quarta-feira, 12 de abril de 2017





A MANGRA DA PUREZA & MAIS
Novas séries William Lagos – 21/2—2/3/17

(ATHENAIS, ÓLEO DE WILLIAM GODWARD, LONDRES)

A MANGRA DA PUREZA I – 10 JAN 2008

"Branca e radiante, vai a noiva,"
como descrito no bolero antigo,
a igreja cheia, sob esse inimigo
olhar das outras...  Corta como goiva

a maldade com que tantas observam;
a mamãe chora, o pai vai emproado,
o noivo espera junto ao altar, cansado
desse longo ritual em que o conservam...

E avança a noiva, em toda a sua pureza...
Mas, de repente, seus olhos se arregalam,
suas faces de rubor se fazem roxas...

É que a mancha vermelha, com certeza,
que lhe marca o vestido, todas falam:
é o sangue menstrual entre suas coxas!...

A MANGRA DA PUREZA II – 21 FEV 2017

A pobre noiva assim envergonhada,
alvo perene da feminina inveja,
a mancha rubra seu vestido beija,
por muitas décadas ainda recordada!

É bem verdade que merecia ser louvada!
Ao revelar menstruação, então se enseja
ser impossível que grávida ela esteja:
não foi por isso a tal boda realizada!...

Menstruação não garante virgindade;
sempre haveria quem aborto imaginasse:
pobre fetinho que encarnado escorregasse,

na delação de sua pecaminosidade;
e por mais bento fosse o vinho no cibório,
por gerações persistiria o falatório!...

A MANGRA DA PUREZA III

De fato, esta história ouvi contada,
mais de uma vez, por comadres indolentes,
entre cochichos, que os ouvidos inocentes
da criança que brincava concentrada

não fossem por tal reza maculada
corrompidos de maneiras permanentes;
só com histórias de fadas complacentes
a sua audição até então acostumada!...

Porém crianças têm ouvidos bem sensíveis
e o menino, a comandar seus soldadinhos,
a distribuir em plúmbeo batalhão, (*)
(*) Feitos de chumbo.

guardou memórias deste então imperecíveis,
anos depois de tais fatos comezinhos,
para alcançar-lhes finalmente a compreensão.

A MANGRA DA PUREZA IV

Só quis saber, saídas as visitas,
se precisaram de lavar o tal vestido
e se o vermelho fora dele removido,
contemplando expressões bem esquisitas

na mãe, na avó, nas tias, rubras fitas
a se expandir por cada rosto surpreendido
que esse menino, que pensavam distraído,
tudo escutasse.   Explicações bonitas

podiam ser dadas... Ou mesmo, repreensão
por escutar as conversas dos mais velhos:
como explicar vermelhidão de tal pecado?

Teve sua tia favorita a inspiração,
a lhe dizer, entre risos e conselhos:
“Vestido de noiva não precisa ser lavado...”

O RELÓGIO DA ESTRELA I – 11/1/2008

enquanto a estrela sobre mim pingavA
o seu brilho de cor esverdinhadA
e em ultravioleta me irradiavA
e me remodelava a compassadA

rítmica do coração e me cegavA
os olhos para a Terra acobertadA
de infravermelho e então me derramavA
de cobalto taça ardente reveladA,

ela me despertou para a alegriA
o âmago da vida, finalmentE,
porém no próprio dom, assim jaziA

o veneno da velhice e da emoçãO,
pois se me fez viver, completamentE,
também o ritmo me adiantou do coraçãO.

O RELÓGIO DA ESTRELA II – 22 FEV 2017

se esperança jamais nos perturbassE,
pelo futuro a nos deixar no aguardO,
talvez jamais pressentíssemos o fardO
e bem mais lento o tempo nos passassE.

talvez você com esta ideia concordassE,
se já cruzou por mais de um dia pardO,
puro vazio, sem receber o dardO
nem de amor, nem de notícia que magoassE,

atrás de coisas com que se distraiR,
sem ter qualquer obrigação prementE,
suas lentas horas passando langorosaS,

sem ter sequer um sonho a construiR,
sem nem rancor nem desalento permanentE,
vendo a secar as pétalas das rosaS.

