terça-feira, 30 de janeiro de 2024


 

 

TANNENBAUM I – 26 DEZ 2023

 

Minha árvore de Natal parece triste,

Ainda apresenta suas bolas e os enfeites,

No alto a estrela a cintilar deleites,

Sobre a árvore ela está de lança em riste;

Mas embora a ser montada a gente insiste,

E suas guirlandas prateadas ali ajeites,

Bolinhas de algodão nos galhos deites,

Nenhuma luz hoje acesa nela existe;

E mais ainda, não há criança ao redor dela,

Só a rodearam em busca dos presentes,

Papéis rasgados nevaram sobre o chão,

Somente a luz da Lua na janela,

Como lágrimas prateadas de parentes,

Que já se foram e para olhar não volverão.

 

TANNENBAUM II

 

Mui antigo costume o da árvore de Natal,

Bem anterior ao raiar do Cristianismo,

Antigo ideal de um nevado Paganismo,

Do Fimbulwinter a enfrentar o frio e o mal...

Outro costume a nos restar de forma igual,

Da primavera a indicar o cismo

Entre o inverno em seu pleno nihilismo,

Danças perdidas de um arcano Carnaval;

Em épocas de bem menos ceticismo

Sagrada era essa árvore triunfal,

Testemnha de que o inverno acabaria,

Que a neve e o gelo correriam para o abismo

E a vida prosseguiria o seu fanal

Em cada pequeno ser que nasceria.

 

TANNENBAUM III

 

A tradição realmente portuguesa

Era o Presépio a demarcar o seu Natal,

O Retábulo espanhol de ardor igual,

Dez figurinhas com traços de nobreza;

Em minha casa se montaria com certeza,

Bem numerosa das figuras a espiral,

Minha avó, minha mãe, em meigo festival,

Depois sobrou para mim igual proeza:

Panos tingidos de verde e um espelho,

Um lago plácido ali a representar,

Com quatro cisnes feitos de algodão;

Vinham os Magos em seu andar parelho,

Pela explosão da Supernova a se guiar,

Três astrônomos a seguir seu coração.

 

ASAS DE QUARTZO I – 27 DEZ 2023

 

Se eu não der asas a meus pensamentos,

Serei a causa de ficarem acorrentados,

Irão murchar, até a morte condenados,

Pranteado em vão o total dos sentimentos.

Se ao invés der asas a meus julgamentos,

Serão os ideais igualmente agrilhoados,

Oprimidos por receios comportados,

Timorosos a declarar impedimentos.

Como posso então cortar suas asas,

Não são galinhas que eu impeça de voar,

Não os pretendo conter no meu quintal,

Por mais lhes dê um mínimo de vazas,

Até que aprendam para as nuvens levitar,

Em grandes flocos de neve sideral.

 

ASAS DE QUARTZO II

 

Ocorre às vezes muertecica, a breve morte,

Não realmente de qualquer inspiração,

Do sentimento a nadar no coração,

Sem permitir-lhe buscar a própria sorte;

Levantar-me e o redigir seria um corte

Nesse meu sono de fraca fixação:

Para amanhã deixarei sua redação,

À memória confiarei seu breve porte...

Mas de manhã, as frases já morreram,

Haviam brotado no solo de minhalma,

Sem receber nem água e nem adubo,

Quais arestas se saberá se perderiam.

Na escolha tola de conservar-se a calma,

Enquanto os dados giravam em seu cubo.

 

ASAS DE QUARTZO III

 

Por isso, geralmente eu me levanto

E deixo o sono me abandonar sem pena

Por mais um verso que a meu olhar acena,

Talvez de riso ou a pipocar de pranto;

Quiçá tal verso em nada será santo,

Mas esquecê-lo meu coração condena,

Melhor o escreva nesta presente cena,

Se for inverno, a me cobrir de manto,

Se for verão, diante do ventilador,

Que sopra ao longe essa pequena morte,

Que ao sono sobreviva este soneto,

Meu inconsciente o venenoso sedutor,

Talvez querendo que o poema assim se aborte,

Cristalizado em verde quartzo secreto.

