segunda-feira, 24 de junho de 2019




NOITES VERDES
Novas séries de William Lagos – 29/10—7/11/2018



Noites Verdes (IV) ... ... ... 29 out 2018
Noites Roxas (III) ... ... ... 30 out 2018
Noites de Mostarda (III) ... ... ... 31 out 2018
Noites de Percalina (III) ... ... ... 1º nov 2018
Histórias de Fadas (VI) ... ... ... 2 nov 2018
Proglótides de Lendas (III) ... ... ... 3 nov 2018
Carpimento (III) ... ... ... 4 nov 2018
“De Mel” com Deus (IV) ... ... ... 5 nov 2018
A Pedra no Caminho (IV) ... ... ... 6 nov 2018
Amar sem Sexo (VI) ... ... ... 7 nov 2018

NOITES VERDES I – 29 OUT 18

Em noites verdes me agonio na amplidão,
Em cada estrela um suspiro mais faminto,
Em cada rasgo sem cor de novo sinto
Em mim o agudo mordiscar da inspiração,
Em seu ranger uma senil conotação,
Em suas eternas mortes que pressinto
Em mim milênios de meu alvéolo tinto,
Em uma pródiga e intensa radiação...

Em sua estéril e indolente difusão,
Em sua talhada insondável do infinito,
Em incontável rugir de som aflito,
Em silencioso arpejo de atração,
Em cadavérico fogo-fátuo de espavento,
Em seu vento mil estrelas de lamento.

NOITES VERDES II

Por noites verdes eu rasgo a escuridão,
Por campos negros de clara inspiração,
Por flores brancas em catavento de emoção,
Por pradarias de pertinaz perseguição,
Por noites verdes-claras, sem noção,
Por meu assento em marcha sem moção,
Por minha caneta a sangrar exaltação,
Por sangue verde a estancar-me humilhação,

Por roído sonho que não se realizou,
Por tanto verso que nunca se escutou,
Por tanto tempo que em pé se desgastou,
Por tanta luz que só por mim brilhou,
Por tanta alma de verso que chorou
Por noites verdes e nem sequer brotou.

NOITES VERDES III

De noites verdes o estigma consagro,
De noites verdes testamento de loucura,
De noites verdes de cruel brandura,
De noites verdes em que a mim me apago!
De noites verdes em que me faço mago,
De noites verdes de cintilar tortura,
De noites verdes de mentirosa jura,
De noites verdes em que espírito me flagro!

De noites verdes de correto descaminho,
De noites verdes em que percorro o céu,
De noites verdes a rasgar seu véu,
De noites verdes a conversar sozinho,
De noites verdes a mastigar minha sina,
De noites verdes em que sou minha lamparina...

NOITES VERDES IV

Para essas noites verdes eu me apresto,
Para o ranger das adagas de papel,
Para o sangrar de meu poema em fel,
Para a rasura de meu palimpsexto!
Para o desgaste me preparo lesto,
Para essa mágoa despida de ouropel,
Para o dever desapontado menestrel,
Para o infinito em permanente incesto!

Para essas noites devorar na madrugada,
Para essas noites verdes de negror,
Para essas noites maliciosas de verdor,
Para essas noites em que o sonhar degrada,
Para o silêncio que os mortos percorrem,
Para essas noites em que as palavras correm...

NOITES ROXAS I – 30 OUT 18

Em noites roxas minha alma se abandona,
Em noites roxas meu corpo se exanguina,
Em noites roxas minha semente se fascina,
Em noites roxas seu fecundar retoma,
Em noites roxas a mão se faz redoma,
Em noites roxas ao alquimiar se inclina,
Em noites roxas o alambique se refina,
Em noites roxas minhas súcubos doma;

Em noites roxas em íncubo me transmuto,
Em noites roxas sua semente recolhida,
Em noites roxas para aqui polispermiar,
Em noites roxas o cego olhar arguto
Em noites roxas para a alma malferida
Em noites roxas que encontro a me esperar.

NOITES ROXAS II

Nas noites roxas me ponho a transpirar,
Nas noites roxas meus líquidos comburo,
Nas noites roxas os serafins depuro,
Nas noites roxas em meu furtivo perpassar,
Nas noites roxas sem meus versos publicar,
Nas noites roxas só os ares eu faturo,
Nas noites roxas dou-lhes fado puro,
Nas noites roxas em que os posso conspurcar,

Nas noites roxas com o rir de meu penar,
Nas noites roxas com o salmo do sofrer,
Nas noites roxas em seu leito vou deitar,
Nas noites roxas em que passo a murmurar,
Nas noites roxas o sacrilégio do viver,
Nas noites roxas meu poema a incinerar.

