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ROTA DAS CORUJAS I
Pois esta noite me passou o sono:
pegou um antigo ferro de engomar
e depois de inteiramente o alisar,
dobrou-o num cantinho, ao abandono...
Eu raramente no dormir ressono:
acordo facilmente, ao escutar
qualquer ruído que possa perturbar
esses minutos de que o descanso é dono.
Mas esta noite, quando o procurei,
a noite completara o expediente
e fora para casa descansar...
Por todo o canto olhei, mas não achei
esse sono bem passado e, infelizmente,
fiquei a noite com os olhos sem pregar...
ROTA DAS CORUJAS II
Os olhos eu preguei com frias tachas,
como as que usavam ao pregar sapatos,
quando a sola trocavam, que buracos
apresentavam ou mesmo algumas rachas.
As pálpebras tornaram-se assim caixas
onde guardar os sonhos timoratos,
marchetados pelos mais estranhos fatos:
os pesadelos atados com mil faixas...
Pensei usar também dois parafusos,
com porcas e arruelas e, no escuro,
o sono que eu perdera voltaria...
Como sonâmbulo de passos abstrusos
o sono procurei, em esforço duro,
sem encontrar a sombra que fugia...
ROTA DAS CORUJAS III
A sono solto queria ter dormido,
mas a noite o prendeu em cela escura,
com um grilhão ao pé e algema dura,
no fundo da prisão bem escondido...
Não sei qual fora o crime cometido
pelo meu pobre sono, que à tortura
foi também submetido, em sala obscura,
sem lhe contarem por que fora retido...
A meu advogado fui, até,
telefonar, para ver se conseguia
um habeas corpus para a pobre criatura,
de nenhuma acusação que fora ré...
Mas para a própria proteção o prendia
a autoridade, negando sua soltura.
ROTA DAS CORUJAS IV
Durou três dias seu interrogatório.
Mas o meu sono está preso!... E eu, que faço?
Três dias aguardei, no esfregaço
das pálpebras, nesse meu destino inglório.
Se fosse para apressar emunctório,
eu tomaria um purgante e logo o espaço
interior se esvaziaria sem mais traço...
Mas bem diverso é este peditório...
O sono preso não tem mais solução,
enquanto essa polícia não o largar...
Posso fechar os olhos, me deitar,
porém somente sonha o coração,
no devaneio, em que o sono pedes
e só o vês escorrendo das paredes...
ROTA DAS CORUJAS V
O sono, assim diziam os antigos,
é irmão carnal e auxiliar da morte.
Existem muitos que têm a simples sorte
de passar de um a outra sem perigos...
Contudo, da magia os mais amigos,
são os únicos que da irmã fazem a corte
e se voltam para o irmão no mesmo porte,
vendo nos dois idênticos abrigos.
Mas é no sono que visito minhas cidades
e encontro essas pessoas que conheço,
que mal consigo relembrar ao despertar,
recoberta minha visão de opacidades.
Mas lá os encontro e sempre reconheço,
nessas memórias que a luz vem apagar...
ROTA DAS CORUJAS VI
Mas sempre dormi pouco. A noite bruna
tem para mim diversa utilidade:
é nela que trabalho de verdade
e os versos se libertam à luz de Luna...
Quando adormeço, até a poesia se esfuma
e coisas faço no sonho em variedade.
Mas não recordo que dos versos a vaidade
eu tenha escrito no meio dessa bruma...
Prefiro até, por isso, não dormir.
Bem acordado, o dom se reafirma,
desfruto o sono em forma de sonetos.
E prego as pálpebras nesse redigir
e enquanto passo o sono, se confirma
a multidão dos sonhos mais secretos...
CASAMENTO REAL I
Katherine se casou numa abadia,
em que há séculos se casa essa nobreza,
os superiores da velha raça inglesa,
mais um espírito do que uma etnia.
A quarta parte do mundo assim a via,
de cauda longa, esbelta em sua beleza,
branco de virgem mostrando em altiveza,
que mais que o mundo inteiro tem valia.
Mas nesses tempos de tanta carestia,
prendeu sobre a cabeça um longo véu,
com a tiara de brilhante strass...
Comprada em
Porto Alegre, que alegria!
Como lembrança deste dia de céu,
que a Casa Sloper alegremente traz!...
CASAMENTO REAL II
Na verdade, nem sei se ainda existe
a velha Casa Sloper, em que bijus
confeccionavam com os vidros crus,
perante cujo brilho até desiste
o diamante verdadeiro e que consiste
a glória de um momento para os nus
de bolso e de carteira e que seduz
quem em pompa e circunstância assim insiste!...
É que depois que ocorreu a grande crise,
que afetou a Irlanda, Grécia e Portugal
e derreteu a poupança da vovó,
Carlos Não-rei, que mal sabe aonde pise,
veio a tiara alugar num carnaval,
dizendo que iam usar num dia só!...
CASAMENTO REAL III
E, na abadia, os Duques de Clarence,
trocaram votos com a dignidade
com que consagra a sua nobilidade,
por tantas gerações que mal se pense...
Mas essa crise até os nobres vence!
É militar o William, sem maldade,
outro sinal dessa incorruptibilidade
com que a honra britânica se adense.
Assim, com muito amor por sua esposa,
mas com um certo trabalho, ele enfiou
um belo anel, que as núpcias afiança.
Meio trancou nos espinhos dessa rosa...
Como o salário de piloto não bastou,
só conseguiu comprar uma aliança!...
CASAMENTO REAL IV
Porém esse ritual foi anglicano,
e chamou a atenção do mundo inteiro!
Ao verem tal prestígio alvissareiro,
a inveja despertou no Vaticano!...
Os cônegos iniciaram um insano
labor para encontrar um derradeiro
codicilo no código Romeiro,
que lhes tornasse o Papa mais humano.
Mas tudo foi em vão! Pois nenhum Papa
poderá legalmente se casar...
E o concubinato é tido como imundo.
E assim, por defender a ilustre capa,
como forma de tal boda eclipsar,
resolveu beatificar Paulo Segundo!...
CASAMENTO REAL V
Ao saber dessa notícia, Elizabeth,
Suprema Chefe da Comunhão Anglicana,
percebeu que seria desumana,
se não jogasse ao Papa algum confete...
Contra os católicos do reino não se mete,
seria política até bastante insana.
Há pouco tempo, uma visita arcana
do Papa a Londres consentiu enquete.
Dando pompa e circunstância a seu rival,
embora isso ao Arcebispo desgostasse,
lembrou-se assim que branco e amarelo
São as cores vaticanas, afinal!...
Para que gesto cordial lhe demonstrasse
usou conjunto amarelinho muito belo!
CASAMENTO REAL VI
E foi assim: os duques se casaram
e se beijaram perante dois bilhões!...
Não só assistidos em mil televisões,
mas por todos que na Web conectaram!
Outros milhares foram e ocuparam
barracas a granel. E grandes multidões
formaram filas, mostraram corações,
nos mil cartazes com que lhes acenaram.
E é assim que permanece a monarquia:
em cada rosto o orgulho reluzia,
partilhando da real estabilidade...
E o respeito com que tanto os aplaudia,
manifestava esse lema em que ainda cria:
"Sempre haverá uma Inglaterra", na verdade!...
Veja também minha "escrivaninha" em
Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site
Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos
outros autores.
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