quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

LAMPARINAS I

LAMPARINAS I

Minha luz é fraca, mais como uma vela
do que archote ou tocha no mural.
Não que não haja o suporte do torchal
ou um alicerce pronto para a estela...

Mas é que a luz que emito se congela,
por não possuir espelho natural.
Não se espalha potente por canal,
é somente luz dourada e bem singela...

Ela se expande por pequeno espaço,
porque não se reflete ou reproduz,
apenas minha mortalha é que me embalma.

Fico restrito à cor do teu abraço,
ciumento de mim, se estamos nus,
escutando o teu som dentro em minha alma.

LAMPARINAS II

Porque minha luz é pouca: titubeia,
quando se adensa a treva ao derredor;
pouco ilumina, pouco pode expor,
à menor brisa, fraca, bruxuleia.

Mas se enxerga de noite, pois permeia
largos espaços em gentil pendor;
prometo, ao longe, um pouco de calor
e o olhar do viandante se incendeia.

Porém, de perto, já não dá impressão:
não passa de luz morna e bem difusa,
por mais que os traços do rosto suavize.

Todos preferem a elétrica visão,
que uma longa distância logo cruza,
sem que deixe passar qualquer deslize.

LAMPARINAS III

Não é pois de espantar que me desprezem:
não estou no palco e nem sou refletor,
mas mesmo um fósforo causa algum queimor
e melhor fora que melhor sopesem,

pois nesse seu descaso, talvez lesem
a si próprias, não a fontes sem calor:
pavio pequeno que apenas corredor
pode mostrar aos passos que lhe pesem.

Mas é o brilho que atrai a mariposa,
não a fragrância opaca de uma rosa,
não o tanger suave de uma lira...

E a tíbia luz que nos meus dedos pousa,
com que a escuridão ainda conspira,
gera um arco-íris, que dentro em mim repousa.

LAMPARINAS IV

Mas sendo arco, a corda que se estira
usa um íris em projétil, como flecha
e, quando se distende, então desfecha
as sete cores com que o mundo fira...

Pode ser flébil a luz que se desfira,
mas corta a noite qual certeira mecha,
pode canhão tornar-se e causar brecha
em cada olhar que de soslaio mira...

Minha luz é turva, porém é permanente:
quem em mim confia, sabe que não falho,
que sempre estou disposto a iluminar,

como o pavio de vela, em tom ardente.
em tua tristeza eu abrirei um talho,
de que toda a escuridão possa jorrar.

LAMPARINAS V

Precisa toda luz de teu espelho,
como o sinal de uma repetidora;
que um satélite captasse, melhor fora
e a golpeasse com força, qual um relho.

Mas esta luz provém do mundo velho,
é de modelo antigo seguidora;
nem anda de avião, no corpo mora,
se movimenta ao pisar de cada artelho.

Bem longe está das modas a mensagem
que pelo mundo transmite meu farol:
busca dizer o que jamais foi dito.

É luz de brisa, o sopro de uma aragem,
estrela pálida de longínquo sol
que há milênios já lançou da morte o grito.

LAMPARINAS VI

Se tens olhos para ver a antiga flama,
percebe que precisa de carinho:
alimentada com musgo e com raminho,
a velha voz em fogueira se reclama.

Só depende de ti que a rubra chama
se difunda pelo mundo, como vinho:
não a escondas entre a palha de teu ninho,
tampouco a ocultes por baixo de tua cama.

Guardada no teu ninho, queimará
e te fará ferver o coração...
Nesse assomo de egoísmo, espantará

para longe de ti a escuridão...
Mas logo a alma também consumirá,
empapada no ardor desse lampião!

LAMPARINAS VII

Se guardares a candeia sob a cama,
sua luz se extinguirá ao desalento;
e, se assoprares o morrião da chama,
terás assassinado este portento...

Mas quem apaga a centelha de um momento
é que não tem a verdadeira flama;
não era para si meu sentimento,
lançado algures a um coração de dama...

Como a estrela que morre e a luz perdura,
só contemplada séculos depois,
assim se espalharão as minhas centelhas,

simples, singelas, de harmonia pura,
mas no fundo cruéis como os anzóis,
porque a alma te prendem se as espelhas. 

LAMPARINAS VIII

Mas se souberes os versos repetir,
espalhá-los pelo mundo, com afeto,
muito maior a luz sob teu teto,
muito maior de tua alma o reluzir.

Nada mais faço que uma função cumprir:
vem a mensagem e a missão completo,
não sou sujeito, apenas objeto,
escriba a registrar o quanto ouvir.

Expeço apenas, de forma rotineira,
a uns quantos amigos e parentes,
pois de que serve o verso ao não ser lido?

Mas permanece a incerteza derradeira:
se, afinal, tocarei algumas mentes,
se nem eu mesmo, às vezes, tenho crido...

LAMPARINAS IX

Porém, se crês, já fazes mais do que eu,
que somente registro e nem evito
esse mistér de refulgir maldito,
esse dever igual ao do judeu

errante, que este mundo percorreu
setenta e sete vezes.  Por contrito
que esteja, não sou assaz aflito,
e nem me importa saber se alguém me leu.

Sou tão somente escravo da poesia,
que jorra como límpida cascata
e deveria refrescar a minha cabeça.

Mas não se bebe o som que nos trazia,
recebo a inspiração como chibata,
gemendo cantos numa calda espessa. 

LAMPARINAS X

Esse talento por deuses concedido
já me encheu até mesmo de esperança:
que carvões me trouxesse sem tardança
ou então, achas de amor correspondido.

Brilhando a lenha em fogo consumido,
compartilhado em tal loucura mansa,

queimando ideias numa longa trança
até que amor seja a cinzas reduzido...

Pavio de vela, que branco foi um dia,
mas que agora se retorce em agonia,
tão negro e inútil quanto este morrião,

perdido assim, tentando ser neblina,
na luz mortiça da pobre lamparina,
que nunca conseguiu ser um lampião!

LAMPARINAS XI

A forma do soneto, reconheço,
pertence ao tempo do lampião de gás;
só uma lembrança que a memória traz,
sobre a qual livros li desde o começo

de minha infância, porque não mereço
que me julguem ter vivido tão atrás,
que visse a luz que um tal lampião desfaz,
perdida num desvão de treva espesso;

hoje essa coisa que chamam de poesia
são fiapos de versos retilíneos,
sem métrica, sem ritmo e nem rima;

só conservam a cadência e a melodia,
que encaixam com meneios curvilíneos
e o povo aceita, na onda dessa mima...

LAMPARINAS XII

Mas eu... Sou filho de um antigo sol,
que derramava luz por toda parte:
"Se a tanto me ajudar engenho e arte",
os passos de Camões, pelo arrebol,

eu seguirei, tentando ser farol
ou ao menos refletir, vermelho marte,
antes que a luz da Lua me descarte,
compondo sempre o desprezado rol

destes meus cantos.  Sou fósforo de luz,
que se apaga num brilho intermitente
e nem sequer persiste como isqueiro...

E como é breve a centelha que reluz!
Talvez na Web se torne permanente,
mas que em meus dedos escorre bem ligeiro!

2 comentários:

  1. Estou encantado com tua obra Bill, parabéns pelo Blog!

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  2. Parabéns tio! Não é por acaso que és considerado por todos uma das mentes mais brilhantes que já passaram por essa região! Fico orgulhosa! Beijos! Ricarda de Bem

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