NOITES ROXAS III

Para tais noites roxas então vou aprestar
Para tais noites roxas meu trajo de gala,
Para tais noites roxas vestido só de fala,
Para tais noites roxas minha nudez vou apregoar,
Para tais noites roxas ladainha a murmurar,
Para tais noites roxas em estridor de bala,
Para tais noites roxas o proibido não se cala,
Para tais noites roxas a inserir no meu cantar.

Para tais noites roxas em segurança me iludir,
Para tais noites roxas de que algo restará,
Para tais noites roxas se minha noite chegará,
Para tais noites roxas finalmente indo dormir,
Para tais noites roxas todo o roxo desbotado,
Para tais noites roxas quando enfim for dispersado.

NOITES DE MOSTARDA I – 31 OUT 18

Venho em noites a mostarda te espalhar,
Venho em noites na curva de teu rosto,
Venho em noites, muito após o Sol já posto,
Venho em noites o condimento a te mostrar,
Venho em noites o pão da alma te entregar,
Venho em noites, com o queijo do desgosto,
Venho em noites, com o azedo de algum mosto,
Venho em noites a eucaristia a te forçar,

Venho em noites para teu comungatório,
Venho em noites com meu jeito de simplório,
Venho em noites apresentar-te meu cibório,
Venho em noites de indolente caridade,
Venho em noites sem te impor a minha vontade,
Venho em noites limitando a ubiquidade.

NOITES DE MOSTARDA II

Nessas noites de mostarda mal e mal aparecendo,
Nessas noites de mostarda em singeleza te prendendo,
Nessas noites de mostarda a fímbria da alma te mordendo,
Nessas noites de mostarda o mel que achar ali pendendo,
Nessas noites de mostarda para te dar refresco novo,
Nessas noites de mostarda impalpável meu renovo,
Nessas noites de mostarda a mensagem para o povo,
Nessas noites de mostarda em que imóvel me removo,

Nessas noites de mostarda as quimeras te adivinho,
Nessas noites de mostarda vejo o inflamado espinho,
Nessas noites de mostarda o teu pé sobre o caminho,
Nessas noites de mostarda guiarei com meu carinho,
Nessas noites de mostarda quando em cismas me avizinho,
Nessas noites de mostarda, em negra chispa de carinho.

NOITES DE MOSTARDA III

Por entre noites de mostarda serei gentil ladrão,
Por entre noites de mostarda de tua mente furtarei,
Por entre noites de mostarda, qualquer dor que encontrarei,
Por entre noites de mostarda, encravada ao coração;
Por entre noites de mostarda dedos mortos te darão
Por entre noites de mostarda o que de mim roubei,
Por entre noites de mostarda pela pleura em que rasguei,
Por entre noites de mostarda cada alvéolo do pulmão,

Por entre noites de mostarda dou-te o espólio de minha vida,
Por entre noites de mostarda, que a guardes tua inteiramente,
Por entre noites de mostarda, no cerne da alma protegida,
Por entre noites de mostarda hei de morrer em feliz,
Por entre noites de mostarda, meu cimento em ti se aventa,
Por entre noites de mostarda, na argamassa que hoje eu fiz.

NOITES DE PERCALINA I – 1º NOV 18

De percalina eu forrarei tua alma,
após meus versos nela encadernar,
com mil cuidados a lombada a colocar,
que em ti apenas encontrarão a calma.

Com percalina meu coração te embalma,
o pergaminho só em ti pude encontrar,
tábula rasa após tudo lhe apagar,
palimpsexto raspado de minhalma.

De percalina será o revestimento
de cada página que em branco redigiste,
depois que minha leitura te conquiste,

De percalina será igual teu sentimento,
são teus motivos que ali reencontrarei
e não os inúteis sonhos que enviei.

NOITES DE PERCALINA II

A percalina recortei de meu sudário,
de minha pele imaculada de tatuagem,
deixando a carne exposta com coragem,
para que a cubram meus calos de operário,

com as plaquetas senís do meu fadário,
sonhos doentes transportando de carruagem
por essa noite azul de tua paisagem:
na percalina nada há de extraordinário

e nem nos versos que essa noite em ti gerou,
são versos mortos sem a tua leitura
e quando os lês os fazes teus inteiramente;

não foi minhalma que em ti se transplantou,
mas só o oculto de tua alma pura,
que se enxertou sobre ela totalmente.

