SEIOS ARFANTES I (2007)
(Lillian Roth, musa do cinema mudo)
Alguém me aguarda e escutará meu verso
e todas minhas canções há de cantar
ou saberá ao violino executar
o meu lamento, em esplendor converso.
Alguém que compartilhe do adverso
pendor que tenho por melodia alvar,
tão diversa das outras, que esperar
não posso seja o gosto do disperso
grupo social em que preso me vejo.
Alguém que goste do que amo e compartilhe
do meu gosto em pintura e o mesmo vinho
queira tomar... e não demonstre pejo
por compartir a vida em que eu encilhe
meus velhos sonhos em ramos de azevinho.
SEIOS ARFANTES II (20/10/2009)
Irei tomar da lira e à testa a faixa
cingir, para assumir que sou poeta.
A vincha guaranítica do esteta
não é a mesma que sobre mim se encaixa.
Uma protege os olhos, quando baixa
o vento nos cabelos, flor de seta;
A outra demonstra a mais sincera meta
de seguir essa deusa que me enfaixa,
como múmia obediente a seu destino,
em que sua boca a ordem manifesta
que retransmite a nova exaltação.
Não sou mais que o badalo desse sino,
que o empuxo da corda não contesta,
mas fere o bronze em plena devoção!
SEIOS ARFANTES III
Lagartas vivem bem mais que borboletas
e se ocultam do Sol, que as ressecara,
enquanto a cor das asas mais buscara
A luz do sol, que mais as ressaltara...
Mas morrem logo, como as violetas,
retiradas da sombra que as cuidara:
quem sabe a vida mais lenta lhes passara
se fugissem ao sol, que lhes roubara
a duração da vida, ao dar-lhes cor...
Assim, prefiro a sombra por guarida
e as folhas da videira, em cartomância,
em mim conservam pleno meu vigor:
não sei qual extensão terá minha vida,
apenas sei que duração terá minha
infância...
SEIOS ARFANTES IV – 14 setembro 2023
Torno à metáfora dessas borboletas,
porque as próprias borboletas são metáfora:
a vida inteira contida nesta anáfora,
que adeja iridescente, nas secretas
constelações de pó, mágoas completas,
no dilema da lagarta, tão pacata:
melhor viver a vida mais cordata,
porém mais longa, que usufruir diletas,
mas curtas horas, depois de abrir as asas?
A vida é assim, no seu obscurantismo:
se eu for um lepidóptero, muito em breve
me queimarei, nas lâmpadas das casas,
sem sequer me poupar um silogismo,
para queimar-me ao sol... dançando leve.
SEIOS ARFANTES V
Flor de ausência é
teu rosto, essa milícia
de dias vazios,
marchando arrependidos:
são de poeira de
verso entretecidos,
de serragem e
biruta, em sua malícia.
Quando murcham os
jasmins, longe de ti,
deixam raízes que
perderam viço:
esses infantes
dispensados do serviço,
espelho negro em
que não mais te vi.
Como eu queria que
as bandeiras desfraldadas
desse exército de
ausências tremulassem,
ao derredor de
mim, como sentenças!
Estandartes de mil
troças marchetadas,
talvez a me ferir
então cercassem.
mas, pelo menos,
me trariam tuas presenças.
SEIOS ARFANTES VI
As vozes
estridentes que hoje escuto
lembram tua voz,
mais doce, de contralto;
os rostos
entrevistos, no ressalto,
são pedaços de
rostos no meu luto.
Fragmentos do
espelho, que disputo
à minha própria
memória, neste salto
ao passado, que
assim tomo de assalto,
para com eles
construir rosto impoluto.
A face da
alma-irmã, que de minhalma
compartilha desde
sempre, vida a vida,
porém que nesta não
pude ainda encontrar,
que idônea inteira
fosse e plena calma
conseguisse
despertar na minha ferida,
na cicatriz que,
enfim, me há de curar.
