segunda-feira, 27 de agosto de 2012

NAMORADOS & DESAFIO



                                                           Imagem: http://andybrownisanartist.com


NAMORADOS I

Há portais que conduzem a mundos paralelos,
que diferem do nosso apenas por detalhes.
Outros existem de nós e a vida dá-lhes
destinos semelhantes aos nossos, em novelos...

Seus fadários, porém, por mais pareçam belos,
ou duros de enfrentar, que a vida malhes,
são hastes de um só leque. Se dias espalhares
por um desses portais, os sonhos mais singelos

apenas são trocados com outros companheiros,
que pensam serem tu.  Todo milagre é injusto:
as coisas se equilibram nos pratos da balança...

E quando penas de amor ou males financeiros
já não te assolam mais, somente foi a custo
de passar deste mundo a um veio de esperança.

NAMORADOS II

Assim esses portais atendem a teus desejos:
consegues esse amor por que ansiavas tanto,
depois de derramar semanas de teu pranto,
na ânsia singular por agridoces beijos...

E em resultado, quando surgem os ensejos
que tanto havias querido e te envolves no manto
azul e cor-de-rosa, sonho carnal ou santo,
obtido após preces, esperas e partejos,

sem que saibas, decerto, existe noutro plano
duplicata de ti, com quem lugar trocaste,
que agora perdeu o que tinha e lhe tiraste...

E quem te nega, então, que teu prazer um dano
muito maior custou a teu pobre companheiro,
ao perder tal amor que gozara por inteiro?

NAMORADOS III

É claro que o oposto também é verdadeiro:
quiçá esse teu duplo do mundo paralelo
não rezou com ardor e com fervor singelo,
até obter de ti o que foi teu primeiro?

Pois os portais, enfim, são favos de vespeiro
e quando pressupões ser o destino belo,
em tua desfaçatez, podes quebrar o selo
e junto ao mel também trazer o fel inteiro...

Que são hastes de leque e formam um desenho.
Se duas se trocarem, a falha surgirá:
quem sabe fica o punho na frente de tua mão...

Ou encontres tua boca sorrindo sobre o cenho,
nessa mistura triste que ainda causará
um mal muito maior que a antiga solidão...

NAMORADOS IV

E quem rouba de quem na troca dos portais?
o teu amor de hoje talvez te traga enganos...
O teu futuro inteiro é envolto em negros panos:
milagres, diz o nome, são antinaturais...

Não há como esconder a dívida jamais:
a balança é exata e não permite danos...
Por cada amor feliz se pesam desenganos,
para cada tristeza, há bênçãos naturais...

Porque a lei é essa do cômputo sagrado:
que tudo tem seu peso e tudo tem valor
e o Sol que te ilumina não passa de uma estrela.

E quando receberes um beijo inesperado
ou te achares nos braços de teu grande amor,
alguém chora por ti e alguém chora por ela.

NAMORADOS V

E assim, por mais que amor seja brilhante,
mais se consome, por ter sido quente,
mais se dissipa quanto mais ardente
e explode em seu fulgor tão delirante...

Que o próprio Sol, em seu brilhar constante,
é um filho pródigo, em gasto permanente,
que toda a herança dissipa, imprevidente,
até que um dia se consome, triunfante,

numa explosão de luz, em supernova!...
Mas não é esse amor que tanto amas...
Não é por explosão que tu reclamas,

porém por esse amor que a si mesmo renova.
Toma cuidado, então, que tais portais
não te consumam assim, nas chamas do jamais...

NAMORADOS VI

Contudo, até eu mesmo gostaria
de, voluntariamente, algum portal
poder cruzar em gesto triunfal,
para esse plano em que te encontraria,

ansiando só por mim... E beijaria
até mesmo a soleira e o umbral
dessa passagem (e seus marcos, afinal),
que para o abraço teu me levaria.

Quando se ama, não se medem consequências:
só se deseja o momento sem história,
em que o mundo se suspende, em tal quimera,

mesmo sabendo serem puras aparências,
lantejoulas, não mais, em ouropel de glória,
pelo qual o coração consciente espera...

DESAFIO  I 

Há muito acreditava que mestre de meu barco,
responsável por tudo, senhor das consequências
era eu..   Eram meus males tão só ambivalências
provindas do passado, a revelar seu marco.

Por erros cometidos, sofria um fado parco,
por cada boa escolha ou por bememerências
havia recompensa, surgiam-me excelências,
que a meta resultasse da rota em que me embarco.

