sábado, 16 de dezembro de 2017




IRONIA CAPILAR - 30 AGO 2017

Tempo houve em que eu tinha mais cabelos.
Cheguei mesmo a deixar a cabeleira
crescer até meus ombros por inteira:
Jesus Cristo interpretei em meus desvelos...

Não que sumissem!  Posso ainda tê-los,
porém muito mais ralos... A bobeira
dessas loções de mim sequer se abeira:
pouco me importa recobrar tais pelos...

Não trago calva ainda.  Tenho meus bonés,
que uso desde os tempos de criança,
um costume realmente mais francês,

que me protegem contra os cafunés
que não desejo mesmo!  E sem poupança,
lavo a cabeça quinze dias por mês!...

IRONIA CAPILAR II

De qualquer modo, há meio século me cresce
barba no rosto e o bigode cultivei;
nunca crescer demais ambos deixei:
somente até meu gogó a barba desce...

É bem verdade que por força de uma prece
Jesus Cristo na cruz representei
por sete ou oito vezes, porem não aceitei
que minhas palmas algum cravo transpassase!

(Isso é que fazem os crentes Filipinos!)
Cravaram pregos no meio de meus dedos
e como os pulsos amarraram bem,

nem sequer protestaram os vivaldinos,
pois de longe não viram tais segredos,
nem o mercúrio ao invés de sangue vêem!

IRONIA CAPILAR III

Naqueles tempos, a minha cabeleira
chegava aos ombros, muito bem penteada,
mas por efeito de xampus foi estragada...
É bem verdade que só houve a caideira

após os meus cinqüenta anos, bem traiçoeira,
que até então pensei seria conservada;
meu primo-irmão já não tinha quase nada
aos seus dezoito anos! Foi bastante mais ligeira

a sua falha capilar.  Mas se a verdade for contada,
meu pai e meus avós tinham careca
e os de minha mãe, no final, ficaram ralos!

E mesmo os de minha avó, pobre coitada!
De seus cabelos, metade levou a breca,
sem lhe servirem sequer a cobrir "galos"!

REGIMES – 31 AGO 2017

Nunca me queixo de minha corpulência.
Isso faz parte de mim.  Ora se engorde,
ou se emagreço, a depender do que se morde,
mesmo do ar respirado em impaciência!

Pouco me importa, contemplo com leniência
as ditas variações que o tempo aborde;
regime é coisa de que minha índole discorde,
em minha vida sedentária de impotência!

Trabalho sem cessar...  E pouco tempo
para exercício encontro.  Doze horas,
mesmo quatorze ou dezesseis em cada dia,

se não me ocorre qualquer contratempo;
portanto, no labor dessas desoras,
emagrecer eu por certo deveria!...

REGIMES II

Eu caminhava com frequência.  Mas parei
há uns dez anos, desde que deixei
de dar aulas e a seguir me aposentei:
quatro quilômetros desde a faculdade!

Eu descia até em casa, na verdade,
mas de repente, sem mais haver necessidade
sem ser, de fato, um escravo da vaidade,
somente em meu pecê eu trabalhei!

Até que um dia, minha esposa bela,
com  gentileza, me fez um ultimato:
"Vais mastigar menos comida agora!"

"Não é possível sequer ver uma costela!
De emagrecer precisas, isto é fato
e um bom regime te aplico, sem demora!"

REGIMES III

Na realidade, como só para viver:
foi meu estômago que ficou guloso!
Tanto alimento, por certo, era gostoso,
mas na verdade, não tinha esse prazer

desses que vivem tão só para comer
e assim  me submeti, destemeroso;
o resultado foi um tanto vagaroso,
mas a banha vi aos poucos se perder!

Só que um detalhe não havia pressentido:
primeiro queima-se a massa muscular
e só depois vem o panículo adiposo!

Deste modo, fui primeiro acometido
por sarcopenia e, quase sem notar,
perdi os músculos de que era tão vaidoso!

REGIMES IV

Não percebi quando meus braços afinaram,
porque ali permanecia ainda a gordura!
Exercícios não fazia, em minha tontura:
só no teclado meus dedos martelaram!

