ELITHA I
(Nome de várias rainhas e princesas
da Dinamarca)
Já me cansei de minha
vida. Seminua,
timorata de neve. Vida crua,
sem sabor nem
sentido. Vida rua,
ausente da mansão que amor cultua.
Cansei desta minha
vida. Vida pua
cravada nos meus
olhos. Vida lua
na palidez do sangue. Vida
nua
desses tesouros em que amor estua.
Cansei desta minha
vida. Vida amarga,
trabalho sem retorno. Tudo embarga,
em somente desalento que se
alarga,
enquanto aumenta diariamente a carga,
sem que imagine quando me aliviem
os caprichos dos deuses que
sorriem...
ELITHA II
Não basta à vida esforço sem razão,
nem crepitar vulgar do coração,
nem insuflar talar de meu pulmão,
nem o cumprido dever da geração.
Não basta à vida a mera exaltação
de um instante de prazer na criação
ou de assistir passivamente à
gestação,
por um novelo confuso de emoção.
O que se espera é mais amplo
julgamento,
o breve instante de singular
portento,
esse fulgor fugaz do ensinamento,
esse desvio sutil do alumbramento,
em nova vida feita de esperança,
em que de novo se pretende ser
criança.
ELITHA III
Não basta à alma o toque da alvorada,
nem o plangente tanger de lira alada,
nem o perfume do rocio na madrugada,
nem o fulgor transiente de uma
espada.
Não basta ouvir canção mais
encantada,
nem consentir que o peito nos invada,
uma ilusão senil, um quase nada,
miragem doce de espera consumada.
É algo mais que se espera,
honestidade,
perante a natureza, em igualdade,
nessa lenta mentira que me invade,
nessa diária inserção da falsidade,
que mostram meus sentidos em botão,
contra o ritmo incolor do
coração.
ELITHA IV
Não basta assim se balbuciar de amor,
nem falar de saudade com candor,
nem se entregar a lufada de rancor,
nem ter paciência ante o maior temor.
Não basta qualquer cópula em ardor,
não basta esse conforto, em seu
calor,
não basta entronizar sobre um andor
a doce amada, em petalar de flor...
O que se quer vai muito mais além,
é a veraz percepção do que contém
o negro barco a esperar também,
por mim e ti, na névoa do porém...
E é disso que cansei e busco um
corte,
para do fado tornar a ser consorte.
ELITHA V
E que seja desse ardor a minha
saudade
do que já tive por humanidade,
anterior à minha atual conformidade,
com o conforto que me cerca em vã
bondade,
com o desgosto que ferra
em sua maldade,
com cada laivo de equanimidade,
na pretensão da longanimidade,
em cada ensejo de perversidade,
que me leva a mim mesmo condenar
e tal vida seminua a perpetuar,
nos meus templos de intenso idolatrar
e em peditório assim me conservar,
sem nunca foragir do sulco duro
que meu passado projeta até o futuro.
ELITHA VI
Quando minha escolha meu porvir atua
e o fado antigo levemente amua
e minha estrada, com cuidado, arrua
para um futuro que mais suave flua,
e que tenha em minha vida a proteção
das escolhas que já fiz, em minha
ilusão,
se errôneas forem, sofrerei minha
paixão,
mas serão feitas com real convicção.
Que cada escolha será realizada
na mais pura intenção de meu pendor,
mesmo na frágil luz da opacidade,
sem influência de santos ou de fada,
para que, quando esvair-se o seu
fulgor,
se eu fracassar, só o fiz por minha
vontade.
METAMORFOSES I
De amar amor busquei amar amada,
amada nova que não amara amor,
amada viva e isenta do torpor
com que amara a amada emaranhada.
Amando amor não queria que a sonhada
a outro amasse com igual calor,
porque se emanharia em tal pendor
e não seria minha nova namorada...
Que para amor amar não se amaria
senão o amor de amar com alegria
a mágica da espera em madrugada,
quando potente amor me surgiria,
nessa agridoce tristeza da elegia,
amor amando sem amar a amada.
METAMORFOSES II
E amando amargo amor seu amargor,
amargo foi o amor enamorado,
agridoce foi o amor adocicado,
amarga a amora desse amargo amor.
Por doce fora o amor do amador,
não foi amor de amante enamorado,
foi amor doce de amor imaginado,
amadorístico amor ao desamor...
Amor amostra de um amor mostrado,
amor à morte, amor amortecido,
amor de trigo, amor de campoamor.
Amor de amido, não foi arroz lançado
para qualquer fertilidade devolvido,
mas tão somente amor namorador.
METAMORFOSES III
Amor assim busquei na amarga amada,
que amarga retribuiu com desamor:
não retribuiu arroz ao meu pendor,
que nunca desposei tal namorada...
Amor do amor busquei na madrugada,
amor amante desse ideal de amor,
ideal amor ardente em seu armor,
ardor de amor, amora acidulada...
Ácido amor do amigo mal-amado,
amor amargo, amado na exclusão,
amor da amora no alto da amoreira,
que o sol amou e não o enamorado,
que em maravilha lhe deu seu coração,
que maravalha mostrou-se derradeira...
METAMORFOSES IV
E tendo amor amado sem amada,
que a amada amava amante diferente,
amei o amanho da minhalma crente,
amor da própria alma enamorada.
E tendo amor à amora ameninada,
amor dessa demora permanente,
amei somente o desamor pungente
do amor armado em plena madrugada.
Porque a meu amor a minha amada
não amou nunca, por estar armada
de um outro amor de insólita paixão.
E como a amada amora foi colhida
por outro amor que já a havia perseguida,
só me restou amar meu coração...
METAMORFOSES V
Mas se quisesse amar como armador
e armar a nave de amor entretecida,
o amor do amor eu levaria de vencida,
e amor da amiga se tornara amor.
E se eu amasse as armas do sexor,
amassaria, em massa bem nutrida,
do arroz o amido, com cada espiga tida
de trigo entretecido de calor.
Mas como amor amei por uma amiga,
não houve bolo de trigo e nem de arroz,
não tive milho sequer para uma broa.
Que o amor amado se fez amor de intriga
e o sol do amor em meu amor se pôs,
por mais que amor o coração me roa.
METAMORFOSES VI
E embora amor no coração me doa,
ainda amo esse amor tão mal amado,
o desencanto eu busco ainda encantado
e o meu amor ainda canção entoa...
E sobre o mar do amor eu lanço a proa
desse barco que armei, enamorado:
uso por leme o coração alado,
por mais que desamor o amor me roa.
E rói a rosa de flor ainda amorosa
esse amor que me dói mas ainda amo,
esse amor pelo amor que ainda reclamo.
Também a amora tem algo de espinhosa,
que ataúde também arma o armador,
no
amor da morte de seu próprio amor.
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