NOITES DE PERCALINA III

De percalina revestirei tuas loas,
com cada verso de amor desconhecido,
com cada sonho de amor incompreendido,
cada tristeza que em minhalma roas;

de percalina revestirei lembranças boas,
que estes versos garimparão do olvido,
a sepultar de tua alma o entristecido,
tal qual tisana a que três vezes coas.

As ilusões dos teus tempos de menina,
que o troar do mundo mau destemperou,
no verdadeiro desapego de tua sina;

mas nessas noites em que nunca me verás,
todo o teu belo para mim revelarás,
para que o possa revestir de percalina!

HISTÓRIAS DE FADAS I – 2 NOV 18

Por que contar ou poetar contos de fadas?
Alguns insistem seres coisas irreais,
bem diversas dos eventos naturais
e que as crianças seriam até prejudicadas,

porque as sílfides jamais serão no mundo achadas
e nem as bruxas de tendências infernais,
que esses monstros nem existem, ademais,
e que é preciso serem disso preservadas...

Podem de fato até ficar amedrontadas
e até mesmo sem conciliar o sono,
mas se até cantam sobre o tal Bicho Papão!

E sobre o Boi da Cara Preta a essas coitadas;
o Homem do Saco a lhes trazer inquietação,
a Velha do Sol sem lhes dar qualquer abono!

HISTÓRIAS DE FADAS II

A verdade está no oposto, justamente:
fadas existem, que são as boas pessoas,
bruxas existem, criaturas mais atoas,
disso é preciso preveni-las diariamente!

Pois algum monstro estará sempre presente;
vivo na esquina a murmurar palavras boas,
qualquer carona, sorvete, algumas broas,
e de seu lar a criança fica ausente!...

Ou em nossa sociedade cruel e violenta,
surge um monstro de carro, embriagado,
para qualquer descuidado atropelar,

ou então um tiroteio se apresenta,
qualquer criança assim sendo alvejada,
pois não souberam quais precauções tomar...

HISTÓRIAS DE FADAS III

A gente antiga bem sabia prevenir
contra os perigos que espreitam das florestas,
mas as de hoje pouco pensam nessas festas,
como lugares de que alguém deva fugir.

Qual o problema com as fadas?  Ao dormir,
na véspera de Natal ou antes das sestas,
falam no Papai Noel ou as imagens bestas
desse Coelhinho da Páscoa a transmitir,

que então confundem com o “Papai do Céu”,
para sofrer, pouco a pouco, o desaponto,
pois se não há Papai Noel, tampouco há Deus;

se não há bruxas, não se levanta o véu
sobre o Mal verdadeiro em cada ponto,
a espreitar sobre os passinhos seus!

HISTÓRIAS DE FADAS IV

Existem monstros que surgem do atavismo,
como frutos do inconsciente coletivo,
no hipotálamo algum vestígio vivo
dos velhos tempos do primitivismo

e seus medos sobrevivem, sem modismo,
a diferença será o papel ativo
que uma criança assume de incisivo,
para o monstro derrotar em paroxismo!

Isto é importante para a sua segurança:
que não precise ser sempre protegida,
mas que é capaz de se antepor ao mundo,

sem ser igual à Chapeuzinho da lambança,
que o Caçador retira, ainda vestida,
do estranho estômago daquele Lobo imundo!

HISTÓRIAS DE FADAS V

Não existe mal em se pensar que sob a ponte
habite um Troll ou um animal faminto;
carros velozes percorrem tal precinto
e alguns Sem-teto nos quais o mal desponte;

ou sendo um rio, borbulhando de sua fonte:
parece belo, mas quem dirá que minto,
se de uma criança o afogar-se pinto,
arrastada até perder-se no horizonte?

Já de outra espécie são os monstros do lar,
esse que vive por baixo da caminha,
ou que se esconde no seu guarda-roupa!

Nenhuma história popular a provocar
o medo atávico que sente a criaturinha
que um contador de histórias até lhe poupa!

HISTÓRIAS DE FADAS VI

E finalmente, por que as escrevo em versos?
Há poucos dias seis prebendas registrei,
suas frases tontas da memória retirei,
não tendo em si quaisquer sinais perversos;

porém é fácil decorar seus versos tersos,
mesmo que delas muitas versões achei,
quando a meus netos ensinar tentei:
pedem de novo, em alegria imersos!...