O RELÓGIO DA ESTRELA III

sem desespero sofrer que incomodassE,
premonição de qualquer destino durO,
sequer consciência de ter algum futurO,
tal qual se comer e dormir já lhe bastassE,

sem que ruga em seu rosto se estampassE,
o sol fitando a correr por sobre um murO,
cada minuto ao anterior perjurO,
nada temendo porque nada se esperrassE,

tal e qual algum mastim que só latissE,
ante o adejar de alguma borboletA,
bebesse um pouco de água e se enroscassE,

ou como um gato que horas a fio dormissE,
talvez sonhando com ambição secretA
no pratinho de ração que o aguardassE...

O RELÓGIO DA ESTRELA IV

sem do tempo delinquente ter consciênciA,
um dia igual ao outro, mansamentE,
morna rotina seguindo calmamentE,
nisso que a gente denomina de paciênciA,

mas que, de fato, lembra mais uma indolênciA,
sem experiência de fome inconsequentE,
sem sequer fome real muito prementE,
seu estômago a morder com prepotênciA,

completamente destituída de ambiçãO,
querendo apenas outro dia de sossegO
ou de obediência ao Alpha da alcateiA,

caso tal animalzinho seja um cãO
ou um carinho a pedir, sem grande apegO,
se for um gato que o rabinho nem meneiA!

O RELÓGIO DA ESTRELA V

e quando o tempo o atinge, igual que a nóS,
igual rotina prossegue à precedentE,
só o cachorro a ficar mais indolentE,
enquanto os gatos mais se enroscam em retróS,

seu tempo sendo bem menos algoZ,
nunca tiveram esperança, realmentE,
um dia sempre a outro consequentE,
rio em marasmo deslizando à foZ!

pois há pessoas assim, bem certamentE,
obedecendo tão somente à sua rotinA,
algum trabalho, uma certa distraçãO,

o tempo a devorá-las, lentamentE,
passo a passo descendo a sua colinA,
até que dormem, sem grande inquietaçãO.

O RELÓGIO DA ESTRELA VI

mas quando alguns são afetados pela estrelA,
anseio sentem por qualquer realizaçãO,
nessa esperança de serem mais que sãO,
na busca ingente que nalma se encastelA!

julgam da estrela receber promessa belA,
não se contentam com o diário ramerrãO,
não tendo amor, amargurados sãO,
buscando a luz que nunca se revelA,

mas apenas bruxuleia, intermitentE,
um fogo-fátuo conduzindo sempre à frentE,
azuis Santelmos que cintilam, mas se afastaM,

sua vida plena desse entusiasmo ardentE,
sem importar-se com o quanto se desgastaM,
quando os arco-íris perseguidos já lhes bastaM...

INSETAÇÃO I – 14 jan 2008
São quase cinco e me sinto pirilâmpico,
estuando de energia e vagalúmico,
tal qual o mundo, em ardor lamelibrânquico
deixasse para trás e, então, gafanhotúmico,

saltasse pela relva, ser besôurico,
a meu redor tudo doce, quase grílico,
ou projetasse casulo aracnídico,
no mundo a debater meu eu cascúdico.

Talvez devera me tornar um ser mosquítico,
sugar meu próprio sangue, em maripôsico
reler de antigos versos, borbolético,

repelindo a mim mesmo, num mutúquico
zombar de mim, em zumbido pernilônguico,
ferrão e garras de meu signo escorpiônico.

INSETAÇÃO II – 23 FEV 2017

Também amor é como espuma feita pluma,
iridescente, arcoírico, iridiado,
raio de sol em diagonal trançado,
poeira brilhante que ruma e que perfuma.

Amor é como um puma que se esfuma,
ilusório, ludibriante, ludibriado.
desgarrado, sem pelos, desdentado,
pura quimera que não ruma ou suprassuma.

Tantos mencionam ser ação do coração,
na China um fígado, um inimigo figadal,
porém na mente é que vive seu demente

emocional emocionado de emoção,
esse carnívoro casual do Carnaval,
dolorido desfrutar de dor dormente...

INSETAÇÃO III

Certeiro corte feito de incerteza,
sede secreta de seara em seguimento,
avesso verso a versejar divertimento
em zombaria de zoeirenta zumbideza,

ao invés de cérebro, comendo com presteza
outros insetos de insetal assentimento,
minha mão mamífera em pleno movimento,
nesse périplo prosseguindo sem pureza,

no arqueamento do átrio dos arquivos,
esquartejando um quântico quarteto,
ou numa tríade de tríptica torpeza,

condensada na craveira de meus crivos,
na secreção sudorosa do insecreto
simulacro de insincera singeleza.