Mas agora, esta crença em dúvida foi posta.
Há mês e meio as coisas me transcorrem diferentes,
não as posso imaginar como sendo consequentes

com minhas decisões...  Quanto isso me desgosta!
Semeei, plantei, cuidei de meu plantio
e tudo vejo murcho, nesta aridez de estio...

DESAFIO  II 

Três anos se passaram após este rascunho...
Porém somente hoje chegou ao alto da pilha.
Há muitos mais na poeira de sua trilha,
aguardando, adormecidos, novo cunho...

Não consigo imaginar por que eu grunho
contra o destino que nesse então me encilha.
Mas a memória do esquecimento é filha
e já olvidei totalmente o que meu punho

redigiu há tanto tempo...  Qual motivo
me levou a reclamar contra meu fado,
o que me fez sentir-me atribulado...

E ao perpassar por minha mente o crivo,
percebo quantas coisas no tempo se diluem,
em ecos mortos, que no sonhar flutuem...

DESAFIO  III

As coisas passam, sem rastro permanente.
Nem sei qual foi tal desapontamento
que me tocou na fímbria de um momento
e me levou a tal rascunho inconsequente.

Porém meus filhos não rejeito, simplesmente.
Se foi ferido então meu pensamento
por um desgosto que nem chega a ser portento,
não rasgarei esse rascunho indiferente.

Não mantenho um diário de meus dias
e mesmo mantivesse, não datei
esse soneto de críptica mensagem.

E assim me embalarei nas embolias
que nessa ocasião eu  registrei,
em tal desânimo perdido na voragem...

DESAFIO  IV

Mas esse vezo de manter-me no timão
de meu barco, em seu destino aleatório,
mesmo manchado por desgosto merencório,
com segurança não descartei então.

Recebo as tempestades que aqui estão
com o mesmo controle meritório.
Tanto me faz o destino seja inglório,
quanto me leve, nos uivos de um tufão,

até o porto em que desejo estar.
Aceito o mal igual que aceito o bem,
só lhe procuro as consequências controlar,

sem pretender culpar a mais ninguém.
Meu bem, meu mal, eu provoquei também
e nem por isso me abandono a naufragar.

DESAFIO  V

Se houve revolta a bordo e os marinheiros
me acorrentaram no fundo do porão,
ainda controlo meu próprio coração,
meus pensamentos são meus companheiros.

Se os sentimentos também forem traiçoeiros,
subornados por qualquer alvo malsão,
se o próprio leme estiver longe de minha mão,
se o coração me der os golpes derradeiros,

enquanto pulsar vida, irei lutar,
usando como leme os meus grilhões
e as próprias ondas eu hei de influenciar,

minha rota eu marcarei com emoções
e se preso no barco me afogar,
continuarei minha vida em ilusões.

DESAFIO  VI

Controlarei os peixes desse mar
e atrelarei o barco a tubarões.
Darei audiência do fundo dos porões,
igual Netuno, o oceano a dominar!...

E se o deus contra a praia me arrojar,
farei que me obedeçam mexilhões.
Aos caranguejos darei ordenações
e as dunas se erguerão ao meu cantar.

Haja o que houver, serei senhor de mim,
meu espírito permanece inquebrantável
e da estopa do mal farei cetim.

De minha mente a quimera é interminável
e enquanto um fiapo conservar assim,
eu seguirei, no meu cerne, invulnerável!...



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

ELITHA & METAMORFOSES


                                    The Change" Arte de Suzanna Cheryl Gardener


ELITHA I  
(Nome de várias rainhas e princesas da Dinamarca)

Já me cansei de minha vida.  Seminua,
timorata de neve.  Vida crua,
sem sabor nem sentido.  Vida rua,
ausente da mansão que amor cultua.

Cansei desta minha vida.  Vida pua
cravada nos meus olhos.  Vida lua
na palidez do sangue.  Vida nua
desses tesouros em que amor estua.

Cansei desta minha vida.  Vida amarga,
trabalho sem retorno. Tudo embarga,
em somente desalento que se alarga,

enquanto aumenta diariamente a carga,
sem que imagine quando me aliviem
os caprichos dos deuses que sorriem...

ELITHA II 

Não basta à vida esforço sem razão,
nem crepitar vulgar do coração,
nem insuflar talar de meu pulmão,
nem o cumprido dever da geração.