Se um conto de fadas redijo em poemetos,
é bem mais fácil de se memorizar:
quando criança, decorei versos completos

e sua cadência não só desperta seus afetos,
como seu ritmo as leva ao sono se entregar
e forma um liame mais difícil de apagar!...

Proglótides de Lendas 1 – 3 nov 2018

Hoje por muitos é a poesia abandonada,
Com seus “quatro demônios” sorridentes,
Métrica e rima, cesura e ritmos frequentes,
Por prosa poética estando a ser trocada,
Desde a tendência do “modernismo” malfadada,
Que ainda perdura após décadas transientes,
Postos de lado os modelos permanentes,
Por quem não sabe prosseguir em tal jornada,
Por esse grupo de cronistas excelentes,
Que nos mentiram escrever poesia,
Tão bem aceitos em tais mediocridades
Por analfabetos funcionais subjacentes,
Em que a poesia raramente alguém ouvia,
A contentar-se com tais senilidades...

Proglótides de Lendas 2

Porque, de fato, o “modernismo” tem cem anos!
E mais de geração morreu e está enterrada,
Que então louvou essa memória ultrapassada!
(Hão de dizer serem os românticos mais arcanos!)
Mas o soneto e os alexandrinos que louvamos,
Seis séculos já percorreram de enfiada,
Muita poesia a traduzirem por mancada,
Em versos livres de mais simples afanos.
Em adolescente, decorei Camões,
Castro Alves, Gonçalves Dias, Bilac,
Guimarães Júnior e muitos outros mais,
Proglótides a deixar de corações,
Que em mim cresceram a rufo de atabaque,
Para serem reproduzidos em meus ais!

Proglótides de Lendas 3

Vamos dizer, para assim simplificar,
Que de vermes os proglótides são ovos,
Querendo dar à luz os seus renovos,
Pelas vias naturais a eliminar...
Mas os proglótides de sonho vão brotar
Em teu cérebro, que da alma vêm dos povos
E de onde nascem os escritores novos,
Sete poetas meu espírito a pintar;
Por isso escrevo em versos essas lendas,
De preferência as pouco relembradas,
Com meu toque pessoal aqui e acolá,
Sabendo bem que não são como parlendas,
Dificilmente poderão ser decoradas...
Quiçá um proglótide em tua alma nascerá...?

CARPIMENTO 1 – 4 NOV 2018

em prece aguda, cada carpideira
por qualquer desconhecido ali suplica,
uma emoção plangente então fabrica,
em que mastiga a indiferença inteira!

em cada alma coexiste a lavadeira
dos pecados e dos sonhos e ali fica,
numa tristeza irreal a que se aplica,
cada vez mais enquanto a morte abeira;
dos que se vão sentimos a saudade,
mas com um certo alívio até mesclada,
que a nossa vez então parece ser adiada.

e se carpimos, lamentamos a ansiedade
de nos tornarmos em pouco mais que nada
ao no tocar finalmente a mortandade.

CARPIMENTO 2

existem ainda hoje as carpideiras,
vão a velórios só para fofoquear
e os carpideiros, piadas a contar,
pela copa ou em refeições ligeiras.

algum sanduíche quando do bar te abeiras,
enquanto um trago te vai reconfortar,
o teu alívio assim a disfarçar,
por mais que as lástimas sejam verdadeiras,
porque essas lavadeiras de tua alma
continuamente enxáguam tua certeza...

e em falsa negativa que te embalma,
dizem que a todos alcançará o destino cru:
morrerão todos, porém ficarás tu!

CARPIMENTO 3

alimento te aportam para a tua ur-defesa
de que te escapas da mortalidade
e de que serás eterno, na verdade,
da terra os frutos gozando com riqueza.

com disfarces conservando a tua beleza,
a se esvair na mais fiel celeridade
e até ao final, com a possibilidade
de que um servo onipotente, que te preza,
irá impedir que para sempre morras,
mas, complacente, te dará a vida eterna
ou ainda mais, uma bênção mais superna!

restaurará tua juventude e assim corras,
novamente, para o arco-íris cintilante,
uma nova encarnação levando avante!...

“DE MEL” COM DEUS  I – 5 NOV 18

Se não me engano, era com Santo Antonio,
caso uma graça pedida não lhe desse
e um belo noivo não lhe concedesse,
menos coisa de santo que demônio,
a jovem lhe amarrava, no osso do perônio,
uma cordinha, para que o pendurasse,
cabeça para baixo, de modo que o forçasse
a cumprir logo o seu dever icôneo!

