terça-feira, 18 de janeiro de 2011

E N C H E N T E


ENCHENTE I  

Amor é uma fonte de esmeralda
que me reveste o peito em solidez;
amor é o amor futuro e o que se fez:
amor é o pé do monte, o pico e a falda.

Amor é o beijo teu que me rescalda
e me penetra em plena calidez;
esse teu beijo morno de altivez
e tua saliva de agridoce calda.

Amor é tua presença permanente,
no fundo de meu ser, como o pulmão
por que respiro, em sonho redolente.

Amor é essa dor no coração,
pequeno câncer, em rubor frequente,
que me conserva viva a percepção.

ENCHENTE II

Amor é como um pente de safiras,
que se desprendem pelos teus cabelos;
encanto permanente, só de vê-los,
sedução permanente, se me miras...

Quando os cabelos mansamente atiras
sobre meu ombro, em gesto de desvelos,
eu desejara para sempre tê-los
e que teus braços a meu redor insiras.

Mas se não vejo safiras nos teus olhos,
que são flores castanhas em botão,
elas tombam em meu peito, mansamente,

a cada vez que me abres os refolhos
e que bate, junto ao meu, teu coração,
em tal abraço que anseio permanente...

ENCHENTE III

Amor é como a gruta de rubis
de sedução perfeita recendente:
que minha visita seja permanente,
nessa caverna que desejei e quis.

Que amor se faça, mais do que já fiz,
que a caverna não se feche, indiferente:
que seu aroma se torne mais potente,
sobre um leito de açucena e flor-de-lis.

E que seja teu amor tão contundente,
que me abra no peito um orifício,
por onde o sangue assim ao teu misture,

nesse amor de partilha opalescente,
em que encontre finalmente um benefício,
que para o resto de minha vida dure.

ENCHENTE IV

De teu amor só abro mão, se retirado
de meu ventre já gélido e impotente:
enquanto vivo for, a esta premente
exultação eu sigo consagrado,

em permanência constante de teu lado,
aos dois rubis do peito consequente:
auréolas santas, em látego inclemente,
na doçura salobra em que te invado.

Que se rocem aos meus, doces mamilos,
por longo tempo, até o dia final,
e que morra em teu amplexo abraçado,

ainda abençoado por estes dois anilos,
jóias brilhantes para meu fanal,
com meu destino, enfim, reconciliado.

ENCHENTE V

Amor é essa textura de alvaiade,
que te recobre o peito, feito giz.
Amor é esse perfume gris, que quis,
no abraço puro de uma doce náiade.

Que tal amor dentro em minhas veias nade,
e percorra o meandro, que eu quis gris.
Labirinto cerebral, que em giz eu fiz
e que cada neurônio assim invade.

Que encontre ainda em amor inspiração,
na estátua arcaica de uma deusa grega,
no pátio erguida, apenas de cimento.

Mas que veja em teu rosto outra feição,
no amor da carne, de preciosa entrega,
em que teu beijo é puro sentimento.

ENCHENTE VI

Amor é como um jato de turquesas,
numa esfera de luz entrelaçadas,
em dupla chama azul rebobinadas,
como as antigas tiaras de princesas.

Amor é feito de minúsculas grandezas,
que em microcosmos se mostram reveladas,
quando se trançam os dedos, partilhadas
as emoções que nos levam às certezas.

Que seja assim este amor, de azul profundo,
cujas cordas me prendem, esmeril
que vai raspando de mim velha amargura

e até consegue reconciliar-se ao mundo,
formando um nexo ainda mais sutil
que a fantasia em forças vivas de ternura.

ENCHENTE VII

Teus olhos de topázio são o amor
que percebi, enquanto o âmbar desce,
petrificado assim, qual uma prece,
no mundo eterno desse estranho ardor,

nessas lágrimas que descem, por favor
de tuas órbitas, em que esse amor se aquece,
estranho amor que almejo nunca cesse
e que me prende, congelado em dor.

Pois preso em âmbar, serei só pingente,
pendendo contra a maciez da pele,
ou olho cego na ponta de um colar,

enquanto os dois topázios outra gente
contemplará, sem saber o que me impele,
girando assim ao som do teu pulsar.

ENCHENTE VIII

E nesse olhar de ouro cristalino,
eu me sinto em pupilas encerrado:
são tuas pestanas as grades do cercado,
nessa prisão, que me acerca do divino.

Que seja amor o fio de meu destino,
perdido outrora no tempo inconformado:
meio sonho adolescente retornado,
metade o som de um amoroso sino.