 

NA GÔNDOLA DOS ELFOS I – 28 DEZ 2023

 

Ouvi dizer que cada verso é um duende,

Mal disfarçado de duende de jardim,

Algo de pedra ou de cimento assim,

Que meu vago sentimento nele prende;

Mas cada verso a lamparina acende,

Em sua luz traquinando um arlequim,

Num lusco-fusco hibernal feito cetim,

Que a luz elétrica em crueldade fende.

Nunca vivi à luz de lamparinas,

Foi sempre o Sol ou a luz artifical,

Engarrafada em cada fio de seu bornal,

Inversas sendo destarte as minhas sinas,

Sequer a Lua a desfiar meu pensamento,

Tão só um duende a soprar seu julgamento.

 

NA GÔNDOLA DOS ELFOS II

 

Porém se for cada verso duendiforme,

Até que ponto poderá subsistir,

Se não o prender no gradil do redigir?

Um verso adiado talvez fique disforme

Ou a um novo sentimento se conforme,

Que me chegou para os dedos me iludir.

Mas é melhor em qualquer sonho persistir

Do que esperar por rascunho mais conforme.

Talvez devera só escrever à luz de velas,

Com cem falenas a buscar o suicídio,

Ou mariposas a mostrar mais resistência,

Que de meu cérebro escancarem as janelas,

Sem permitir de um poema o infanticício,

Mas dar-lhe a linfa em sua maior potência.

 

NA GÔNDOLA DOS ELFOS III

 

Em sendo assim, todo o sono sacrifico,

Do verso a gôndola a me mostrar seu esporão,

Sempre outros sonos no futuro me virão,

Sempre em outro dia a dormitar eu fico;

Mas cada verso só de si mesmo é rico,

Não se pode procrastinar seu aguilhão,

Que se irradie de mim a sua tensão,

Na hemorragia a que tanto me dedico.

E desse modo acumulo mil cartões,

Com tantos outros de anterior escrita,

Que um dia digito em sua forma final,

Em gôndolas lepidópteras de emoções,

Um pouco de éter para a élfica bendita,

No altar que ergui de pendor sacrificial.

 

DÁRIO HUMBERTO I – 29 DEZEMBRO 2023

 

De chumbo eu tinha muitos soldadinhos,

Só mais tarde me alcançou a galalite;

Nessa coleta o meu avô me incite,

Em sua ferragem os forja no cadinho.

Muitos dos quais a tomar outro caminho,

Em suas vitrinas que cobiça alheia agite,

Que o interesse comercial lhe dite,

Nem toda a obra a enviar para o netinho.

Fazia um longo batalhão no corredor

Daquela velha casa em que eu morava,

Expectando que ninguém os amassasse,

Horas a fio em tal ato de amor

Do menino que na rua não jogava,

Para brincar que alguém viesse e o visitasse...

 

DÁRIO HUMBERTO II

 

Nem todos o meu avô havia forjado,

Alguns vieram da França ou da Alemanha,

Depois as formas para igual façanha,

Minhas tias os pintavam com cuidado

E os deixavam ao sol para o esmaltado

Firmar-se bem, erguidos em peanha,

A mostrar delicadeza e gentil manha

(Ou o degrau do chafariz era ocupado.)

Mas muito mais ensinou-me o meu avô,

Seus fascículos rosacruz a me emprestar,

De meu pai desaprovação tendo receio

E nos meus quinze anos me entregou

Um atlas mágico, capas metálicas em permeio,

Que em Art-Nouveau grande tempo ele guardou.

 

DÁRIO HUMBERTO III

 

Longas tivemos também conversações,

Em que contava da família algum segredo,

Recomendando que o guardasse em meu degredo,

Não eram coisas para se contar a multidões;

Mais tarde, após sua morte, as confissões

Fui conferir com meu pai em seu albedo,

Da morte de minha avó soube o rubedo,

Em seu desastre de tristes proporções.

Também se foram minha mãe e então meu pai

Assim acabei para o mundo transmitindo

Isso que um dia meu avô me havia confiado.

A nenhum deles tal lembrança ainda vai

Prejudicar se meus pecados for nutrindo,

Porém suspeito ter meu avô assim honrado.

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