DISJUNTORES
Quando tudo parecia correr bem,
quando tudo, palmo a palmo, dava
certo,
algo ocorreu, deixando-me deserto
quanto esperava neste final também.
Foi como se estivesse mais além,
qual um portal cruzasse, para
incerto
universo paralelo, longe ou perto
do destino anterior que me sustém.
Senti-me assim totalmente
inorientado.
Havia elemento que me agradava mais,
porém os outros todos degradaram.
E desse modo, mal queria ser amado,
se tenho de quebrar tantos cristais
por um diamante só que me
alcançaram.
DISJUNTORES II (19 abr 11)
A vida é assim e não há por que
queixar-me:
é como largo campo de batalha
e se a defesa, um só momento, falha,
saltam duendes para derrotar-me.
A vida é assim, qual uma longa
calha,
contendo fios que fazem soar alarme;
mas se um momento sem vigília dar-me
eu me concedo, já me cobre a malha
de tantas armadilhas e mundéus.
A meu redor coloco disjuntores
para evitar quaisquer
curtos-circuitos.
De um arco voltaico tomo os véus,
em proteção contra meus caçadores,
que vejo a celebrar estranhos ritos.
DISJUNTORES III
A vida é assim: a todos os momentos
é necessário manter toda a atenção.
Qualquer descuido traz desolação,
quaisquer tolices ou falhos
julgamentos.
Toda armadura possui seus vazamentos;
o sentimento sangra o coração;
o pensamento expõe-se, sem razão;
cada emoção nos
dá quebrantamentos.
Por isso, sempre é bom guardar
reserva
(e reservas manter de munição,
para quando precisar delas se
venha!)
Que da coragem a precaução é serva;
que do bornal não se coma todo o
pão,
enquanto as armas afiadas se
mantenha.
DISJUNTORES IV
Contudo, a vida é como um fanfarrão:
quando enfrentada, a ameaça se
recolhe;
a fúria se dissipa e então se
encolhe,
que a vida é um teste de longa
duração.
Cada momento de nova provação
sucesso esconde a quem lutar
escolhe;
quando cortamos aquilo que nos
tolhe,
de nossa vida tomamos direção.
Mas se nos entregamos sem lutar,
enfraquecida assim a nossa mente,
tudo o que temos é levado embora.
E os disjuntores se deixam desligar,
como navalhas que descem lentamente,
cortando a alma de dentro para fora.
DISJUNTORES V
Pois foi assim que aprendi a
desconfiar
dessa pirita que a meu redor
cintila;
desse ouro falso, as ilusões em fila
que meu sucesso pareçam apregoar...
Tais impostores, que a mente então
repila,
mas com delicadeza, sem magoar...
Quem sabe o brilho se possa revelar
em carne rosa após a lenta
esquila...
E com derrotas, igualmente
temporárias,
não chegar, lá no fundo, a me
importar:
são duas faces de uma só moeda.
Duplas cunhagens, sempre necessárias
para que o ouro possamos empolgar,
que entre as duas faces ainda
queda...
DISJUNTORES VI
É muito mais questão
de conhecer,
quando se sabe aproveitar a
experiência,
como limar os dois lados com paciência,
para esse ouro que escondem se
obter.
Porém nada se consegue na
indolência:
novos portais podemos escolher
ou no atual mundo também permanecer,
lucro e perda sopesando com
prudência.
Ligados conservando os disjuntores,
que nos avisam dos mil curtos-circuitos,
que só nós mesmos podemos consertar.
Ódio e derrotas, vitórias nos
amores,
simples lampejos de cristais
partidos,
breves eventos que escorrem sem
parar...
A BALADA DE CACO I (2008)
Diziam os romanos que às latrinas
presidia um espírito supremo.
Era Caco esta ninfa, que ia ao
extremo
de perfumar dos patrícios as
narinas...
As cloacas de Roma eram bem finas
e existem até hoje; e esse veneno
que afligiu a Idade Média, ainda
peno
ser consequência de pôr de lado as
sinas
destinadas em Roma aos
emunctórios...
que amontoavam pelas ruas,
afinal,
condenados pela igreja, em um só
saco,
todos os velhos costumes meritórios.
Para algo serve então meu "eu
fecal":
sempre fecunda a doce ninfa Caco...
A BALADA DE CACO II (22 abr 11)
Pobre Caco! Seu nome significa
qualquer coisa de ruim, um fragmento
de telha ou de cerâmica, um momento
em que um engano para sempre fica.
Essas palavras cujo som já se
amplifica
em algo de ridículo portento
ou mesmo de vulgar pressentimento
ou da feiúra que a velhice indica.
Mas sempre se encontrou dignidade
naquela dama já entrada em anos,
que suportou gentil a amarga sina
e que, ao ouvir a frase de maldade,
assentiu, sem mostrar seus
desenganos:
"Sou caco, sim, de porcelana
fina!"
A BALADA DE CACO III
Porém vergonha na higiene não
existe.
Foi da saúde fiel mantenedora
a nobre Caco, a ninfa
protetora,
que por maior limpeza assim insiste.
Sobre as águas do Tibre a dama
triste
presidiu, como fiel dominadora,
de Roma retirando essa pletora,
que a lançar
à distância não desiste...
Pois já foi dito que civilização se
mede
pela distância colocada entre os
humanos
e as fezes e dejetos que produzem.
Portanto, a Caco louvores se
concede,
ao conduzir os
sedimentos mais arcanos
até o mar, para que outros
seres usem.
A BALADA DE CACO IV
Nas grandes bocas da saída dos
esgotos
as substâncias que nos fariam mal
eram saudadas por um coro triunfal
de bactérias, fungos, vermes rotos,
nutrindo até crustáceos, em
remotos
cordões alimentares... Afinal,
a ecologia, no fundo, é o
natural
reaproveitar de restos ignotos...
O que não desejamos, se devolve
e é prontamente reutilizado
por essa multidão de comensais...
Comemos vegetal,
que o chão dissolve,
em água e ar, no poder do Sol
sagrado,
até que, um dia, nos comam vegetais.
A BALADA DE CACO V
E é Caco quem produz transformação,
donzela invicta, de vestes
impolutas,
retirando minerais de tantas grutas,
que assim preside a lenta mutação.
Não há vergonha em limpar a
podridão.
Vergonha é de quem suja, se me
escutas,
pois a limpeza que para outrem
imputas
é tua desculpa para a poluição...
Foi atribuída a José do Patrocínio
a frase lapidar que nos atrai,
se bem que tais conceitos falsos
eram
e até expressem um certo
latrocínio...
"Eu sou negro, porque limpou
meu pai
toda a sujeira que os teus pais
fizeram!..."
A BALADA DE CACO VI
Porém Caco mantinha sua altivez,
executando tal tarefa necessária,
as latrinas presidindo, como pária,
na proteção contra a desfaçatez,
transformando essa sujeira multifária
em adubo e em alimento, por sua vez,
mas conservando sua formosa tez,
através dessa faina inordinária...
Receba, pois, as graças permanentes,
caia a vergonha sobre os poluidores,
sobre a vasta multidão dos
inconscientes,
merecedora assim de mil louvores,
por afastar de nós as inclementes
cargas diárias de tantos maus
odores!...
Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras
> Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos >
Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
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