Porque desejo manter-me em tal prisão,
no fundo de teus olhos, cativeiro
que me assegura pertencer a ti...

Nessa corrente que perfuma o coração
e me conserva num ideal certeiro,
como castigo pelas vezes que fugi...

ENCHENTE IX

Amor é o fio de prata cintilante,
que me prende, escorrido de teus dedos:
amor são beijos roubados em segredos
e proclamados em som altissonante.

Amor é o som do verso triunfante,
que encontra verso e escapa de seus medos,
na dança ingênua de outros sonhos ledos,
com tal fada, encantadora em seu descante.

Porque esse amor, que me consola agora
não foi um raio caído em dia de sol,
foi mais a planta que cresce e que fascina,

tornado exuberante nesta hora,
qual a chuva que se extingue ao arrebol,
enquanto o arco-íris de teus olhos me domina...

ENCHENTE X

De pérolas e âmbar, assim eu te recordo,
enquanto por teus ombros, em plena luz do dia,
escorre o sol curioso e a pele que luzia
habita nos meus sonhos até quando me acordo.

E vive o devaneio, em barco de alto bordo,
florescendo a teu lado, em plena fantasia,
dedos nos dedos, os passos pela via,
e em puro sacrifício eu afinal concordo.

Mas as coisas demudam: mãos vazias
balançam pela estrada, enquanto o passo
não tem seu par ao longo do caminho.

Mas sei que ao coração em mim confias
e irei ainda recuperar o abraço
que tantas vezes me demonstrou carinho.

ENCHENTE XI

Que seja assim, quimera de ametista,
que em pele branca e rósea se contesta,
numa esperança hoje apenas manifesta,
em que burlo o destino em nova pista.

Que seja assim tua boca minha conquista
e a língua morna um coquetel de festa,
nesse ressaibo de olor, que puro resta,
quando não mais teu rosto abrange a vista.

Que, em cada instante de teu afastamento,
em mim perdura gravado o teu perfume
e teu fantasma se acolhe do meu lado,

enquanto mais me enleia o sentimento
e amor acendra e afia mais seu gume,
no céu da boca, em ressaibo acidulado...

ENCHENTE XII

Os olhos fundos, na carnação perfeita,
ela me olha em termos de cobiça;
já antes me perdi nessa sediça
emanação que à vida me sujeita.

Quando se o busca, o sorriso nos enjeita
e até nos mostram face esquecediça;
tal qual na espera de uma nova liça,
foge e desliza em escápula escorreita.

Eu desconfio assim do olhar profundo
e da gota de saliva que reluz
e da narina, em movimento arfante.

E é contra mim que torno-me iracundo,
pela prudência tola que conduz
à maior mágoa do desconfiar constante.

ENCHENTE XIII

Meu coração foi aberto com gazua,
teus olhos me assaltaram, onda pura,
centelhas recobertas de ternura
e me abriram o peito em fina pua.

Fui erguido nos teus braços, como em grua,
poderosa expressão que inda me dura,
de minhas tristezas cristalina cura,
que me vence por inteiro e não recua.

Mas depois desse assalto, a porta aberta
permaneceu, apesar de que tentasse
os danos reparar da fechadura...

E, se não voltas à minha vida incerta,
vulnerável eu serei a quem quer passe
e que me roube, numa noite escura...

ENCHENTE XIV

Aberto o coração, fiquei sentido,
na profundeza desse ferimento,
na insensatez de todo o julgamento,
pela pungência que me tem ferido...

Aberta a mente, tenho pressentido,
nas mil comparações do pensamento,
mais agudezas que no sentimento
com que a mim mesmo tenho me iludido.

Porque, afinal, o coração te dei
e no oco do peito assim formado,
introduzi um novo de cristal...

Fechei o peito e a pele aconcheguei,
porque este coração recuperado,
tornou-se bem mais frágil, afinal!...

ENCHENTE XV

E quando resta de amor instante apenas,
eu te comparo às corças e verbenas;
e quando resta de amor instante a mais,
eu te comparo a sinfonias imortais;

e quando resta de amor só o passado,
eu te comparo ao coração magoado;
e quando resta de amor só o futuro,
eu te comparo ao pensamento puro;

e quando resta de amor só o presente,
eu te comparo à vastidão da mente;
e quando resta de amor só o infinito,
eu te comparo ao derradeiro grito...

E quando a frase de amor tranca e não sai,
eu te comparo ao derradeiro ai!...

Um comentário:

  1. Bill, acabo de encontrar até linguagem cinematográfica em teus lindos poemas:

    "Fui erguido nos teus braços, como em Grua!"

    Evoé!

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