INSETAÇÃO IV

Amor agora amortecida amora,
nem todo o coro transformado em ouro,
no descorado desacordo que decoro,
na aurora morta em amorosa hora.

A noite foi-se em foice de demora,
o ouropel do ourives em desdouro,
no desespero da espera de um esporo,
faixa de fel que fúlgida se esflora.

Nefasto o ninho do nefelibático (*)
junco jogado num jazer jacente,
nessa troca do troqueu por trocadilho,
(*) Poema que depende mais do som que do significado.

espalhado no espelho desse espástico,
amor amargo de ardor amortecente,
a tripudiar na turbidez do trilho.

INSETAÇÃO V

Neste verso de diverso versamento,
palavra pura perdida em palavreado,
feroz o freio a desfazer desenfreado,
amor amargo em amoral mortecimento,

nesse âmago do amor remordimento,
nesse núcleo do nada navegado,
nesse centro do caos encarcerado,
nesse caroço de corado corrimento,

cada mosca em mosaico remoscado,
cada libélula em lépido luzeiro,
escaravelho que escalavrar ofusca,

cada piolho no olhar do mau-olhado,
a muquirana sobre a mesa do mosteiro,
cada lacraia em lancinante busca.

INSETAÇÃO VI

Destarte amor, iridescente inseto,
com seu ferrão que finca firmemente,
com seu arpão em arpejo, fatalmente,
as larvas deixa em demorar completo,

enquistadas no tumor de cada afeto,
dentro da mágica mutação da mente,
após picada nunca mais indiferente,
nesse algoritmo de álgido alfabeto,

fervilhando em ferida formidável,
novos destinos destilando pelos dedos,
bicheira braba que não tem nada de etérico,

retransmitindo esse amor imponderável,
infecção infectando em mil segredos,
na epidemia de um poema bactérico!...

élitros I – 23 jan 2008

e novamente sinto-me morcêguico,
a viajar num curso carrapático,
repleto de desejo sanguessúguico,
porém em segurança caracólica,

mesmo que seja apenas tartarúguico
este meu adejar tão maripôsico,
este meu requeimar quase falênico
e o nojo de mim mesmo assim lepísmico.

desse modo permaneço só um vérmico,
à alegria fugindo, num virótico
reproduzir de versos  bactérico,

no reluzir balsâmico e escaravélhico
de quem pretende ser um lepidóptero,
mas sem passar de um pesado coleóptero.

élitros ii – 24 fev 2017

mas convenhamos, de fato, sou mamífero,
não me contento com a vida das falenas:
por mais que sejam sedosas, são apenas
efemérides a luzir em voo aurífero.

embora em voos poéticos frutífero,
minhas pobres asas nem possuem penas,
talvez élitros de besouros nessas cenas,
por quitina a proteger-se do mortífero.

quem em repouso vigiar algum besouro,
esse que dizem desafiar a aerodinâmica,
apenas vê a sua brilhante carapaça,

são os élitros escondidos qual tesouro,
porém dotados de tão forte dinâmica,
fazendo aos cérebros científicos pirraça!

élitros iii

e quem me vê, impressão igual terá,
que minhas asas permanecem escondidas
nessas horas de repouso concedidas
e tão somente de me ver, nunca crerá

que o corpo antigo algum dia voará,
suas superpostas carapaças inseridas,
com qualquer plástico negro parecidas:
nem sugestão de qualquer élitro haverá,

pois de fato não voo, salvo em sonhos
e mesmo nestes é bem mais em flutuação,
como no mar pode alguém também flutuar;

mas é nos versos ardentes ou bisonhos
que se demonstra a verdadeira ação,
na seda fina das palavras a cantar...

 élitros IV

eu poderia, de forma artificial,
continuar neologismando adjetivos,
outros mais raros tornando redivivos,
os pés das rimas nessa marcha cadencial,

sem ter parênquima de cunho vegetal,
nem remígios em asas expressivos,
nem as membranas de quirópteros ativos,
nem as de esquilos voadores, afinal,

mas vêm poemas a provocar enjoo
dessas métricas de falsas artimanhas
a me exigir expressar seu julgamento

e em alexandrinos e sonetos então voo,
sem precisar de fingir falsas façanhas,
como forma de ocultar meu sentimento.