E quando mala levantar um dia tentaram
meus pobres braços, com surpresa dura,
mal conseguiram e, nessa hora escura,
os braços de minha filha me ajudaram!

Dou-lhe um conselho, portanto, meu amigo:
se conservar quiser musculatura,
primeiro evite de fazer regime!...

Pois nesse evento o que corre mais perigo
é a massa muscular!... E a sua gordura
irá voltar tão logo o braço afine!...

REPRESSÃO – 1º SET 2017

Nem todos pensamentos são escuros:
alguns se encontram plenos de alegria,
nessas lembranças em que o sonho se assumia,
em que poemas grafavam sobre os muros.

Nem todos dias se revelaram duros
assaltos contra quanto eu mais queria:
existem dias leves, que a agonia
banem depressa, inconsequentes, puros...

Porém ao ver que são hospitaleiros,
não os aproveito para minha diversão:
são nesses dias em que mais trabalho,

enquanto os duros dias derradeiros
ainda transponho no sono da ilusão
e para o esforço totalmente falho!...

REPRESSÃO II

Maus pensamentos costumam vir de fora!
Se por acaso me encontro em depressão,
os meus neurônios com preguiça estão
e nada criam na merencória hora!...

Mas chega um sonho alheio e triste chora!
Pede-me cama e algum naco de pão!
Sei bem traiçoeira ser tal aparição
e normalmente a açularia embora!

Mas se estou triste, fraco ou indolente,
preguiça tendo para fechar a porta,
o pensamento penetra, sorrateiro

e quando dentro em mim se faz presente,
minha força e energia fácil corta
e vem dormir em meu próprio travesseiro!

REPRESSÃO III

Como é difícil repelir este inquilino!
Abre um processo, contrata advogado,
sem em despejo oficial ser enquadrado,
do bom humor se torna um assassino!

No campanário da mente toco um sino,
a ensurdecer tal pensamento malfadado;
só assim expulso o infeliz deste meu fado
e minha cabeça lavo, esfrego e afino!

Mas o bandido se esconde na caveira
e fica embaraçando meus cabelos,
pelos ouvidos ainda busca me emprenhar!

E ao menor pretexto já se abeira:
não pode esmola, porém força seus zelos,
até que eu possa novamente o expulsar!

REPRESSÃO IV

"Emprenhar pelos ouvidos" é um ditado
bastante difundido e bem corrente!
Porém tal nexo sequer pertence à gente
e é preciso ser depressa descartado!

Ficando o tal pensamento abandonado
vira caspa nos cabelos, bem frequente
e com xampu anticaspa e detergente
ao ralo do banheiro é então forçado!

Mas que coisa mais chata!  Em vez de ir,
o desgranido pensamento malicioso
se enfia nos meus pés, por entre os dedos!

E vai na toalha ou na meia se imiscuir,
tal qual bicho de pé, sempre teimoso,
vira micose ou nos calos faz enredos!

ROUBO DE AMOR – 2 SET 2017

SEI BEM O QUE FUNCIONA, QUANDO AMOR
NÃO MAIS EXISTE E A GENTE APENAS FINGE,
SE A INDIFERENÇA MANSA NOS ATINGE
OU MESMO QUANDO CRESCE ALGUM RANCOR

A QUE NÃO DEMOS CAUSA NEM ARDOR,
MAS MESMO ASSIM VINCHA DE FOGO CINGE
À NOSSA TESTA E O CORAÇÃO NOS PUNGE
COM DESDÉM INSUPORTÁVEL DE PENDOR.

ENTÃO SE INVESTE MAIS EM DEMONSTRAR,
POR NÃO SE DESEJAR SEPARAÇÃO,
ENQUANTO A MÁGOA A GENTE ENGOLE EM SECO

E LOGO O OPOSTO SE VÊ MANIFESTAR
TALVEZ SURPRESA POR ESSA REAÇÃO
E EM TAL TERNURA, POR AMOR, EU PECO!

