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O RETORNO DOS BICHANOS I
Quando um gatinho morrer por
maltratado,
sua alma também fica... ou dez
por cento.
Durante a noite se escuta o seu
lamento,
a perturbar o sono do malvado...
Seis almas já subiram, sem
pecado,
ao céu dos gatos, nesse vão de
vento
que os separa dos cães, em tal
portento,
e montam seus corais sobre o
telhado
do paraíso humano, uns são
sopranos
e outros são contraltos. Os
bichanos
fazem as pazes no canto
polifônico,
pois os grupos de tenores são
caninos,
tal como os baixos, seres
masculinos,
todos latindo do
modo mais harmônico.
O RETORNO DOS BICHANOS II
Entretanto, no paraíso humano,
só existem nuvens a formar o
chão...
As almas abençoadas com o perdão
usam somente uma túnica de pano
e não precisam, nesse etéreo
arcano,
calçar sapatos ou sandálias, já
que estão
sobre um assoalho nebuloso de
algodão,
em que seus pés não sofrem
qualquer dano.
Por isso, quando o canto os
incomoda,
só podem nos ouvidos pôr chumaços
das próprias nuvens de seu
paraíso...
E quando cães e gatos fazem roda,
latirmiando em louvor dos novos
laços,
jogam as liras, quando for
preciso!...
O RETORNO DOS BICHANOS III
Mas que fazer, quando é sobre os
telhados
perfeitamente concretos,
materiais,
que os dez por cento das almas
animais
soltam lamentos tão
desmesurados...?
Os sapatos assim mesmo são
lançados,
mas não encontram seus alvos
naturais:
almas felinas miam no jamais
e como podem ser fantasmas
espantados?...
Assim ocorre que o sapato acerta
outro bichano qualquer, mais
inocente,
que o equilíbrio perde e cai ao
chão...
Morre o coitado assim, de boca
aberta
e o resultado é mais que
deprimente:
são dois agora a miar sem
compaixão!...
O RETORNO DOS BICHANOS IV
Pior ainda é se o mau se
arrepender,
para ser no paraíso recebido!...
É por seis almas de
gato recebido,
de cada gato que levou a
perecer!...
No éden, tem vontade de morrer,
só de escutar o coral assim
nutrido!
Por uma orquestra de miados
perseguido,
já nem consegue o meigo céu
reconhecer!...
E quando o coro dos anjos vai
cantar,
de forma mais maviosa, esse
coitado,
traz os ouvidos tapados: nem
escuta!...
Pensando até em se precipitar,
até o inferno, em que não há
miado,
mas os berros dos danados em labuta!...
O RETORNO DOS BICHANOS V
Desse modo, seja bom com seus
gatinhos,
ou terá deles bem feroz
vingança!...
Talvez perdoem maldades de
criança,
porém nunca de adultos mais
mesquinhos...
E os miados lastimosos dos
bichinhos
furarão seus ouvidos, como
lança!...
O seu rancor qualquer lugar
alcança,
em que procure se esconder de
tais vizinhos...
O que eu não sei é se, no
paraíso,
almas de gato fazem seu cocô,
multiplicando por seis seu mau
odor...
Como não encontram terra nesse
piso,
não podem enterrar o que restou
e os pés descalços pisoteiam seu
pendor...
O RETORNO DOS BICHANOS VI
E se tens medo que comam teu
canário
esses gatos que pulam tua janela,
melhor é instalar-lhe rija tela
ou os peixinhos caçarão do teu
aquário!
Gatos já nascem com natural
fadário
para caçar a mariposa bela;
mas depois que têm comida na
costela,
deixam que os ratos devorem teu
salário...
Não que pretenda de tua vida
ser espelho,
mas é melhor não ter do que
esperar amores:
nunca serão teus amigos
dedicados...
E se desejas ainda o meu
conselho,
cria em tua casa cachorros
voadores,
que possam gatos perseguir pelos
telhados!...