NOCTÍGRAFO I – 25 jan 08

Não vivo bem durante o dia. É no calígero
fulgor opalescente das estrelas
que mais trabalho e que palavras belas
sei redigir ao público carnívoro,

que não me aceita bem, pois sou frugívoro:
o que eu fruo e aprecio são as telas
de um teor mais pálido, são as velas
semienfunadas, mas de sabor aurívoro;

que não falo do que esperam, quando escolho
escutar as minhas vozes, na atenção
de um atalaia que somente noticia;

são os poemas da noite que refolho,
enquanto outros que faço apenas são
cortesias a quem vive à luz do dia...

NOCTÍGRAFO II – 25 FEV 17

Existe assim essa ampla diferença
entre as linhas a escorrer naturalmente
e essas outras de decisão consciente,
nas quais eu busco expressar alguma crença.

Nos dionisíacos reconheço a desavença:
vem um primeiro expressar algo firmemente,
a contrariá-lo um segundo já é evidente,
em discussão que constante se condensa.

Alguns exprimem qualquer filosofia,
enquanto outros têm caráter mais risível;
são estoutros de um total monoteísmo,

ainda aqueloutros do amor fazem a elegia,
mostrando outros o sexo mais incrível,
enfim alguns a incentivar o politeísmo...

NOCTÍGRAFO III

Esses me vêm nessas horas que sou dono,
sem compromissos e sem interferência,
manifestados em sua maior potência
tais figadais inimigos do meu sono!...

E a mim parecem de melhor abono,
sem precisarem de revisão ou audiência,
em afirmações de perfeita coerência,
mesmo ao ideológico mostrando desabono.

Como afirmem, provêm de Dionyso,
comunicados em sublime embriaguez,
sem uma gota de álcool em minhas veias,

mas redigidos em seu pendor preciso,
na embriaguez de cerebral nudez,
em labirintos de formosas teias...

NOCTÍGRAFO IV

Durante os dias, ao contrário, algo pesquiso,
quando me atrevo a abordar fatos históricos
ou contos de fadas redijo, folclóricos,
ou quaisquer outras descrições que viso.

Só então pensar nas rimas eu preciso,
com mais cuidado ritmos tornando esféricos,
métricas medidos em espelhos pitagóricos,
cesura e rimas em retinir conciso.

São apolíneos tais versos calculados,
algumas vezes em alexandrinos,
feitos em quadras ou em rimas paralelas,

mais raramente em sonetos versejados,
meus comentários, em geral, pouco ferinos,
procurando as narrativas tornar belas...

NOCTÍGRAFO V

Tenho buscado velhos contos resgatar,
acima e além dos disneyanos conhecidos;
ou mesmo estes, caso os tenha redigidos
com uma nova abordagem a comentar.

Sei nesta época de frequente digitar,
em que livros cada vez são menos lidos,
só em cento e vinte caracteres remetidos
avisos tolos para o próximo alcançar.

Os assim destinatários a informar
de qualquer coisa de somenos importância,
só raramente, de fato, necessários,

por cada ubíquo telefone celular;
e deste modo, não possuem mais relevância
os meus próprios poemas perdulários...

NOCTÍGRAFO VI

Contudo, eu remo contra a correnteza,
busco à palavra atribuir novo formato,
sem me abalar a transmitir algum boato,
nem corruptela adicionando ligeireza.

Computador assim emprego, com certeza,
sem desejar conservar versos em recato,
mas transmiti-los tranquilos, em regato,
nas redes cabem com total clareza.

Mas nesta época em que as gentes pensam
ser bem mais fácil versos livres redigir,
eu me recuso a em tal vazio consentir;

bons versos livres qualidade mais adensam,
na maioria são maus versos disfarçados,
que nem conseguem fazer bem ritmados...


SPIDERMAN I – 25 jan 2008
[para Andréia Macedo e Neusa Tânia]

Peter Parker amava Gwendolyn,
a loura filha do chefe de polícia;
todavia, em um momento de estultícia,
por uma aranha se deixou picar; e assim,

tornou-se o Homem Aranha; e n'O Clarim
foi atacado, em artigos de malícia,
pelo seu editor, Jonah Jameson e a fictícia
fama de monstro adquiriu por fim...

Mas por sorte, Mary Jane se tornou
de sua existência a última paixão:
salvou-lhe a vida e seu amor retém...

Assim queria eu, e amor cantou
que conseguisse, pendurado pela mão,
num fio de teia, te picar também...

SPIDERMAN II – 26 FEV 2017

Se assim fizesse, radiação transmitiria,
que talvez fosse muito bem direcionada
e combatesse essa moléstia desgraçada
que te matou bem antes que eu queria...