Não basta à vida a mera exaltação
de um instante de prazer na criação
ou de assistir passivamente à gestação,
por um novelo confuso de emoção.

O que se espera é mais amplo julgamento,
o breve instante de singular portento,
esse fulgor fugaz do ensinamento,

esse desvio sutil do alumbramento,
em nova vida feita de esperança,
em que de novo se pretende ser criança.

ELITHA III

Não basta à alma o toque da alvorada,
nem o plangente tanger de lira alada,
nem o perfume do rocio na madrugada,
nem o fulgor transiente de uma espada.

Não basta ouvir canção mais encantada,
nem consentir que o peito nos invada,
uma ilusão senil, um quase nada,
miragem doce de espera consumada.

É algo mais que se espera, honestidade,
perante a natureza, em igualdade,
nessa lenta mentira que me invade,

nessa diária inserção da falsidade,
que mostram meus sentidos em botão,
contra o ritmo incolor do coração. 

ELITHA IV

Não basta assim se balbuciar de amor,
nem falar de saudade com candor,
nem se entregar a lufada de rancor,
nem ter paciência ante o maior temor.

Não basta qualquer cópula em ardor,
não basta esse conforto, em seu calor,
não basta entronizar sobre um andor
a doce amada, em petalar de flor...

O que se quer vai muito mais além,
é a veraz percepção do que contém
o negro barco a esperar também,

por mim e ti, na névoa do porém...
E é disso que cansei e busco um corte,
para do fado tornar a ser consorte.

ELITHA V

E que seja desse ardor a minha saudade
do que já tive por humanidade,
anterior à minha atual conformidade,
com o conforto que me cerca em vã bondade,

com o desgosto que ferra em sua maldade,
com cada laivo de equanimidade,
na pretensão da longanimidade,
em cada ensejo de perversidade,

que me leva a mim mesmo condenar
e tal vida seminua a perpetuar,
nos meus templos de intenso idolatrar

e em peditório assim me conservar,
sem nunca foragir do sulco duro
que meu passado projeta até o futuro.

ELITHA VI

Quando minha escolha meu porvir atua
e o fado antigo levemente amua
e minha estrada, com cuidado, arrua
para um futuro que mais suave flua,

e que tenha em minha vida a proteção
das escolhas que já fiz, em minha ilusão,
se errôneas forem, sofrerei minha paixão,
mas serão feitas com real convicção.

Que cada escolha será realizada
na mais pura intenção de meu pendor,
mesmo na frágil luz da opacidade,

sem influência de santos ou de fada,
para que, quando esvair-se o seu fulgor,
se eu fracassar, só o fiz por minha vontade.

METAMORFOSES I 

De amar amor busquei amar amada,
amada nova que não amara amor,
amada viva e isenta do torpor
com que amara a amada emaranhada.

Amando amor não queria que a sonhada
a outro amasse com igual calor,
porque se emanharia em tal pendor
e não seria minha nova namorada...

Que para amor amar não se amaria
senão o amor de amar com alegria
a mágica da espera em madrugada,

quando potente amor me surgiria,
nessa agridoce tristeza da elegia,
amor amando sem amar a amada.

METAMORFOSES II 

E amando amargo amor seu amargor,
amargo foi o amor enamorado,
agridoce foi o amor adocicado,
amarga a amora desse amargo amor.

Por doce fora o amor do amador,
não foi amor de amante enamorado,
foi amor doce de amor imaginado,
amadorístico amor ao desamor...

Amor amostra de um amor mostrado,
amor à morte, amor amortecido,
amor de trigo, amor de campoamor.

Amor de amido, não foi arroz lançado
para qualquer fertilidade devolvido,
mas tão somente amor namorador.

METAMORFOSES III

Amor assim busquei na amarga amada,
que amarga retribuiu com desamor:
não retribuiu arroz ao meu pendor,
que nunca desposei tal namorada...

Amor do amor busquei na madrugada,
amor amante desse ideal de amor,
ideal amor ardente em seu armor,
ardor de amor, amora acidulada...

Ácido amor do amigo mal-amado,
amor amargo, amado na exclusão,
amor da amora no alto da amoreira,

que o sol amou e não o enamorado,
que em maravilha lhe deu seu coração,
que maravalha mostrou-se derradeira...

METAMORFOSES IV

E tendo amor amado sem amada,
que a amada amava amante diferente,
amei o amanho da minhalma crente,
amor da própria alma enamorada.