E coitadinho do santo! – para o poço
ela o levava, no seu ressentimento:
“Se não atendes minha prece, seu nojento,
e não me encontras logo um belo moço,
ficarás aí dentro, sem o sustento
de minha promessa por um círio grosso!”

“DE MEL” COM DEUS II

Há entre nós uma crença transmitida
de que Santo Antonio é um casamenteiro;
eu nunca li de algum milagre inteiro,
mas certamente não terá guarida
em matrimônio de sua própria vida:
celibatário já foi ele primeiro
e assim ficou até o momento derradeiro...
Por que por ele se escutaria um tal pedido?

Mesmo porque existe tanto foguetama,
muito ruidosa em seu dia consagrado:
a festa fazem com o máximo alvoroço!
Mesmo de surdo sem ostentar a fama,
como o santinho poderá ter escutado
Esse pedido por mais um noivo moço!?

“DE MEL” COM DEUS III

Foi assim que a infeliz ficou “de mal”
com Santo Antonio, porque não se atreveu;
desdém algum para Jesus cedeu:
Ele é o juiz dos mortos, afinal!...
Melhor um santo castigar, é natural,
quando a promessa não quis nem atendeu
e a pobre imagem no poço apodreceu,
sem dar à jovem um prazer matrimonial!

Por que só ela continuou encalhada?
“Ai, que santo de cabeça mais safada!
Pois fica então aí embaixo, nesse frio!”
E o confessor lhe sugere então Jesus:
que vá a um convento de sagrado brio,
quem sabe o seu destino é de outra luz?

“DE MEL” COM DEUS  IV

Ao Santo Antonio vai retirar do poço,
mas por despeito, o põe numa gaveta:
“Ali vais ver como a solidão é preta!
Te recusaste a me arranjar um moço!
Mas se eu rezar direto a Deus, então remoço,
que ele me atende na hora mais secreta,
que ir ao convento, de fato, não me afeta:
é muito quente aquela roupa até o pescoço!”

“Mas Deus lá em cima, como pode me escutar?
Contudo o mel ganhei no meu batismo,
certa magia deve haver na colherinha!
E se um marido nem Ele me arranjar,
não mais me importo com o catecismo:
vou é roubar o marido da vizinha!...”

a pedra no caminho 1 – 6 nov 2018

“quando pobre progride, logo dá topada!”
se não levar um tombo, rebenta com o dedão!
cntão fica pulando, agarrando com sua mão,
rasga o sapato e não sonha com mais nada!
chutou uma pedra, desgraceira mais danada!
olhando para a frente, não enxergou o chão,
que progresso de pobre é somente uma ilusão:
verdade é a pedra bem no meio de sua estrada!
sem ter mais sapato, terá de usar tamanco
e bateu logo com sua pobre unha encravada!
mas depois se recobra, já aguentado o tranco:
machucado ficou, mas não continuou manco,
lá na frente a esperança, ah, menina mais levada!
E a pobre da pedra?  Também ao meio foi rachada!...

a pedra no caminho 2

cada pobre que existe só herda a esperança;
não fora a esperança, nem sairia na estrada;
não fora essa estrada, nem daria a topada;
não fora a topada, nem sequer ele avança!
seus pais lhe contaram, quando era criança:
“se alguém desistir, nunca terá qualquer morada;
só poderá ganhar, quem nasceu sem possuir nada;
quem espera, consegue; no final, algo se alcança!
quem nunca teve nada, nada então pode perder!”
arranja um emprego e então vai trabalhar,
sempre existe a esperança de algo ganhar
e o mais surpreendente é tão raro se ver
esse pobre infeliz qualquer coisa a roubar,
enquanto quem tem, sempre mais procura ter!

a pedra no caminho 3

não é só uma pedra que se encontra na estrada,
que a vida é constante em lhe passar rasteira,
o que mais impressiona é a esperança tão ligeira:
caso seja assaltado, vai perder bem pouco ou nada...
e assim segue em frente essa gente danada,
de quem só a fome é a fiel companheira;
para a sede, em geral, se encontra uma torneira,
se parece estar gordo, a barriga está inchada!
de nada lhe adianta vale ter disso ou daquilo;
o que um pobre precisa é de um bom treinamento,
com quem possa obter um emprego a contento,
mas cesta básica equivale a um só quilo
dessa esperança que lhe dá contentamento:
para os chineses, a esperança é só um grilo!...

a pedra no caminho 4

talvez pareça este poema ser mesquinho;
não tenho o costume de qualquer ideologia
dando esperança aos que mais iludia:
“nenhuma pedra acharão no seu caminho!”
sempre que pude, ajudei a um pobrezinho,
especialmente aos que trabalhar eu via,
meu entusiasmo na escola eu lhes daria,
não a ilusão da ausência de um espinho!
para viver feliz, ninguém nasceu,
só para a busca de tal felicidade,
não na riqueza, mas na satisfação;
mas a esperança sendo quem morreu
depois de tudo, nem deixou saudade,
sem ter ninguém a chorar no seu caixão!