Porque de ti muito mais esperaria:
eu via em ti minha juventude renovada,
esses ideais que deixara pela estrada,
que nos meus passos encaminhar-te poderia...

Mas foi em vão que tanto te ajudasse,
ou o carinho que então manifestei
ainda vive em paralela dimensão...?

Em alguma rede de energia que sobrasse,
em outro espaço, já que jamais terei,
teu rosto físico em qualquer outra visão.

SPIDERMAN III

Houve mais outra amiga que perdi:
Neusa Tânia também amou meus versos
e já transpôs-se a páramos diversos;
em seu velório eu também compareci.

Há outras mais que já não vejo por aqui,
a quem meus versos acalmaram seus dispersos
anseios, ainda que fossem controversos,
mas foram as duas cuja morte mais senti,

por me chegarem dessa forma inesperada,
depois de tanto refluir intelectual,
correspondência longa e continuada;

um outro amigo já não pode ser achado,
mas cujo amor por meus versos foi real,
cujo trabalho foi mais por mim admirado.

SPIDERMAN IV

Outros amigos também sei que já se foram
e que souberam meus versos apreciar,
a partir de seus próprios a avaliar,
os quais no fim da rua hoje demoram...

Não sou um desses que por mortos choram,
mas só lamento não poder mais partilhar
dos sentimentos que escutei comunicar,
não somente de elogios que assim refloram.

Minha própria alma não precisa ser louvada,
salvo por bem que algum dia então fazia,
trocando ideias, transmitindo algum recado,

qualquer pequena gentileza devolvida,
alguns poemas a dar-lhes alegria,
algum dos seus em meus arquivos conservado.

SPIDERMAN V

Sempre confiei existir a vida eterna,
a morte sendo tão só separação,
mas um pedaço de meu coração
eu busco agora, nesta vida hodierna

e nalma encontro só um vácuo de caverna;
algo levaram, bem mais do que ilusão;
na aspereza das paredes há emoção
e alguns retratos de lembrança terna.

Honestamente, até gostava de entregar
essas partes de mim a tais amigos,
enquanto os tinha pelas cercanias;

mas agora que se foram, onde achar
essas centelhas que mantinham em abrigos,
se agora seguem inusitadas vias...?

SPIDERMAN VI

Spiderman não foi mais que personagem,
não sei se algum homem real o inspirou;
Steve Ditko foi quem primeiro o desenhou,
representado depois em outra visagem.

Também merece Stan Lee esta homenagem
por cem roteiros que inicial criou;
muita gente ao depois o transformou,
virou animação e ainda filmes com vantagem.

Porém sei bem que a outros inspirou;
as duas primeiras amigas que citei
os seus quadrinhos apreciavam igualmente,

de quem este hexapoema interpretou
as emoções das quais um dia partilhei:
que dito arquétipo ainda vejam frente a frente!

GALHOS SECOS I – 27 FEV 2917

À sombra dessas árvores gostaria,
vistas na tela de meu computador
estar agora, a gozar de seu viçor,
de seu parênquima, da seiva e da lignita.

É bem verdade que na tela eu entraria
para esconder meu derradeiro ardor
dentro da imagem eletrônica indolor,
que mesmo estática e inodora ainda me fita.

Enovelado assim em pixels seria,
dispensado de todos os meus instintos,
parado ao pé dos cedros imponentes

e por amor nunca mais eu choraria,
meu corpo elétrico de suspiros tintos,
armazenado em suas pastas transparentes.

GALHOS SECOS II

Mas por que assim levar-me deixaria,
para à sombra de tais árvores habitar?
Será que amor esperaria ali encontrar
que neste mundo material não acharia?

À rede a tela então transmitiria
mil estruturas em seu pixelizar;
nos intervalos de mensagens a ficar,
será que parte de mim se perderia?

Será que a imagem se ressentiria
do indesejável de minha intromissão,
que parte dela destarte apagaria,

nessas parte em que sobrepusesse
minhas fantasias de tristeza e solidão,
qual neste mundo real não mais fizesse?

GALHOS SECOS III

Se por acaso alguém se interessasse
e minha imagem selecionasse da moldura,
deixaria ali, quiçá, silhueta pura,
figura em branco na qual pixel faltasse?

Será que mais a floresta se zangasse
por esse espaço vago e sem ternura?
Já não bastava a anterior desenvoltura
com que sua própria visão eu maculasse?