E tendo amor à amora ameninada,
amor dessa demora permanente,
amei somente o desamor pungente
do amor armado em plena madrugada.

Porque a meu amor a minha amada
não amou nunca, por estar armada
de um outro amor de insólita paixão.

E como a amada amora foi colhida
por outro amor que já a havia perseguida,
só me restou amar meu coração...

METAMORFOSES V

Mas se quisesse amar como armador
e armar a nave de amor entretecida,
o amor do amor eu levaria de vencida,
e amor da amiga se tornara amor.

E se eu amasse as armas do sexor,
amassaria, em massa bem nutrida,
do arroz o amido, com cada espiga tida
de trigo entretecido de calor.

Mas como amor amei por uma amiga,
não houve bolo de trigo e nem de arroz,
não tive milho sequer para uma broa.

Que o amor amado se fez amor de intriga
e o sol do amor em meu amor se pôs,
por mais que amor o coração me roa.

METAMORFOSES VI

E embora amor no coração me doa,
ainda amo esse amor tão mal amado,
o desencanto eu busco ainda encantado
e o meu amor ainda canção entoa...

E sobre o mar do amor eu lanço a proa
desse barco que armei, enamorado:
uso por leme o coração alado,
por mais que desamor o amor me roa.

E rói a rosa de flor ainda amorosa
esse amor que me dói mas ainda amo,
esse amor pelo amor que ainda reclamo.

Também a amora tem algo de espinhosa,
que ataúde também arma o armador,
no amor da morte de seu próprio amor.

                                                  
                                                          

domingo, 12 de agosto de 2012

BALADAS & DETERMINAÇÃO



                                           
                                                                       Imagem:/www.google.com.br/imgres

BALADAS I

Os opostos se atraem, bem simplesmente
e até parece que a jovem mais sensível
bem facilmente ama mais o desprezível
do que alguém que a ame integralmente.

Na verdade, esse amor não vem da mente,
nem da voz que ao coração se torna audível
e nem sequer ao julgamento é crível,
tal sensação que deixa a alma indiferente.

Esse amor que é gerado pelo olhar,
que brota mais na luz que vem do olfato,
que é regado por saliva em cada beijo.

Por isso, é rápido em seu germinar
e mais veloz estiola, triste fato,
durando menos que do vento o adejo...

BALADAS II

Dizem durar sete dias o sofrimento
pungente e agudo das penas de um amor
que a si mesmo se queimou no seu calor
e se extinguiu na safra de um momento.

Dizem que amor é só estremecimento
de todas as membranas e em rancor,
mui facilmente, emurchece o seu rubor,
quando se encontra sozinho em seu tormento.

Ocorre assim com tanto amor comum,
deixando apenas um ressaibo de limão,
certo vinagre no lugar do vinho...

E tal ocorre quando em tempo algum
o ritmado bater do coração
segue do outro um idêntico caminho...

BALADAS III

E quando o coração ama demais
e se lança inteiramente, de cabeça,
sem que as consequências sequer meça,
em seu mergulho de ritmos fatais,

a compassos que não são seus naturais,
melhor seus planos iniciais esqueça
e que à esperança qualquer ideal não peça,
porque embarcou na caravela do jamais.

De fato, existe amor e até se avista,
porém não na inconsequência da conquista
e sim no coração que bate igual

e cujo amor ao nosso amor se apega.
Contudo, é tão comum...  O olhar se cega
ante qualquer aparência triunfal...

BALADAS IV

"Quem ama o feio, bonito lhe parece",
por mais que ao olhar alheio seja estranho.
Mas esse belo aparente, não é tacanho? --
torna-se feio depois que se conhece...

Não é amor o sexor que só te aquece
o corpo e nalma deixa um frio tamanho...
Não existe amor em tal amor de assanho,
como tampouco há amor somente em prece.

O problema é que a alma não se enxerga:
os olhos tendem ao belo desprezar
quando se encontra no manto do invisível.

E é tão comum que a bela mente se erga
sob um físico difícil de se amar
ou sob uma aparência de insensível...

BALADAS V

Antigamente, se a mulher queria um lar,
quando o trabalho, em geral, lhe era vedado,
era forçada, por costume já arraigado,
com amor ou sem amor, a se casar...

O ideal romântico veio a derrubar
essas muralhas de um social fechado.
Hoje a mulher constrói seu ninho ansiado
pelos meios de seu próprio trabalhar.

Assim o amor tornou-se mais ideal
e por igual razão, inalcançável
dentro dos termos que se põe a imaginar.

