sábado, 29 de junho de 2019



A VELHA DO SAPATO – 8/11/2018
Folklore Inglês, tradução e adaptação de William Lagos

A VELHA DO SAPATO – 8 NOV 2018
O FRUTO PROIBIDO – 9 NOV 2018
SUPLÍCIO CHINÊS – 10 NOV 2018



A VELHA DO SAPATO I – 8/11/2018

There was an old woman who lived in a shoe.
She had so many children she didn’t know what to do.
She gave them some broth without any bread.
She whipped them all soundly and put them to bed!
(Mother Goose Tales)

Havia uma velha que morava num sapato;
com tantos filhos, vivia sempre num abalo:
não sabia o que fazer; só lhes servia um caldo ralo
e os mandava para a cama se deitar;
se algum chorava, uma sova ia levar:
“Cala a boca e dorme, seu garotinho ingrato!”

Da Mamãe Gansa é esta história tão antiga,
que não desperta dentro em mim concórdia,
pois me parece não ter a mãe misericórdia!
Mas como a velha arranjou tal filharada?
Só um caldinho, sem dar pão e sem mais nada!
É de supor-se que mais nada ela consiga!

Na verdade, quando ainda era mocinha,
a coitada deparou com um gigante,
seus pés maiores que os de um elefante;
no pé esquerdo ele tinha uma ferida;
gemia de dor! – deixou a garota comovida:
trouxe um lençol e fez atadura, depressinha!

A VELHA DO SAPATO II

Trouxe dez quilos de banha e de farinha
 e fez-lhe um chá com uma erva milagrosa,
que derramou na ferida perigosa
e com a banha e a farinha fez emplastro
e a ferida sumiu, sem deixar rastro!
Ficou o gigante muito grato com a mocinha...

“Onde é que você mora?” “Não tenho nem casinha!
Eu vivo só no mundo, igual que peregrina...”
“Pois lhe dou o meu sapato, minha menina!
É grande o bastante para você morar;
no lugar que rasgou pode a porta colocar;
trago madeira, faço cama e uma mesinha...”

“Muito obrigada, seu gigante!  E chaminé?
Vou precisar para a fumaça do fogão!”
Tinha o gigante um grande coração
e trouxe pedras, a fim de a construir,
bastante palha para a mocinha dormir
e seis banquinhos foi preparando até!

A VELHA DO SAPATO III

“Agora eu vou embora, mas se um dia precisar
de qualquer coisa, não precisa ter vergonha!
É só me chamar!” – falou, com cara de pamonha.
A mocinha reclamou: “Mas onde o senhor mora?
Como vou lhe pedir, depois que for embora?”
Ficou o gigante pensativo a matutar...

“Já sei!” – falou.  “Eu moro num castelo
construído numa nuvem, lá no céu;
não dá para enxergar, a nuvem é como um véu,
mas vou lhe dar umas sementes de feijão;
plante em frente do sapato, bem no chão,
que o feijoeiro cresce e vai ser frondoso e belo!”

“Vai chegar até onde eu moro, lá em cima!
É só subir, a mesma coisa que na escada;
vai crescer bem copado, não fique assustada!
Suba depressa, que não dará qualquer visagem,
Só se olhar para baixo e tiver uma vertigem!
Será coisa bem fácil, minha menina!...”

A VELHA DO SAPATO IV

E a garota plantou, tal qual ele dissera
e bem depressa cresceu o feijoeiro,
dando feijões pretinhos, bem ligeiro!...
Mas a cada vez que um amadurecia,
caía ao chão e uma criança então nascia,
já vestidinha para a vida que a espera!

As roupas verdes, feitas da folhagem
e os sapatinhos de casca de feijão!
Pegou os primeiros, cheia de emoção;
ensinou-os a falar, deu-lhes comida;
A primeira safra ficou logo bem nutrida,
Ajudando-a a colher frutos na paisagem!

Porém cresceram e depois foram embora!
Mas o feijoeiro de novo deu feijão:
sete meninas, rosadas de emoção;
sete meninos, com cara de levados,
de novo todos bem alimentados,
crescendo bem depressa, nessa hora!

A VELHA DO SAPATO V

Mas no outro ano, nasceram vinte e um
e a jovenzinha bem depressa envelheceu,
tanto trabalho que tal turma lhe deu!
Já no sapato nem cabiam mais!
Era um monte de crianças, por demais!
Fazia pão, sem poder comer nenhum!

