAS RARAMENTE EU MEDITAR CONSIGO
DE MEU PASSADO NOS MORTOS ESTERTORES,
SOMENTE ESPIO ALI VELHOS AMORES,
NO MEU DESEJO DE TORNAR AO SONHO ANTIGO.

FAÇO DE CONTOS DE FADAS MEU ABRIGO,
JÁ DUAS CENTENAS E MAIS A VERSEJAR,
QUE PARA OS FILHOS E NETOS ALGUÉM CONTE!

MESMO DEPOIS QUE ME ACHE EM MEU JAZIGO,
QUE SE POSSAM TAIS HISTÓRIAS RECORDAR,
TALVEZ MEU NOME EM OUTRA LÁPIDE REPONTE...

OUTIS (Ninguém) I – 7 out 2016

Tu te recordas, pois já te apaixonaste,
(não há no mundo quem não sofra desse mal)
alguém amaste, não importa qual,
e as mesmas dores em egoísmo experimentaste.

E se ao ler o que escrevo, recordaste,
toque de ardência nos olhos natural,
de cardíaca contração o temporal,
eu não lamento se neste dia choraste,

porque não foi a minha dor que te feriu,
mas aquela dor antiga mal coberta,
sua cicatriz revolvida e que desperta...

Mais infeliz, porém, quem não sentiu
um vasto amor, caminhando pelo céu,
a Terra inteira algodoada em branco véu...

OUTIS II

No velho mito do Ulisses marinheiro,
capturado certa vez por Polifemo,
o cíclope canibal, sorte de demo,
seus companheiros a devorar ligeiro,

com um pouco de mosto alvissareiro,
suco de uva, nesse transe extremo,
em vinho transformado, não pequeno
esse ardil do Odisseus de peito arteiro...

Depois o espeto com que a carne atravessava
do gado humano de que se alimentava,
firmemente endureceram sobre o fogo,

que logo a vista do gigante perfurava!...
Mas indagando quem tal vinho lhe brindava,
“Eu sou Ninguém!” – foi resposta de tal rogo.

OUTIS III

“Meu nome é Outis!” – esse Ulisses proclamou,
que por “Ninguém” o português traduz;
com sua esperteza o perigo assim reduz,
contra a vingança que tal cíclope tramava...

Pois disse ele: “Pela bebida que me dava,
à minha boa-vontade hoje o conduz:
será Ninguém o derradeiro nesta cruz
de meu espeto que refeição me assava...”

Assim, quando outros cíclopes indagaram:
“De quem te queixas, irmão Polifemo?”
“Dos meus olhos Ninguém tirou a luz!...”

Seus irmãos todos em zombaria gargalharam:
“A ti causaste um tal dano não pequeno?
Aguenta o mal que tua própria mão produz!”

OUTIS IV

E embora Polifemo a Outis persiga,
por sobre o mar a arremessar rochedos,
sobre ninguém tombaram tais penedos,
nessa cegueira que para sempre o siga!

Da qual livrar-se é certo não consiga,
talvez da fome morresse nos degredos,
as pontas a morder dos próprios dedos,
por mais que a Outis em cólera maldiga!...

Com mais frequência se menciona Nemo,
Outis-Ninguém se traduziu em latim,
língua que o mito nos transmitiu de Polifemo.

E com tal nome batizou seu capitão,
Jules Verne, de seu Náutilus assim,
influenciando muito mais que geração...

OUTIS V

Se te recordas de tal nome, pouco importa,
já foi demais a Odisseia recontada,
em versão filmográfica aleijada,
mas numerosa interpretação ainda comporta,

na mente humana que se poder entorna.
Foi como arquétipo há milênios conservada,
Ninguém ou Outis a tornar visão truncada
desse gigante que sequer alguém conforta.

Pois nos relembra que um só ponto de vista
não nos permite ter visão estereoscópica;
com duplo olhar nos dotou a evolução;

e facilmente Ninguém tem a conquista
de quem o encara em projeção miópica,
vendo no outro sua própria inclinação...

OUTIS VI

Também recorda de como te cegaram
pela promessa de qualquer paixão eterna
ou pelo vinho de límpida cisterna,
ambos teus olhos é que se apaixonaram...

Tal qual se agulha na testa te cravaram,
até o quiasma que a visão governa,
esse ciclópico olho que se alterna
com o Bindi que os hindus imaginaram.

Mas como foi feliz essa cegueira!
lado a lado um casal na embriaguez,
sem de sua vida temer cruel espeto!...

Até cortar-se o amor por vez primeira,
nessa terrível dor, que assim se fez
definitivo o perfurar de teu afeto!

NIGREDO I – 08 OUT 16

Em Sexta-feira Treze escrevi treze
Sonetos num só dia, sem espanto
Que um dia fiz cinquenta nesse encanto
Que a alma devorou posto que reze,

Sem que seja maldição que a mente lese;
Não é mais que um canal feito de pranto;
Gotas de espinhos teceram já meu manto,
Nessa unção tormentosa que me pese.

O esforço é sensual, lânguido até,
Aproveita intervalos, rabiscando
Canções sem tom, melodias sem sentido

E vivo assim, erguido no sopé
De vasto monte, descaso só ganhando
De tantos sonhos em que encontro-me perdido.

NIGREDO II

Canta o Nigredo a morte espiritual,
Tão longo ansiada pelos alquimistas,
Sempre aplicados às estranhas pistas
Da Pedra mística, dita Filosofal!...

Seus ingredientes prepararam em ritual,
Primeiro ansiando por tais negras conquistas,
Até alcançar o despertar do Citrinitas,
Terceira fase de seu esforço contextual.

Seria o Nigredo primeiro transformado
Na purificação chamada então Albedo,
Com frequência obtida em seus cadinhos,

Depois de ser o Citrinitas conquistado,
Esse estágio final, dito Rubedo,
Iluminado à força de carinhos.

NIGREDO III

Nesse prélio persistente, os alquimistas
De seus processos nunca duvidavam;
Somente a hora experimental variavam
Por cem razões arcanas e ocultistas,

Sob a influência dos ritos zodiacístas,
Um decanato novo então buscavam,
Um ascendente então determinavam
Que ao resultado dê razões horoscopistas...

Mas se a Pedra Filosofal tanto buscada
Foi por qualquer alquimista conquistada,
De fato é algo que nunca se provou,

Que em seu laboratório bem trancado,
Se tal prêmio descobriu esse Iniciado,
Sendo Ocultista, os resultados ocultou...

NIGREDO IV

Já meu processo não é muito diferente,
Pois sempre nele insiro o meu empenho
Ante o papel, com meu cerrado cenho,
O meu trabalho é constante e persistente.

O fogo acendo sob o cadinho ardente,
No almofariz meus ingredientes tenho,
Num alguidar meu próprio sangue venho
A derramar em coagular frequente.

Morre primeiro a ação conjuntural.
Nesse Nigredo ali subjacente
Que a seguir purifico em meu Albedo,

No Citrinitas meu vigor conceptual,
Meus sonetos a ferver em tal momento
Da final luminescência do Rubedo!...


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