segunda-feira, 22 de setembro de 2014





A VINGANÇA DO DRAGÃO
(Folclore francês, recolhido por Viriato Padilha em Histórias do Arco da Velha,
versão poética de  William Lagos, 17 SET 14)

A VINGANÇA DO DRAGÃO I

Segundo contam, uma região da França,
chamada até hoje de Franco Condado,
costuma frequentar dragão alado,
cuja potência a água e o ar alcança,
como um relâmpago que voa pelos ares
e as águas ilumina desde o fundo
de algum lago ou de rio mais profundo,
porém de fato mora em uma caverna
em que leva existência quase eterna
e já de longe se escutam seus cantares.

Porém a coisa que de fato é magnífica,
é que o dragão possui jóia fabulosa,
ainda mais rica que as da coroa portentosa
do rei da França ou as que a igreja santifica
nos altares para o Virgem ou seus santos,
nas paredes das imensas catedrais,
revestidas de ouro e de vitrais...
Em sua testa o dragão traz um diamante,
maior que todos na Terra e mais brilhante
dos que os escravos mineram em suor e prantos.

O nome do dragão ninguém sabia
até o momento em que transcorre a história,
quando um rapaz pensou obter vitória,
por ter roubado do animal quanto queria...
Ocorre que essa fera, ao se banhar,
Corpo de gente adquiria temporário
e tal diamante, em lugar bem solitário,
sobre a margem então depositava,
que em testa humana não se adaptava,
sempre buscando com cuidado o ocultar...

Ora, em Mouthiers, uma pequena aldeia,
esse costume conhecia toda a gente,
a provocar-lhes ambição crescente,
que o coração dos jovens incendeia...
Na relva alta escondia o seu diamante
ou o procurava entre caniços ocultar,
sempre que ia nas águas mergulhar,
pois quem roubasse essa jóia tão formosa
seria dono de fortuna fabulosa
e o senhor do futuro mais brilhante!...

A VINGANÇA DO DRAGÃO II

Há poucas décadas, igual naquele tempo,
era buscado por pequena multidão,
que o tentava conquistar pela traição
ou emboscada, por pior fosse o destempo,
passando noites nas margens escondidos,
chegando alguns a morrer de exposição
às intempéries ou até de inanição;
pois todos são pela cobiça dominados,
seus familiares deixando desolados:
desgraças sofrem e ficam desnutridos!

Habitavam em Mouthiers uns vinhateiros,
de sobrenome Dubois, tendo seis filhos,
os mais velhos a seguir do pai os trilhos,
nos parreirais trabalhando dias inteiros.
Paul, o mais moço, que inteligente parecia,
fora no entanto encaminhado a professor
considerado como sábio e até doutor,
porque fazia contas bem rapidamente
e qualquer carta sabia ler corretamente,
para os iletrados, era quase uma magia!...

Madame Dubois, tendo vastas ambições
para seu filho mais moço, acreditando
que bom emprego acabaria arranjando
de secretário, com grandes dotações,
de um nobre importante ou tabelião!...
Quem sabe entrasse no serviço de seu rei,
como fiscal, para ver cumprida a lei
ou ainda mesmo viesse a ser corregedor
do distrito ou quiçá até governador
da província!...  Ai, que nobre profissão!...

E conseguiu que algumas aulas de latim
o pároco lhe desse, em seu breviário,
mas não queria que seguisse o seminário:
Paul casaria para lhe dar netos, enfim...
Foi o menino nos estudos aplicado
e um dia, ele chegou, muito contente,
mostrando um livro que ganhara de presente
daquele pobre professor de aldeia,
que ensinar-lhe não poder mais se arreceia
e o considerava em suas classes aprovado...

A VINGANÇA DO DRAGÃO III

Porém, para o maior desapontamento
de sua mãe e do rapaz também,
seu pai achou que já estava muito bem;
que ele já tinha muito maior conhecimento
que o seu próprio e mais não precisava...
“Não quero que ande por aí, todo elegante,
os seus irmãos no trabalho ainda estafante;
de meus pais e meus avós herdei a terra;
plantamos nela vinhas desde a serra:
agora aprender a trabalhar necessitava...”

