domingo, 15 de julho de 2012

ACANTOBDELÍDEOS & MIÇANGAS



                                           Imagem: http://www.artilim.com/artist/helleu-pau   

 

MIÇANGAS I 

Tal qual Electra, de cabelos arrepiados,
a mão crispada contra suas madeixas,
qual um recuerdo das mais antigas queixas,
ela me encara, com olhos espantados.

Não sei quais sentimentos expressados
serão por tal mulher, em suas endeixas,
sua boca a sugerir sabor de ameixas,
na vastidão dos beijos apressados...

Porém sugere mais é desespero,
mas certamente apenas representa:
não mais se encontra na primeira juventude.

E sua expressão projeta assim um mero
gênero dramático, pelo qual intenta
mostrar talento maior que o corpo a ajude.

MIÇANGAS II

Já percebe ter trocado por miçangas
os anos de valor da mocidade.
Conquistou seu prestígio, é bem verdade,
mostrando o corpo em bem exíguas tangas.

Mas agora se limita a não ter mangas,
em seus vestidos de discreta opacidade.
Sua primeira sedução se evade,
mais evidentes já se mostram gangas.

E assim, ela pretende ser atriz,
deixando atrás o fado de modelo,
suas poses com visas mais enfáticas,

para indicar, afinal, que sempre quis
demonstrar mais talento que desvelo,
em peças de teatro mais dramáticas. 

MIÇANGAS III

Contudo, se de perto a observo,
nessa expressão de falso desespero,
por trás do rosto ainda me apodero
de outra face, pela qual me enervo.

E nessa cara disfarçada espero
achar significado que conservo,
não que jamais pretenda ser-lhe servo,
mas compaixão eu sinto e nela quero

desvendar o que está por trás de tudo:
seu desespero é real e não me iludo,
ela só finge desespero ao ocultar

essa angústia real, a leve sombra,
que já procura se desvencilhar,
mas cuja rebeldia tanto a assombra.

MIÇANGAS IV

Não que ela use miçangas ou colar,
nem qualquer tipo de balangandãs,
nem brincos, nem pulseiras, coisas vãs,
que mais beleza intentam ressaltar...

Apenas busca o colo revelar:
o pescoço sem rugas ou malsãs
pintas do sol.  Que o leque de seus fãs
ainda a possa por bela admirar...

Também nos ombros, nas axilas depiladas,
conserva a pele as perfeições rosadas;
mantém ainda toda a sua esbeltez.

Mas já enfrenta a cruel competição
dessas mais jovens musas convocadas
para se exporem com maior desfaçatez.

MIÇANGAS V

Decerto sabe que já perdeu terreno:
uma modelo tem vida muito breve...
Alguma ao suicídio até se atreve,
para tornar-se em mito, por veneno,

cortando os pulsos ou, de jeito mais ameno,
tomando barbitúricos... que assim ceve
a sua vaidade, que a lembrança deve
perdurar por período não pequeno.

Mas não é o caso, porém, desta mulher.
O tempo ela combate, na armadura
de quem busca escolher novo mister.

Pois já percebe haver a sombra escura
e continuar nas passarelas já não quer,
mas sobre os palcos seu viver perdura.

MIÇANGAS VI

Contudo, também sabe o que perdeu.
"Onde foi que deixei a juventude?"
Parece até indagar e não se ilude
que possa retornar o que esqueceu...

Pois outras perdas quem sabe já sofreu:
a um filho que não teve assim alude;
ou imagina onde largou a sua saúde,
trocada por miçangas que escolheu...

Mas essa vida, que em seu rosto escoa,
guarda no olhar os traços da ternura,
talvez aguarde ainda o seu amor...

Mas seu príncipe encantado marcha à toa
e nem sequer enxerga nela a pura
centelha vespertina do candor...                     



ACANTOBDELÍDEOS I
(Pequenos animais marinhos aparentados com as estrelas-do-mar.)

Será no nunca que meu barco vou ancorar.
Já demorei em outros portos por demais;
já esgotei as boas-vindas do jamais
e assim alhures tenho de arribar...

Numa enseada escondida e sem corais,
contra as marés que correm desde o mar,
sem recifes ou escolhos, vou buscar.
minha proteção contra golpes mais fatais...

E se na praia do nunca eu me atracar,
lá lançarei duas âncoras pesadas,
senão me forçam as marés a encalhar,

ficando ali minhas mágoas estilhadas,
contra as areias do olvido a perpassar,
jogando o antanho com mil cartas marcadas.

ACANTOBDELÍDEOS II

Nesse jogo do presente com o porvir,
somente guarda tempos meu antanho:
na sua memória tem lugar tamanho
para todos esses lances perquirir

que meu passado já viu tremeluzir,
porque o presente, em seu imenso assanho,
namora as musas de perfil de estanho,
por quem se deixa facilmente seduzir...

E assim corre o presente, esse infiel:
esquece o amor de hoje; e o amanhã
persegue, a ansiar por sua nudez...

E não se dá guarida e nem quartel,
mas feito louco, se atira em busca vã,
sem jamais se contentar com o que já fez.

ACANTOBDELÍDEOS III

É doidivanas o presente aventureiro:
esquece o amor e a fúria do momento,
lança-se à frente, em descontentamento,
sem nunca ter repouso verdadeiro.

Apenas flui, no instante corredeiro:
beija uma hora, em sedutor intento
e logo beija outra, em violento
adultério com o tempo por inteiro!...

Ah, presente que não posso conservar,
por mais que meu instante seja belo!
Enquanto, às vezes, somente por pirraça,

parece se deter, a maltratar,
quando em tristeza o coração congelo,
sem que a mágoa constante se desfaça!

ACANTOBDELÍDEOS IV

Mas o presente é assim: promiscuidade
é sua característica principal.
E como é perdulário o seu final!
Pois tudo entrega ao passado, sem piedade.

E nem sequer por prodigalidade:
é tão só por natureza mercurial;
não passa de um atalho perenal
entre o passado e o porvir da humanidade.

Como é fugaz o instante do presente!
Não é o dia que se chama hoje:
Metade já é passado e se pressente,

na transição do momento que nos foge,
que a outra inteira no porvir se assente,
sem que o presente em ponto algum se aloje.

ACANTOBDELÍDEOS V

E que é o futuro, então, senão a bruma
das infinitas probabilidades?
Desses caminhos do mar, que sobrenades,
dessa senda que nos ares já se esfuma?

Ai, futuro!  Que assim se prende numa
vertente cristalina de vaidades
e então escorre, diretamente ao Hades,
em que toda esperança assim se espuma...

Mas só podemos contar com tal futuro
que, bem contado, depende só de nós.
Voltamos passos, em cada encruzilhada,

para o sendeiro que pensamos puro
e imersos na ilusão, vamos empós,
até que a senda se desfaça em nada...

ACANTOBDELÍDEOS VI

Assim, ancoro meu barco em solidez,
nessa enseada que descobri, talvez
em consequência das escolhas que já fez
o meu antanho, quiçá sem perceber

cada momento congelado do viver
e que não posso mais mudar a bel-prazer;
paralelepípedos lançou, a me prender,
nesse castelo de arenito e grês...

Mal domino o presente incontrolado,
mas tenho de laçar cada momento,
para que seja meu o meu porvir,

que, no instante seguinte, já é passado,
e já se afasta, em seu completamento,
quando o amanhã ainda posso construir...


Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.

 

 

 

 

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