Imagem: http://andybrownisanartist.com
NAMORADOS I
Há portais que conduzem a mundos paralelos,
que diferem do nosso apenas por detalhes.
Outros existem de nós e a vida dá-lhes
destinos semelhantes aos nossos, em novelos...
Seus fadários, porém, por mais pareçam belos,
ou duros de enfrentar, que a vida malhes,
são hastes de um só leque. Se dias espalhares
por um desses portais, os sonhos mais singelos
apenas são trocados com outros companheiros,
que pensam serem tu. Todo milagre é injusto:
as coisas se equilibram nos pratos da balança...
E quando penas de amor ou males financeiros
já não te assolam mais, somente foi a custo
de passar deste mundo a um veio de esperança.
NAMORADOS II
Assim esses portais atendem a teus desejos:
consegues esse amor por que ansiavas tanto,
depois de derramar semanas de teu pranto,
na ânsia singular por agridoces beijos...
E em resultado, quando surgem os ensejos
que tanto havias querido e te envolves no manto
azul e cor-de-rosa, sonho carnal ou santo,
obtido após preces, esperas e partejos,
sem que saibas, decerto, existe noutro plano
duplicata de ti, com quem lugar trocaste,
que agora perdeu o que tinha e lhe tiraste...
E quem te nega, então, que teu prazer um dano
muito maior custou a teu pobre companheiro,
ao perder tal amor que gozara por inteiro?
NAMORADOS III
É claro que o oposto também é verdadeiro:
quiçá esse teu duplo do mundo paralelo
não rezou com ardor e com fervor singelo,
até obter de ti o que foi teu primeiro?
Pois os portais, enfim, são favos de vespeiro
e quando pressupões ser o destino belo,
em tua desfaçatez, podes quebrar o selo
e junto ao mel também trazer o fel inteiro...
Que são hastes de leque e formam um desenho.
Se duas se trocarem, a falha surgirá:
quem sabe fica o punho na frente de tua mão...
Ou encontres tua boca sorrindo sobre o cenho,
nessa mistura triste que ainda causará
um mal muito maior que a antiga solidão...
NAMORADOS IV
E quem rouba de quem na troca dos portais?
o teu amor de hoje talvez te traga enganos...
O teu futuro inteiro é envolto em negros panos:
milagres, diz o nome, são antinaturais...
Não há como esconder a dívida jamais:
a balança é exata e não permite danos...
Por cada amor feliz se pesam desenganos,
para cada tristeza, há bênçãos naturais...
Porque a lei é essa do cômputo sagrado:
que tudo tem seu peso e tudo tem valor
e o Sol que te ilumina não passa de uma estrela.
E quando receberes um beijo inesperado
ou te achares nos braços de teu grande amor,
alguém chora por ti e alguém chora por ela.
NAMORADOS V
E assim, por mais que amor seja brilhante,
mais se consome, por ter sido quente,
mais se dissipa quanto mais ardente
e explode em seu fulgor tão delirante...
Que o próprio Sol, em seu brilhar constante,
é um filho pródigo, em gasto permanente,
que toda a herança dissipa, imprevidente,
até que um dia se consome, triunfante,
numa explosão de luz, em supernova!...
Mas não é esse amor que tanto amas...
Não é por explosão que tu reclamas,
porém por esse amor que a si mesmo renova.
Toma cuidado, então, que tais portais
não te consumam assim, nas chamas do jamais...
NAMORADOS VI
Contudo, até eu mesmo gostaria
de, voluntariamente, algum portal
poder cruzar em gesto triunfal,
para esse plano em que te encontraria,
ansiando só por mim... E beijaria
até mesmo a soleira e o umbral
dessa passagem (e seus marcos, afinal),
que para o abraço teu me levaria.
Quando se ama, não se medem consequências:
só se deseja o momento sem história,
em que o mundo se suspende, em tal quimera,
mesmo sabendo serem puras aparências,
lantejoulas, não mais, em ouropel de glória,
pelo qual o coração consciente espera...
DESAFIO I
Há muito acreditava que mestre de meu barco,
responsável por tudo, senhor das consequências
era eu.. Eram meus males tão só ambivalências
provindas do passado, a revelar seu marco.
Por erros cometidos, sofria um fado parco,
por cada boa escolha ou por bememerências
havia recompensa, surgiam-me excelências,
que a meta resultasse da rota em que me embarco.
Mas agora, esta crença em dúvida foi posta.
Há mês e meio as coisas me transcorrem diferentes,
não as posso imaginar como sendo consequentes
com minhas decisões... Quanto isso me desgosta!
Semeei, plantei, cuidei de meu plantio
e tudo vejo murcho, nesta aridez de estio...
DESAFIO II
Três anos se passaram após este rascunho...
Porém somente hoje chegou ao alto da pilha.
Há muitos mais na poeira de sua trilha,
aguardando, adormecidos, novo cunho...
Não consigo imaginar por que eu grunho
contra o destino que nesse então me encilha.
Mas a memória do esquecimento é filha
e já olvidei totalmente o que meu punho
redigiu há tanto tempo... Qual motivo
me levou a reclamar contra meu fado,
o que me fez sentir-me atribulado...
E ao perpassar por minha mente o crivo,
percebo quantas coisas no tempo se diluem,
em ecos mortos, que no sonhar flutuem...
DESAFIO III
As coisas passam, sem rastro permanente.
Nem sei qual foi tal desapontamento
que me tocou na fímbria de um momento
e me levou a tal rascunho inconsequente.
Porém meus filhos não rejeito, simplesmente.
Se foi ferido então meu pensamento
por um desgosto que nem chega a ser portento,
não rasgarei esse rascunho indiferente.
Não mantenho um diário de meus dias
e mesmo mantivesse, não datei
esse soneto de críptica mensagem.
E assim me embalarei nas embolias
que nessa ocasião eu registrei,
em tal desânimo perdido na voragem...
DESAFIO IV
Mas esse vezo de manter-me no timão
de meu barco, em seu destino aleatório,
mesmo manchado por desgosto merencório,
com segurança não descartei então.
Recebo as tempestades que aqui estão
com o mesmo controle meritório.
Tanto me faz o destino seja inglório,
quanto me leve, nos uivos de um tufão,
até o porto em que desejo estar.
Aceito o mal igual que aceito o bem,
só lhe procuro as consequências controlar,
sem pretender culpar a mais ninguém.
Meu bem, meu mal, eu provoquei também
e nem por isso me abandono a naufragar.
DESAFIO V
Se houve revolta a bordo e os marinheiros
me acorrentaram no fundo do porão,
ainda controlo meu próprio coração,
meus pensamentos são meus companheiros.
Se os sentimentos também forem traiçoeiros,
subornados por qualquer alvo malsão,
se o próprio leme estiver longe de minha mão,
se o coração me der os golpes derradeiros,
enquanto pulsar vida, irei lutar,
usando como leme os meus grilhões
e as próprias ondas eu hei de influenciar,
minha rota eu marcarei com emoções
e se preso no barco me afogar,
continuarei minha vida em ilusões.
DESAFIO VI
Controlarei os peixes desse mar
e atrelarei o barco a tubarões.
Darei audiência do fundo dos porões,
igual Netuno, o oceano a dominar!...
E se o deus contra a praia me arrojar,
farei que me obedeçam mexilhões.
Aos caranguejos darei ordenações
e as dunas se erguerão ao meu cantar.
Haja o que houver, serei senhor de mim,
meu espírito permanece inquebrantável
e da estopa do mal farei cetim.
De minha mente a quimera é interminável
e enquanto um fiapo conservar assim,
eu seguirei, no meu cerne, invulnerável!...