E que faria esse alguém com a retirada
quantidade a formar minha estrutura –
teria interesse em me reconstituir?

Seria a figura em marionete limitada
ou ao invés recobrasse sua estatura
e qual jogral à sua dama iria servir?

GALHOS SECOS IV

Essa ideia de num quadro penetrar
ou dele retirar mimosa imagem,
fosse de dama ou de garboso pajem,
já em livro ou filme pode-se encontrar;

provavelmente já alguém veio a pensar
em ser sugado para a digital paisagem
ou dela então retirar um personagem,
de um corpo tênue transmutado em digitar;

assim, não trago em mim a pretensão
de aqui mostrar uma ideia original,
ou romanceiro de certa fidalguia;

mas certa coisa é trocar de dimensão,
outra inserir-se nessa imagem digital
que um qualquer outro usuário acessaria.

GALHOS SECOS V

E se acaso alguém disso gostasse
e com o mesmo panorama se encantasse
e ali me visse inserido em seu espanto
e por qualquer feitiçaria ou acalanto

a meu lado igualmente se postasse
e com seus braços a carne me empolgasse,
toda nua a exibir-se sob um manto,
em seu controle arcano desse canto

e se então, os dois fantasmas digitados,
toda sua carne deixada para trás,
se abraçassem em total ato de amor,

de forma a serem interpenetrados,
quando a platônica alegoria se desfaz
e as duas metades se mesclassem com ardor?

GALHOS SECOS VI

Que então fariam os galhos da floresta,
não por um, por dois espectros apagados,
em movimento ou apenas enroscados,
ato de amor ou langorosa sesta?

Qual o rancor que o manso bosque empesta,
a esforçar-se por ver-nos apartados
ou sob as folhas secas conservados,
a retomar-nos esse espaço que se empresta?

Ficando os dois em movimento permanente,
talvez o bosque a pouco e pouco se apagasse,
até andarmos de mãos dadas num vazio?

Sempre haveria qualquer um que denunciasse
por nosso uso indevido e inconsequente,
nossas imagens a deletar num gesto frio!...

SEIO DE NATAL 1 – 28 FEVEREIRO 2017

Vamos supor que na vida só tivéssemos
Um certo número de beijos para dar
E que tal número nos viesse a terminar
Antes que o vero amor um dia achássemos...

O que faríamos assim, quando encontrássemos,
A vida a meio já no seu andar,
Paixão total de caráter singular,
Mas que por isso nunca nos beijássemos?

O que seria então?  Vera tortura
Ou encarada tão só com complacência
A derradeira zombaria da vivência,

Juntos nutridos pela emoção mais pura,
Não por desejo, nem por abstinência,
Sem um só beijo achar que se procura?

SEIO DE NATAL 2

Se beijos fossem posses materiais
E não somente uma ação compartilhada
E se a algibeira fosse vasculhada,
Sem outro beijo se encontrar jamais?

E se o objeto das atrações finais
Tivesse beijos ainda em revoada,
Mas só de uma metade recortada,
Sem nessa hora poder dar-nos um só mais?

E se surgisse um desespero de sua parte,
Sem compreender que beijos já não tinhas,
Achando apenas que os querias recusar?

E em romantismo fizesse então descarte,
Seus outros beijos espalhando quando vinhas,
No desaponto todo incerto do abraçar?

SEIO DE NATAL 3

E se fosse o contrário e ainda tivesses
Numa sacola, um certo sortimento,
Mil beijos a oferecer nesse momento
E com essa pura intenção então viesses

E descobrisses que nada que lhe desses
Seria um beijo de completo encantamento,
Sempre partido ao meio tal portento,
Por mais ferventes que fizesses preces?

Qual seria a reação de parte a parte?
Sempre haveria algum ressentimento:
“Mas por que ele (ou ela) já gastou,

“Beijando à toa, que de beijos não se farte.
Só pela busca irreal do encantamento
Com qualquer ser que de fato nunca amou?”

SEIO DE NATAL 4

Muitos celebram a Ceia de Natal,
Gastando os beijos da boca em alimento,
Taças beijando no maior contentamento,
Beijando garfos sem esforço natural...

Espera alguém ter um beijo virginal,
Em certo instante de total deslumbramento?
Desde criança se requer esse provento,
Faces beijando como bica algum pardal...

Ninguém se lembra da menina a ensinar
Que de beijos a sua quota irá acabar
E que os deveria distribuir com economia,

Até o momento de poder engravidar,
Seu nenê junto do peito a segurar,
Para o poder beijar quanto queria!...