A pobre mãe ficou muito sentida,
mas já sabia que qualquer resolução
de seu marido não aceitava apelação,
segundo toda a experiência de sua vida...
No dia seguinte, Paul acompanhou
toda a família ao trabalho, docilmente,
sendo bem claro que era inexperiente
e a menor obra precisava de aprender,
suas mãos finas as primeiras a sofrer...
Porém, sem protestar, tudo aceitou.

Os irmãos, que certa inveja haviam sentido,
agora procuravam-no poupar
e das tarefas mais difíceis aliviar,
mesmo porque, embora bem nutrido,
não era forte a sua constituição...
Mas ele logo aprendeu como podar
e novas cepas no solo replantar,
participando ativamente da colheita,
pois à vontade paterna se sujeita,
no fim das tardes já próximo à exaustão...

Sempre escutara, quando ao pé do fogão,
todas as lendas e histórias do local,
sobre fadas e duendes, afinal,
mas sobretudo a respeito do dragão.
Assim ansiava conseguir o tal diamante,
que seus irmãos acreditavam ser bobagem,
mas para ele transformou-se na miragem
que o perseguia o dia inteiro e a noite;
e nos domingos passeava com afoite,
junto ao rio Doubs, em sonho delirante...

A VINGANÇA DO DRAGÃO IV

Mas por acaso ou como recompensa
de tanto empenho, certa noite ele chegava
justo ao local em que o dragão banhava
e viu um brilho dentre a relva densa...
Era o diamante!...  Pegou-o num instante
e então saiu a correr desatinado,
o grito a ouvir do pobre despojado,
que algum remorso até lhe despertou,
mas ao lamento lancinante desprezou
e para casa correu com o brilhante...

Manteve a jóia por baixo do casaco
e no seu quarto depressa se encerrou...
Para o jantar a mãe o convidou:
tomou a sopa e mal e mal um naco
de pão engolir só conseguiu...
O diamante nas cobertas enrolado,
sem a ninguém contar que o havia achado,
mas a fazer seus planos com paciência
e no trabalho, em discreta permanência,
uma semana inteira prosseguiu...

E quando o próximo domingo então chegou,
sem mais medo que o descobrisse o tal dragão
ou que seu pai inventasse uma razão
para dispor dessa jóia que encontrou,
um certo mal-estar ele alegou
e não seguiu com a família para a igreja;
era a primeira oportunidade que se enseja;
já mentira para a mãe e para o pai
e falta bem maior cometer vai,
pois a casa paterna então deixou...

Toda a aldeia na igrejinha congregada,
pôs suas roupas numa trouxa e então saiu;
pela estrada de Besançon ele partiu,
contra seu peito a jóia aconchegada,
no bolso os cobres da magra economia...
Besançon era do distrito a capital
e já a conhecia, mal e mal...
Mas precisava encontrar um negociante
e alguma pensão, barata o bastante
para pagar com as moedas que trazia...

A VINGANÇA DO DRAGÃO V

Estava em busca de uma tabuleta,
quando dele um homenzinho aproximou-se,
todo vestido de preto e apresentou-se:
“Meu nome é Finlappi e não me é secreta
a sua indecisão em escolher alojamento...
Vejo bem que é um perfeito cavalheiro,
mas que se acha mal provido de dinheiro;
portanto, lhe indicarei uma estalagem
em que se pode instalar até a viagem,
lugar barato, mas de bom atendimento...”

“De fato, eu mesmo estou parando ali
e lhe garanto que não cobram caro,
a comida é deliciosa e de bom faro;
se a recomendo, é porque dela já comi...
Mas vamos conversar pelo caminho;
conheço bem esta cidade, Besançon
e lhe indicarei o quanto tem de bom...
O povo aqui é educado e bem discreto:
aos estrangeiros recebem com afeto
e até mesmo com algum carinho...”

E de tal modo gentil se demonstrou
que Paul Dubois, com sua alma de criança,
não demorou a lhe adquirir confiança
e então toda a sua história lhe contou...
O homenzinho respondeu alegremente:
“Meu caro amigo, teve muito boa sorte,
sou Messer Finlappi, joalheiro de bom porte;
mesmo italiano, aqui dei-me muito bem:
não há colar, pulseira ou anel também
que por minha mão não passasse inicialmente...”