Para o poeta, um amante do irreal,
isso é até bom, embora o mais saudável
seja escolher quem tenha igual pensar.

BALADAS VI

Não é preciso que amor seja completo
para sentir no peito, permanente,
uma emoção integral e independente
de a quantas emoções se tenha afeto...

Nem é preciso que amor seja discreto
e só rebrote, igual que uma semente,
bem fundo ao coração, por complacente
aceitação do que deva ser secreto...

Mas é preciso que amor seja negado,
para que brote, mais pleno de energia,
estuante de vigor, rico e gigante,

o sentimento que é apenas revelado
pelo poeta, em toda a sua agonia
nessa paixão que nem queria triunfante.

 DETERMINAÇÃO I 

O galo chefe em cada galinheiro
é o senhor incontestado em seu harém.
Quando um frango vai crescendo, ele também
procura um ponto mais alto no poleiro.

Dentro da tela que protege seu terreiro
é o senhor inconteste do que tem
e se esse frango se submeter não vem,
em mil bicadas lhe demonstra vir primeiro.

Marcha imponente pelo exíguo espaço,
quem nem capim se atreve a invadir...
Passa ciscando, a ver se desentoca

um vermezinho, uma raiz ou qualquer traço
de alimento a reforçar o seu nutrir,
ansiando a carne saborosa da minhoca!...

DETERMINAÇÃO II

E o galo se comporta qual sultão
ou como rei de divinal direito:
todo galinho menor lhe é sujeito,
toda galinha lhe faz submissão...

Julgam imenso o território e lá estão,
entre os limites do galinheiro estreito.
Aves sem voo, seu único proveito
é o milho que lhes joga avara mão!

Sempre à espera dos ovos que porão
e que percebe uma galinha choca,
que poderá aumentar-lhe a criação...

E assim lhe traz alimento em separado
e até lhe ajeita o ninho em que se entoca,
até que surjam dez pintinhos sem pecado...

DETERMINAÇÃO III

Há tanta gente como essas galinhas!
Veem do governo a mão, jogando milho...
Já estão acostumados nesse trilho
e até acreditam do crédito nas linhas...

E há tanto homem que do galo é filho!
Muito orgulhoso das posses pequeninhas,
determinado a te agredir, se te avizinhas,
a pavonear da cauda o intenso brilho...

Enquanto impõe sua pequena autoridade,
outros olhos o observam, com sarcasmo:
que ao ficar velho, vira sarrabulho...

Cheio de si, em sua mediocridade,
que mal consegue manifestar seu pasmo,
quando percebe a extensão de seu esbulho!

DETERMINAÇÃO IV

É imponente esse um galo no terreiro,
a defender harém e território...
Na verdade, seu dever é meritório,
caso o invada qualquer aventureiro...

Mas e se for uma raposa que primeiro
vier a invadir e, em gesto inglório,
o agarrar pela garganta, que vanglório
cacarejo solta ele, em derradeiro?

E assim nós vemos os industriais,
os banqueiros e tantos governantes,
como defendem seus belos privilégios!

Contudo, ao ver problemas mais sociais,
nada resolvem, que em breves instantes,
viram raposas em puro sortilégio!...

DETERMINAÇÃO V

Durante os meses antes de eleições
não são sequer os galos, são franguinhos,
pedindo ao povo proteção, carinhos,
e lhe mostrando as melhores intenções...

Mas tão logo os apoiaram multidões
e conseguiram os votos dos vizinhos,
já levantam as cristas e os torvelinhos
das promessas esquecem em suas ações...

E no momento em que firmaram pé
e com os colegas travaram relações,
em pelo as penas vão-se transformando...

E os galináceos que tiveram neles fé
vendem depressa, por lugar em comissões,
suas caras de raposas demonstrando!...

DETERMINAÇÃO VI

E quem nos diz não ser um galinheiro
o nosso lar, seja um casebre ou uma mansão?
Quem pode mais, oprime a seu irmão,
prende a mulher e os filhos no poleiro...

E mesmo esses, que se vendem por dinheiro,
a demonstrar, em sua determinação,
por seus patronos total admiração,
não são mais do que galos no terreiro...

Galo cercado por arame ou tábuas velhas,
nada brotando em sua terra lamacenta,
com que imponência à luz da aurora canta!

Talvez tu mesmo em tal galo te espelhas,
confiando nessa mão que te apascenta
e um dia te passa a faca na garganta!...