AMAR SEM SEXO I – 7 NOV 2018

Parece injusto que só o homem precisa
do que a mulher, se disposta, lhe concede;
por muitos séculos a recompensa lhe segrede,
pela atenção ou presente que ela visa!
Mas o feminismo hoje feroz o solo pisa
e igualdade, com fervor, exige e pede,
nos protestos, exigências mais não mede,
mantendo os privilégios, coisa incisa!...

Se deve haver igualdade, então que morra
na mesma faixa etário que o marido,
sem ter por cinco anos ou mais sobrevivido!
ou que num banco aposentadoria não recorra,
cinco anos antes que ele a possa ter!
Onde a igualdade que ela tanto diz querer?

AMAR SEM SEXO II

Com certeza, existe hoje uma tendência
para que qualquer mulher, com liberdade,
escolha seus parceiros à vontade
e que os possa receber com mais frequência;
mas será que existe aqui igual potência,
mesmo a quebrar os padrões da sociedade,
um presente do machismo, na verdade,
nelas sendo artificial essa existência?

Porque, de fato, é da mulher a atração,
seu corpo feito para a reprodução,
do homem recebendo só a semente...
Como então pode se zangar, se desejada?
só o homossexual a deixando rejeitada,
Mesmo que um filho não deseje realmente.

AMAR SEM SEXO III

Na menopausa, onde se acha a igualdade?
Desiste o corpo e não mais copula;
remédios toma, sem lhes ler a bula,
se de seu par quiser ter fidelidade...
Na decadência de sua fertilidade,
tentando o homem conserver mediante a gula,
mantendo o lar persistente qual a mula,
certo rancor contra a masculinidade.

Porque essa histíoria de andropausa é fantasia,
mesmo em casos em que pior seja a saúde,
tal qual se vê entre os mortos de fome,
órgãos sexuais intactos até o momento da agonia,
sobrevivendo à condição mais rude
que o organismo inteiro então consome...

AMAR SEM SEXO IV

Mas como pode haver essa igualdade,
se são os ventres a vida a suportar,
mulher alguma no total a se realizar,
sem a alegre dor de sua maternidade!
E como pode algum homem, na verdade
a dor do parto poder mesmo avaliar
e as longas noites de seu vasto preocupar
pelos filhos adultos, com perenidade?

Somente atinge um certo grau de empatia,
visto que sente que outros filhos geraria,
se ainda houvesse uma oportunidade,
em ventre jovem que encontrar podia...
Mas ela sabe que outros filhos não terá,
se algum que teve para a vida perderá.

AMAR SEM SEXO V

Mas como poder haver essa igualdade,
quando seus filhos crescerem para o mundo,
as suas filhas com ventre já fecundo?
Sente o abandono em sua totalidade,
mesmo que estejam de seu lado, na verdade,
pois então cresce nela esse profundo
ódio da vida, que seu ventre rotundo,
nunca mais irá deixar em saciedade.

Têm seus filhos sentimentos diferentes,
os das filhas em igualdade permanentes,
porém já pensam em seu próprio futuro,
quando seus filhos, por igual, crescerem,
longe de si no mundo a se perderem,
igual que a mãe a sofrer destino duro...

AMAR SEM SEXO VI

Mas como pode haver essa igualdade,,
quando ela tem esse tesouro de beleza,
os sentimentos de mais singeleza,
sendo ela o esteio real da sociedade?
Que o homem é o que faz dele, na verdade,
sua educação muito mais, em sua inteireza,
guardiã fiel da quimera e da tristeza,
enquanto a vida lhe reduz capacidade.

E como pode haver essa igualdade,
se é a mulher a flor mais escolhida
e homens orbitam ao redor de sua magia?
Mesmo quando, em sua terceira idade,
sem mais poder ser fonte de mais vida,
ainda consegue ser sua fonte de alegria?

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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Um comentário:

  1. Caro, escritor. Eu tinha lido no e mail e vim aqui deixa minha apreciação. Fabulosa coletânea. Amei noites verdes. Parabéns pela verve poética tão fluente e diversificada.

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