Ora, acontece que o feijoeiro dava cria!
Outros pés a brotar de sua raiz;
a mulher teve pena e assim podar não quis
e logo dava cada um a sua colheita,
já umas trinta criancinhas desta feita!
A mãe postiça sem saber mais o que fazia!

Se ao menos eu cozinhasse esse feijão!
Só que não dava tempo, logo amadurecia,
caía ao chão e outro bebê nascia!
Os mais velhos já não queriam ajudar:
“Se a comida é para tantos, nós não vamos trabalhar!”
Só queriam ver o mundo, na maior ingratidão!

A VELHA DO SAPATO VI

Iam todos embora, assim que eles cresciam,
todos de verde, com sapatos de feijão...
Mas a cada ano, era maior a criação
e bem depressa a mulher virou uma velha:
fazia o bando o que dava na sua telha
e a toda hora, ainda mais apareciam!

Não é, pois, de admirar que lhes batesse
e que a comida nunca fosse suficiente!
Colocava em adoção com muita gente,
mas ficou logo o povo desconfiado,
sem poder mesmo dar conta do recado:
não havia comida que para todos desse!

Mas o seu pé de feijão nunca crescia,
que então pudesse ser escada para ela
e bem depressa deixou de ser donzela:
virou uma velha desbocada e resmungante,
gritando em vão para chamar o gigante,
porque subir até lá não conseguia!

EPÍLOGO

E foi por isso que comprou uma vaquinha
por meia dúzia de grãozinhos de feijão
de um menininho que se chamava João
e foi esse que subiu até o gigante,
seu feijoeiro de uma altura delirante,
ficando a velha com cem filhos, coitadinha!

O FRUTO PROIBIDO I – 9 NOV 2018

Foi um turista viajar pelo Japão
e lhe falaram de uma ilha proibida:
ninguém a pode visitar, é conhecida
por perigosa e daí sai a proibição!

“Lá tem o Dokusô, o fruto da perdição!
Ninguém vai lá, corre risco de vida!”
“Há alguma fera, por sentinela é percorrida?”
“Não é preciso, ninguém nunca vai lá, não!”

Só que o turista ficou muito curioso
e certa noite, atravessou, nadando,
o braço de mar, que era de fato bem estreito...

Nada encontrou que parecesse perigoso
e logo o dia se achava já clareando...
Ficou passeando por lá, bem satisfeito!

O FRUTO PROIBIDO II

Com uma árvore frondosa se encontrou,
cheia de frutos, que pareciam saborosos;
dez passarinhos a bicar, muito gulosos...
Estendeu a mão e um fruto ele provou!...

Aparentemente, nenhum mal lhe provocou:
tinha sabores variados, deliciosos;
comeu uns cinco ou seis, de tão gostosos
e para a ilha principal então nadou...

Tudo era apenas uma superstição!
 Pensou o turista, e prosseguiu viagem,
logo chegando, muito alegre, no Brasil...

Mas nessa noite, teve estranha sensação:
O seu nariz comichava... Que bobagem!
Coçou-lhe a ponta, com indiferença juvenil...

O FRUTO PROIBIDO III

Mas de manhã, notou que a ponta do nariz
estava verde!  Mas como foi que se pintou?
Com sabonete depressa ele esfregou:
continuou verde... Mas que será que eu fiz?

Foi trabalhar e um colega logo quis
lhe perguntar: “Como seu nariz ficou
assim verde, desse jeito?” Num espelho se mirou:
estava verde, da ponta até a raiz!...

Não adiantava lavar, nem esfregar...
Ora, isso passa logo... Foi dormir,
suas duas orelhas começando a comichar...

E no outro dia, quando se acordou,
novo espetáculo teve de assistir:
nariz e orelhas bem verdinhos a brilhar!

O FRUTO PROIBIDO IV

Na mesma tarde, foi consultar doutor...
“Nunca vi isso!  Deve ser infecção...
Você andou em viagem?” “Fui até o Japão...”
“Vamos ter de fazer uma biópsia, meu senhor!”

Três amostras lhe tirou, com alguma dor...
“Antibiótico vou-lhe dar, é de última geração:
se for um vírus, não vai adiantar, não;
se for um fungo, será ainda pior!...”

Mas o verde só continuava a escurecer;
já estava o rapaz meio desesperado:
E se passar para o rosto, o que será?

O antibiótico sem efeito ainda fazer,
voltou ao médico, com o rosto bem tapado:
“Então, doutor, o que o senhor fará?..”