SEIOS ARFANTES VII
– 15 set 23
São meus sonetos
aves e cantam só à noite:
são rouxinóis de
vento, cataventos,
são ampulhetas que
meus sonhos bentos
encadeiam em
silêncio que os acoite.
Durante o dia, da
algazarra o açoite
faz gaiolas para
os pássaros e os ventos
e os lançam para
longe: só os mais lentos
permanecem
adejando sem pernoite.
Os demais voam,
sem ser jamais escritos:
até queria que em
outro eles pousassem,
para soprar-lhe
metáforas e imagens...
Não se perdessem
assim, mas fossem ditos:
pelos lábios de
outrem se cantassem,
ao completar
suas estranhíssimas viagens.
SEIOS ARFANTES VIII
Sobre quais seios
pousam borboletas
e como arfam as
donas desses seios?
Será que arfam as
borboletas em receios
que o movimento
tenha intenções secretas?
Será que os tomam
por flores incompletas,
com um botão apenas
nos seus veios?
Sob a armadura dos
vestidos buscam meios
de mel e leite
sugar, voláteis setas?
Então arfam as asas
e derramam
as mil tésseras de
poeira de suas asas,
como um confete que
se julga multicor!
Mas ai! longe das
asas já se empanam
essas células-tijolos
cor de brasas,
a escorrer como
chuva sem penhor...
SEIOS ARFANTES IX
Caso eu fingisse
borboleta ser,
para pousar, num
astucioso jeito
sobre esse seio
arfante mais perfeito,
as leves asas dos
dedos a esbater,
lá não teria mil
cores a perder,
caso eu arfasse
sobre o puro leito,
mas abrangeria
duas flores num trejeito,
antes que um susto
me fizesse desprender!
Dificilmente meus
dedos, nesse ensejo,
assumiriam das
asas o esplendor,
com muita sorte,
pareceriam mariposas,
na carícia gentil
do estranho beijo,
sem que os lábios
suspirassem de calor,
fingindo as unhas
serem pétalas de rosas!
SEIOS ARFANTES X –
16 set 2023
Eu não teria mil
tésseras de cor
sobre teus seios
para depositar,
só fragmentos de meu
rosto a derramar,
em cada qual meu
reflexo incolor.
Será que os dedos
que se movem com ardor,
de algum modo, se
poderiam transformar
nessas patinhas
gentis, no meu penar
que não arfasse
para mim o seu olor...
Os brancos seios ou
os seios das morenas,
os seios negros de
um igual fervor,
mais destacadas as
borboletas nesse palco,
meus pobres dedos a
sussurrar verbenas,
sem imitar poder, em
seu pleno despudor,
as borboletas a
derramar seu talco!...
SEIOS ARFANTES XI
Para minha
lástima, os seios arfariam,
porém de nojo,
surpresa ou de rancor,
talvez de medo,
percebendo em quase horror
as mãos perdidas
que se destacariam
dos próprios braços
e assim disfarçariam
serem mãos minhas,
cada uma inseto multicor,
mimetizado nessas
artérias de palor,
pois só assim teus
seios tocariam!...
Se olhasses bem de
longe o amargurado
destes dedos que
rasgaram tantos versos,
melhor teus seios
tocar do que a poesia,
em lepidópteros
cada dedo disfarçado,
antes de serem para
o chão dispersos,
presa do passo que
os enfim esmagaria!...
SEIOS ARFANTES XII
Contudo, em cada
grão desprenderia
uma parte de meu
rosto abandonada
para a troça que a
teria marchetada,
não de safiras, mas
de pura zombaria!
Assim meu rosto no
chão se arrastaria,
asas partidas, flor
apisoada,
perdida a máscara
tão só imaginada,
no voyeurismo que me sacrificaria!
Quando partisse a
dona de teus seios,
com os pulsos sobre
o chão me abaixaria,
a recolher meus
dedos esmagados,
da testa a vincha
tiraria em tais meneios,
e cada inseto falso
apanharia
para o silvar de
meus versos desprezados!