LA CHAUMIÈRE (Cabana)
Entre as árvores de outono, uma
cabana
se ergue tranquila, sem temor do
fogo
mostrado pelas folhas, porque
todas logo
ao solo tombarão, em meiga
chama...
A luz do sol, aos poucos, já
reclama
o seu espaço, sem pedido ou rogo
e o chão dessa floresta, num
regougo
se afoga em cada raio que
derrama...
Provavelmente, foi pavilhão de
caça:
teto de ardósia, com
águas-furtadas...
Não foi choupana para um
camponês.
E a vidraça das janelas ainda
passa
uma impressão de gentes
abastadas,
que aqui só vinham em certos dias
do mês...
LA CHAUMIÈRE II
Quando eu era menino e estudava,
bem diligentemente, o meu
francês,
decorei versos de certa
sencilhez,
em que uma outra choupana se
cantava.
Passaram-se esses dias. Só
aguardava
melhores notas, ao fim de cada
mês,
sem pensar no futuro, que se fez
mais contra mim do que como
esperava.
Mas a ninguém por isso irei
culpar:
nem sequer me queixarei desse
futuro
que hoje é passado e nunca foi
presente.
Somente a mim ainda
cabe conformar
o meu porvir de jeito mais
seguro,
em alicerce que somente em mim se
assente.
LA CHAUMIÈRE III
Contudo, alguém ergueu essa
choupana,
de forma rústica só
aparentemente.
Deve ter sido habitação
frequente,
mas hoje, aos poucos, a solidão a
clama.
Erguida assim, entre a vermelha
flama
das árvores outonais, está
presente
mais no passado tornado
indiferente
do que ao futuro algum pendor
reclama.
O teto azul-ardósia e as tábuas
gris
permanecem resistentes e
cuidados,
embora tábuas recubram duas
janelas.
Não sei quem foi que descartá-la
quis,
se por amores hoje abandonados,
se por jornada final para as
estrelas...
LA CHAUMIÈRE IV
Ainda resiste, qual acusação
que permanece após um julgamento,
embora decidido a bom contento,
quando o povo não lhe
dá absolvição.
Esses troncos de madeira que aqui
estão,
assim deixados ao sabor do vento,
ainda sustentam algo de
agourento,
contra as nossas esperanças ou ambição.
"Nada se perde, tudo se
transforma."
"Vai-se a vaidade de braço
com o orgulho..."
Somente as árvores repetem seu
ritual,
que a primavera seu verde um dia
retorna,
só para o outono, em novo e lento
esbulho,
e então se despem na época
hibernal.
LA CHAUMIÈRE V
Porém conosco, como é diferente!
É no inverno que mais roupas
colocamos...
Inversamente dos bosques
enfrentamos
o vento frio e a seguir o tempo
quente...
Quando mais elas se vestem, vai a
gente
se despir, pois o calor não
suportamos...
E quando elas se despem, sem
enganos,
indumentária usamos
resistente...
E quando chega o dia, finalmente,
de nossa morte faminta receber,
agoniados de medo ou em pura fé,
nos divergimos da mata,
novamente,
esticados no leito, a perecer,
enquanto cada árvore morre em
pé!...
LA CHAUMIÈRE VI
E essa cabana é mescla de nós
dois.
Desabitada, irá morrendo aos
poucos.
Em pé ela apodrece e os gritos
roucos
ninguém escuta, em sua vasta
solidão.
Desaba o teto um dia. E vem
depois,
nesse protesto para ouvidos
moucos,
o ruir das paredes... E os sonhos
loucos
que ela abrigou, ninguém sabe
aonde vão.
E ela morre de pé,
mas depois cai...
Não há ninguém que lhe apreste
sepultura:
talvez se queime no fulgor do
outono...
E da memória humana já se esvai,
abandonada, sem traços de
ternura,
ao ressonar de atribulado sono...
Parabéns! Teus sonetos encantam a alma e trazem ternura ao coração! Bjs!
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