O FRUTO PROIBIDO V

“Olhe, é um fungo mesmo, e não tem cura!”
“Eu vou morrer, doutor?”  “Em absoluto...
A sua família não vou deixar de luto...
Só vamos ter de cortar fora a parte impura...”

“Vai me operar, doutor?  Cortar fora, o senhor jura?
Mas esta coisa já piora por minuto!...”
“Existe um certo tratamento com bismuto,
mas é preciso cortar, senão, perdura...”

“E se atingir o rosto inteiro?  Meningite
pode até em sua cabeça provocar...”
“Mas, doutor, com que cara eu vou ficar?”

“Sem orelha e sem nariz!” “Talvez prótese imite
sua aparência anterior, melhora a vista...”
“Mas cortar tudo, doutor?” “Bem, há um especialista...”

O FRUTO PROIBIDO VI

“Conheço um médico japonês, muito capaz...
Vá consultá-lo... Terá segunda opinião!...”
Foi-se o rapaz, palpitando o coração:
“O diagnostico, doutor, é de fato bem veraz?”

“Se me cortarem, nunca mais eu terei paz!”
“Diga uma coisa, o senhor foi ao Japão?”
“Sim, senhor...” “Desobedeceu a proibição?”
“Comi uma fruta...” “Mas isso não se faz,

aquela é a fruta que se chama Dokusô,
quer dizer, “Veneno Tóxico” em japonês!
Viu no que deu tomar um mau caminho?...”

“Vou ter mesmo de operar?”  “Operar? Nô, nô!”
“Médico brasileiro errou feio dessa vez...”
“Ai, que bom!” “Nariz apodrece e cai sozinho...”

SUPLÍCIO CHINÊS I – 10 nov 2018

O mochileiro chegou numa casinha
bastante estranha.  Não era uma choupana,
nem uma casa comum.  Um pouco cana,
um pouco de tijolo... Achou até bonitinha

e como a escuridão já se avizinha,
pediu pousada.  Já fazia uma semana
que andava pela estrada... Poeira e lama,
quem sabe um banho até a calhar lhe vinha...

Foi atendido por um magro ancião chinês,
que o recebeu com toda a cortesia:
indicou-lhe o banheiro e, logo depois,

apresentou-lhe alimento em pratinhos de grês.
O rapaz faminto agradeceu e já comia
o que o outro preparara para os dois!...

SUPLÍCIO CHINÊS II

“Vejo que está mesmo com fome, meu amigo!”
Disse o ancião e lhe trouxe mais comida,
que o rapaz levou logo de vencida,
enchendo a pança até esticar o umbigo!

Disse o chinês: “Por esta noite, dou-lhe abrigo.
Se acordar com fome, depois de tanta lida,
deixei no forno qualquer coisa escolhida,
coma à vontade.  Simpatizei consigo...”

“Porém não coma o que está no meu altar:
é oferenda para meus antepassados...
Se for comer, terei de dar castigo!...”

“Meu senhor, claro que não vou tirar!
Coisa alguma devem pegar os convidados...”
“Não, pode servir-se, só recorde o que lhe digo.”

SUPLÍCIO CHINÊS III

O rapaz se deitou e logo adormeceu
e foi também descansar o anfitrião.
De madrugada, digerida a refeição,
sentiu mais fome e da promessa se esqueceu...

Frutas cheirosas sobre o altar já percebeu
e foi pensando: Que desperdício que serão!
Antepassados nada delas comerão!...
Pego uma só...  Foi delicioso o que comeu!

Ah, só mais uma, o chinês nem vai notar!
E de uma em uma, comeu o prato inteiro!
Eu agi mal, mas o que se vai fazer?

Barriga cheia, foi de novo se deitar:
pegou no sono outra vez, ligeiro,
sem imaginar o que pudesse suceder...

SUPLÍCIO CHINÊS IV

De manhã, sentiu o estômago pesado...
Comi demais!... Tenho de me desculpar...
Uma vozinha foi então rápido escutar:
“Suplício chinês pelo seu grave pecado!”

“Calhau pesado foi no seu ventre colocado!”
Havia uma pedra, fácil de observar...
Ora, que suplício idiota foi criar!
Jogou a pedra pela janela, descuidado...

“Pedra amarrada na orelha direita...”
Bem depressa se esticou para agarrar:
Mas a esperteza desse chinês sacana!

De novo a vozinha do chinês a escutar:
“Suplício chinês: meu pedido não aceita,
a orelha esquerda amarrei ao pé da cama!...”

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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