SEIO DE NATAL 5

Pois nessa festa a ceia do nenê
Está no seio em oferta natural
Por toda a mãe, na noite de Natal,
Que em cada peito feminino se prevê.

Mesmo entre gente que no recato crê
E em cada seio adivinha amor sexual,
É muito raro que hipócrita anormal
O amamentar condene quando o vê.

Porque mesmo nessa noite original,
Em que reis e pastores se ajoelhavam,
Vendo o Messias naquela estrebaria,

Criada foi essa ceia maternal,
Quando o Menino Jesus a Quem olhavam
Sugava os seios de Sua mãe Maria!

SEIO DE NATAL 6

Não será dado a qualquer pequeno infante
Um pedaço do peru que foi talhado;
Nada será, por não ter dentes, mastigado
E poderia engasgar-se nesse instante!

Não ser-lhe-á dado pudim nem adoçante:
É um bebezinho que do ventre foi tirado,
O umbilical não totalmente ressecado;
Não ganha vinho, nem sequer refrigerante!

Mas nessa Ceia de Natal, algo recebe,
Caso contrário, choraria o pobrezinho!
Somente é o leite materno que ele bebe.

Será sua ceia do mamilo o seio,
Que logo aprende a buscar de pequeninho,
Sem do sabor de sua mãe sentir receio!

FLORES MORTAS I – 1º MARÇO 2017

A vida é como a lama do caminho,
Que cintila ao refletir brilho solar;
Porém se alguém se curva e quer tocar,
Apenas suja seus dedos de mansinho.

Também o amor é a lama do carinho,
Cuja centelha nos convida a enamorar,
Mas é pura ilusão em seu beijar,
Apenas fere a alma em seu espinho!

Porque a mulher é prática e deseja,
Por mais que se demonstre apaixonada,
Sempre algo por aquilo que concede.

Melhor a prostituta, que não beija,
Sem que a cobrança seja logo revelada
Do que fingir nada buscar pelo que cede!

FLORES MORTAS II

E certamente está coberta de razão.
Por que deus, afinal, criou o beijo?
Um mandamento deu-nos nesse ensejo:
“multiplicai-vos e crescei em multidão!”

Foi a instrução transmitida a eva e adão
Antes dos dois conhecerem qualquer pejo,
Fruto do sexo e complemento do desejo:
Da divindade foi a primeira ordenação!...

Muito antes de um pecado original
Foi já o gozo de um beijo coisa sã,
Caso contrário, não se multiplicariam.

O conhecimento assim do bem e mal
Não derivou da tal história da maçã,
Quando por um outro fruto pecariam.

FLORES MORTAS III

NO TALMUDE SE REVELA A LENDA ANTIGA
DE QUE NÃO FOI DE ADÃO EVA A PRIMEIRA:
FOI LILITH INICIALMENTE A COMPANHEIRA,
AMANTE, CERTAMENTE, MAIS QUE AMIGA.

QUANDO EVA SURGIU, FEZ-SE INIMIGA
POR CIÚME E POR DESPEITO SOBRANCEIRA,
PORÉM FINGIU-SE DE COMADRE, SORRATEIRA;
DO CONHECIMENTO NO MUNDO FOI A AURIGA.

MESMO AINDA HOJE, DIZEM QUE É LILITH
QUEM TRAZ AS FEBRES PARA AS CRIANCINHAS
E QUANDO PODE, LHES PROVOCA A MORTE.

COMO SERPENTE APRESENTANDO MAU CONVITE,
ORIGEM TANTO DA CIÊNCIA E LADAINHAS,
DETERMINANDO ASSIM A HUMANA SORTE.

Flores mortas iv

Era comum, em cada grande catedral,
Através da idade média construídas,
Em pinturas e figuras esculpidas,
Mostrar lilith seduzindo esse casal,

Porém como mulher, nessa inicial
Visão das escrituras pouco lidas,
Depois em cauda suas pernas convertidas,
Ainda com seios e belo rosto natural.

Só mais tarde com o corpo de serpente,
Sendo a cabeça de mulher unicamente,
Reminiscência da mitologia grega,

Braços e pernas a mostrar frequentemente,
Como figura feminina ainda se apega,
Enquanto o fruto e a maldição nos lega.

FLORES MORTAS V

AINDA mais tarde, já chegada a renascença,
Foi transformada totalmente Em cobra:
Por entre os dentes pontiagudos dobra
Esse seu fruto que a resistência vença.

