MIÇANGAS I
Tal qual Electra, de cabelos
arrepiados,
a mão crispada contra suas madeixas,
qual um recuerdo das mais
antigas queixas,
ela me encara, com olhos espantados.
Não sei quais sentimentos expressados
serão por tal mulher, em suas
endeixas,
sua boca a sugerir sabor de ameixas,
na vastidão dos beijos
apressados...
Porém sugere mais é desespero,
mas certamente apenas representa:
não mais se encontra na primeira
juventude.
E sua expressão projeta assim um mero
gênero dramático, pelo qual intenta
mostrar talento maior que o corpo a
ajude.
MIÇANGAS II
Já percebe ter trocado por miçangas
os anos de valor da mocidade.
Conquistou seu prestígio, é bem
verdade,
mostrando o corpo em bem exíguas
tangas.
Mas agora se limita a não ter mangas,
em seus vestidos de discreta
opacidade.
Sua primeira sedução se evade,
mais evidentes já se mostram gangas.
E assim, ela pretende ser atriz,
deixando atrás o fado de modelo,
suas poses com visas mais enfáticas,
para indicar, afinal, que sempre quis
demonstrar mais talento que desvelo,
em peças de teatro mais
dramáticas.
MIÇANGAS III
Contudo, se de perto a observo,
nessa expressão de falso desespero,
por trás do rosto ainda me apodero
de outra face, pela qual me enervo.
E nessa cara disfarçada espero
achar significado que conservo,
não que jamais pretenda ser-lhe
servo,
mas compaixão eu sinto e nela quero
desvendar o que está por trás de
tudo:
seu desespero é real e não me iludo,
ela só finge desespero ao ocultar
essa angústia real, a leve sombra,
que já procura se desvencilhar,
mas cuja rebeldia tanto a assombra.
MIÇANGAS IV
Não que ela use miçangas ou colar,
nem qualquer tipo de balangandãs,
nem brincos, nem pulseiras, coisas
vãs,
que mais beleza intentam ressaltar...
Apenas busca o colo revelar:
o pescoço sem rugas ou malsãs
pintas do sol. Que o leque de
seus fãs
ainda a possa por bela admirar...
Também nos ombros, nas axilas
depiladas,
conserva a pele as perfeições
rosadas;
mantém ainda toda a sua esbeltez.
Mas já enfrenta a cruel competição
dessas mais jovens musas convocadas
para se exporem com maior desfaçatez.
MIÇANGAS V
Decerto sabe que já perdeu terreno:
uma modelo tem vida muito breve...
Alguma ao suicídio até se atreve,
para tornar-se em mito, por veneno,
cortando os pulsos ou, de jeito mais
ameno,
tomando barbitúricos... que assim
ceve
a sua vaidade, que a lembrança deve
perdurar por período não pequeno.
Mas não é o caso, porém, desta
mulher.
O tempo ela combate, na armadura
de quem busca escolher novo mister.
Pois já percebe haver a sombra escura
e continuar nas passarelas já não
quer,
mas sobre os palcos seu viver
perdura.
MIÇANGAS VI
Contudo, também sabe o que perdeu.
"Onde foi que deixei a
juventude?"
Parece até indagar e não se ilude
que possa retornar o que esqueceu...
Pois outras perdas quem sabe já
sofreu:
a um filho que não teve assim alude;
ou imagina onde largou a sua saúde,
trocada por miçangas que escolheu...
Mas essa vida, que em seu rosto
escoa,
guarda no olhar os traços da ternura,
talvez aguarde ainda o seu amor...
Mas seu príncipe encantado
marcha à toa
e nem sequer enxerga nela a pura
centelha vespertina do candor...
ACANTOBDELÍDEOS I
(Pequenos animais marinhos
aparentados com as estrelas-do-mar.)
Será no nunca que meu barco vou
ancorar.
Já demorei em outros portos por
demais;
já esgotei as boas-vindas do jamais
e assim alhures tenho de arribar...
Numa enseada escondida e sem corais,
contra as marés que correm desde o
mar,
sem recifes ou escolhos, vou buscar.
minha proteção contra golpes mais
fatais...
E se na praia do nunca eu me atracar,
lá lançarei duas âncoras
pesadas,
senão me forçam as marés a
encalhar,
ficando ali minhas mágoas
estilhadas,
contra as areias do olvido a
perpassar,
jogando o antanho com mil cartas
marcadas.
ACANTOBDELÍDEOS II
Nesse jogo do presente com o
porvir,
somente guarda tempos meu antanho:
na sua memória tem lugar tamanho
para todos esses lances perquirir
que meu passado já viu tremeluzir,
porque o presente, em seu imenso assanho,
namora as musas de perfil de estanho,
por quem se deixa facilmente
seduzir...
E assim corre o presente, esse
infiel:
esquece o amor de hoje; e o amanhã
persegue, a ansiar por sua
nudez...
E não se dá guarida e nem quartel,
mas feito louco, se atira em busca
vã,
sem jamais se contentar com o que já
fez.
ACANTOBDELÍDEOS III
É doidivanas o presente aventureiro:
esquece o amor e a fúria do momento,
lança-se à frente, em
descontentamento,
sem nunca ter repouso verdadeiro.
Apenas flui, no instante corredeiro:
beija uma hora, em sedutor intento
e logo beija outra, em violento
adultério com o tempo por inteiro!...
Ah, presente que não posso conservar,
por mais que meu instante seja belo!
Enquanto, às vezes, somente por
pirraça,
parece se deter, a maltratar,
quando em tristeza o coração congelo,
sem que a mágoa constante se desfaça!
ACANTOBDELÍDEOS IV
Mas o presente é assim: promiscuidade
é sua característica principal.
E como é perdulário o seu final!
Pois tudo entrega ao passado, sem
piedade.
E nem sequer por prodigalidade:
é tão só por natureza mercurial;
não passa de um atalho perenal
entre o passado e o porvir da
humanidade.
Como é fugaz o instante do presente!
Não é o dia que se chama hoje:
Metade já é passado e se pressente,
na transição do momento que nos foge,
que a outra inteira no porvir se
assente,
sem que o presente em ponto algum se
aloje.
ACANTOBDELÍDEOS V
E que é o futuro, então, senão a
bruma
das infinitas probabilidades?
Desses caminhos do mar, que
sobrenades,
dessa senda que nos ares já se
esfuma?
Ai, futuro! Que assim se prende
numa
vertente cristalina de vaidades
e então escorre, diretamente ao
Hades,
em que toda esperança assim se
espuma...
Mas só podemos contar com tal futuro
que, bem contado, depende só de nós.
Voltamos passos, em cada
encruzilhada,
para o sendeiro que pensamos puro
e imersos na ilusão, vamos empós,
até que a senda se desfaça em nada...
ACANTOBDELÍDEOS VI
Assim, ancoro meu barco em solidez,
nessa enseada que descobri, talvez
em consequência das escolhas que já
fez
o meu antanho, quiçá sem perceber
cada momento congelado do viver
e que não posso mais mudar a
bel-prazer;
paralelepípedos lançou, a me prender,
nesse castelo de arenito e grês...
Mal domino o presente incontrolado,
mas tenho de laçar cada momento,
para que seja meu o meu porvir,
que, no instante seguinte, já é
passado,
e já se afasta, em seu completamento,
quando o amanhã ainda posso
construir...
Veja
também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W
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poemas meus e de muitos outros autores.
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