ROUBO DE AMOR II

QUANDO A MULHER CONTRA NÓS FOI INSTIGADA
NEM SEMPRE A GENTE O SEU MOTIVO ENTENDE
E ALGUMA DOR AO CORAÇÃO SE PRENDE
E A UMA PERGUNTA, DIZ: "NÃO TENHO NADA!"

E DESSE AMUO DIFICILMENTE É RETIRADA
UMA RESPOSTA, CUJO PREÇO CARO VENDE!
SE A GENTE CHAMA, NÃO ESCUTAR PRETENDE;
E QUE FAZER COM TAL ESPOSA OU NAMORADA?

SE POR ACASO LHE TRAZEMOS UNS BOMBONS,
ELA PROTESTA: "NÃO GOSTO DESTA MARCA!"
E ENTÃO VAI-SE COMPRAR BUQUÊ DE FLORES

QUE SÓ RECEBE NOS MAIS AMARGOS TONS:
"É UMA COROA QUE TROUXE E QUE ME ABARCA
O MEU CAIXÃO, APÓS MEUS ESTERTORES!"

ROUBO DE AMOR III

"ROUBAR UM BEIJO" É DITADO MUITO ANTIGO.
AO INVÉS DISSO, EU JÁ BUSQUEI ROUBAR AMOR
E SEU PEITO FUI ABRIR COM MEU CALOR:
SEU CORAÇÃO COM MINHAS UNHAS FIZ AMIGO!

PARA FORA EU JÁ O PUXEI, MAS SEM PERIGO,
ALI MEU NOME ESCREVENDO COM FERVOR;
DEPOIS DE NOVO O INSERI EM VASTO ARDOR,
SEGURO AGORA PARA MIM ESSE JAZIGO!

MELHOR ME BATE O CORAÇÃO ASSIM ROUBADO,
NO QUAL MEU NOME DEIXEI FUNDO GRAVADO
E SE QUALQUER OUTRO NOME ALI ENCONTREI,

EM MINHA MALÍCIA DE AMOR O FUI TIRANDO
E NA RUA, POR JANELA, O FUI JOGANDO,
POIS TODO O AMOR QUE HAVIA ALI ROUBEI!

MENESTREL – 3 SET 2017

No mais secreto de meu coração
Tenho um banco de mármore, minha amiga
E um alaúde, para dedilhar cantiga,
Caso desejes escutar a minha canção.
Sua chave já conservas em tua mão;
Não precisas ter receio do jazigo:
Não contém mortos - só te acharás comigo,
Por ti esperando com trepidação!

E te convido a sentares de meu lado,
Nesse banco esculpido e trabalhado
Por artesãos da melhor marmoraria;
E quando entrares, ainda tímida e hesitante,
Meu alaúde te saudará, vibrante,
Tua voz suave a completar minha alegria.

Menestrel 2

Quero que uses vestes bem compridas,
Tecidas de cetim e fios de seda,
Teus pés descalços pela grama leda:
Não há rosetas para causar feridas!
Lírios do campo em pétalas fendidas,
Trevos de quatro em sorte apressurada;
No meu jardim nunca serás desconsolada;
Minhas notas voam e no chão ficam perdidas!

Mas a seguir, no solo reverdecem
E se enraízam, notas são de flores,
Crescem gavinhas, caramanchão de amores
E novas flores em teus cabelos descem,
Sempre adubadas pelos teus rubores.
Sem que os olores de voejar nos cessem!

Menestrel 3

Ali te encaro, apenas sorridente,
O teu lugar a indicar com um meneio;
Junto de mim - vem e senta sem receio:
Sequer meus dedos estenderei, silente,
Já ocupados a extrair o som plangente
Deste instrumento, no colo de permeio;
Porém de ti aguardo um som alheio,
Que entoe para mim um canto ardente.

E se quiseres... podes estender
Teus dedos em carícia de minha face,
Que saberei recebê-los como um beijo,
Meu coração a ansiar por te acolher,
Perto de mim, sem que sequer te abrace,
Só a melodia a te implorar o meu desejo!


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