Mas quem de fato na narrativa pensa,
Braços e pernas e um rosto lhe recobra;
Como castigo, somente então sossobra,
Como víbora a mostrar peçonha intensa!

Naturalmente, nunca o fruto foi maçã;
Seriam uvas ou, quem sabe, um figo;
Com folhas mortas o casal se revestiu,

Tomado assim dessa vergonha insã,
Perante um deus que sempre fora amigo
E que obrigado a castigá-los se sentiu.

FLORES MORTAS VI

A bem dizer, por tal perda de confiança:
Foram vestir-se, sem pedir perdão,
Cada um dos dois a desculpar-se então,
Sem demonstrar um só pingo de esperança.

“A cobra me deu e eu comi,” diz eva, mansa.
“A mulher me deu e eu comi,” explica adão,
Os dois perdidos nessa confusão,
Lilith apenas desculpa alguma avança...

E deus os veste com folhas de parreira,
Provavelmente já UM TANTO ressecadas,
Trocando as tangas meio descosturadas,

Que haviam tecido de qualquer maneira.
E ainda hoje quer a igreja condenar
Somente a Eva por tal pecado provocar!

FRÁGEIS AFAGOS I

EU PENSO AGORA SOMENTE NO RETIRO;
MESMO QUERIA DA VIDA ME ESCONDER,
QUE ATÉ PREFIRO NUNCA MAIS TE VER,
POIS NÃO ME FERES ASSIM E NEM TE FIRO.

SE DESTA FORMA NUNCA MAIS TE MIRO,
TALVEZ O OLHAR CONSIGA TE ESQUECER;
A MINHA LEMBRANÇA PODE ESPAIRECER,
ENQUANTO A MENTE POR TAL VÁCUO EU GIRO.

E SE ME ESQUEÇO DE QUANTO MAIS QUERIA,
NÃO HÁ SAUDADE, APENAS NOSTALGIA,
NÃO SE LASTIMA O QUE JÁ SE ESQUECEU...

MAS PELAS RUAS QUIÇÁ TE ENCONTRARIA
E É POR ISSO QUE TALVEZ ME OCULTARIA,
SEM VER O AMOR QUE JÁ NÃO É MAIS MEU.

FRÁGEIS AFAGOS II

CONTUDO AINDA ME FLAGRO TE ESQUECENDO
DIVERSAS VEZES, DURANTE DIAS A FIO,
A REPELIR RECORDAÇÃO COM BRIO,
SÓ CONCENTRADO EM QUANTO ESTOU FAZENDO.

ENFIO A MÃO NO CÉREBRO E DESPRENDO,
TAL QUAL CACHO DE UVAS ESSE RIO
DESSAS LEMBRANÇAS QUE SEMPRE DESAFIO,
PARA GUARDÁ-LAS APENAS COMO ADENDO

NO FINAL DE ALGUM ARQUIVO JÁ PERDIDO,
MAS COMO SEU GUARDIÃO MEMORIZADO:
PRECISO ABRI-LO PARA ALGO ALI COLAR

E ENTÃO RECORDO CADA BEIJO COMETIDO
QUE NA VERDADE JAMAIS TINHA OLVIDADO
E A TECLA APERTO PARA TUDO DESGRAVAR!

FRÁGEIS AFAGOS III

MAS O GRAVAME OUTRAS CÓPIAS JÁ POSSUI
NOS ESCANINHOS DO CÉREBRO ELETRÔNICO,
ENTRANHADO EM SALMO TRISTE E DIATÔNICO,
SEM CROMATISMOS, PERSISTENTE FLUI

E ESSA BUSCA DO ESQUECIMENTO RUI,
POR MAIS QUE SEJA DO AMOR O TOM AFÔNICO,
CADA LETRA A PRODUZIR UM VERSO TÔNICO
CADA IMAGEM NO CONSCIENTE SE IMISCUI.

FRÁGEIS AFAGOS TAO SÓ NO PENSAMENTO,
ÂNSIA SOLERTE DE BUSCAR UM NOVO ENSEJO,
POR MAIS QUE DA LEMBRANÇA TE RETIRO.

E CADA VEZ QUE CRUCIFICO O SENTIMENTO,
SÃO OS TRÊS CRAVOS UM TERCETO DE TEU BEIJO,
COM QUE MEUS PÉS E MÃOS DE NOVO EU FIRO.

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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