“Mas por favor, nada me mostre aqui na rua,
somente dentro do meu alojamento;
posso avaliar essa jóia a seu contento,
tenho olhar mais aguçado que uma pua!...
Se realmente for o diamante do dragão,
posso vendê-lo por quantia admirável
e adiantamento lhe dar considerável...
Mas é melhor que vamos à Paris;
nosso encontro o destino foi que quis!...
O seu lucro irá além de sua ambição!...”

A VINGANÇA DO DRAGÃO VI

Ora, houve gente que bastante suspeitasse
de que ele fosse o diabo disfarçado...
Mas todos sabem que ele é meio deformado;
anos mais tarde, não faltou quem indagasse,
quando Paul Dubois sua história revelou,
se ele tinha chifres ou um olhar de fogo,
cascos nos pés, nas costas certo jogo
que indicasse esconder asas de morcego
ou uma cauda disfarçada pelo rego
de suas nádegas... Mas nada disso ele notou.

“A única coisa um pouco diferente
que nele vi foi na testa... Contra a luz
havia uma reentrância... Um avestruz
certa vez me bicou, contou-me alegremente.”
Amam tais aves as coisas mais brilhantes
E no pescoço eu usava um camafeu...
Ele chegou e até me surpreendeu,
mas encolhi a cabeça bem depressa...
Por sorte, tenho a caveira muito espessa:
tirante a marca, ficou tudo como dantes...”

“Amanhã nós tomaremos a carruagem
e bem depressa estaremos em Paris...
Ótima clientela por lá eu já fiz
e sua pedra eu venderei com boa vantagem...
Mas primeiro, façamos refeição:
fica tudo por minha conta, caro amigo;
para esta noite teremos um bom abrigo
e no meu quarto olharemos seu diamante;
mesmo pequeno, dará um preço interessante:
não me agradeça, terei boa comissão!...”

Após chegarem a seu alojamento,
Mestre Finlappi o olhar arregalou:
“Mas sem dúvida essa pedra que encontrou
é mais valiosa que o real apartamento!
Eu vou vendê-la logo a algum cardeal,
ou a um duque, um conde ou um marquês;
quem sabe o próprio rei seja o freguês!
Mas a seu quarto agora deve ir:
esconda a jóia quando for dormir,
pois atrair qualquer ladrão é natural!...”

A VINGANÇA DO DRAGÃO VII

“Quem sabe o senhor a guarda para mim?”
sugeriu Paul.  Mas Finlappi recusou:
“Se eu lhe disser que de noite alguém roubou,
irá você acreditar-me assim...?
Não, meu amigo, essa responsabilidade
é muito grande...  Fique você com ela...”
Paul foi trancar sua porta e sua janela,
passando a noite sem poder dormir,
por mais que tentasse, sem nada conseguir,
algum assalto temendo de verdade...

No outro dia, a levantar foi o primeiro
e com Finlappi foi pegar a carruagem
que parou mesmo à porta da estalagem...
Só eles dois, nenhum outro passageiro.
“Em que está pensando?” – o outro indagou.
“Na minha boa estrela em encontrá-lo,
no seu caráter, no generoso abalo
em desistir de outros negócios por minha causa!”
“Meu amigo, em Besançon só faço pausa,
moro mesmo é em Paris,” – Finlappi declarou.

Durante a viagem, o joalheiro lhe explicou:
“Será preciso apresentá-lo à sociedade...
Vamos parar na próxima cidade,
que será Dijon... Roupas novas já lhe dou;
não pode ir a Paris qual camponês,
que o povo de você irá troçar
ou achar que é um alvo fácil de roubar...
Logo ao chegar, vai comprar um bom cavalo;
não se preocupe, nisso também vou ajudá-lo,
comprando arreios do melhor jaez...”

“Há um correio na cidade de Dijon?”
Finlappi o olhou, um tanto zombeteiro:
“Qualquer cidade importante tem correio;
podia a um ter ido em Besançon...
contudo, se me permite, o que deseja?”
“Quero dizer à minha mãe que estou bem
e minha boa sorte lhe revelar também...”
“Espere um pouco mais... Após a venda,
com boas roupas e um criado que lhe atenda,
volte a Mouthiers, para que ela o veja...”

A VINGANÇA DO DRAGÃO VIII

“Minha mãe sempre quis o meu progresso,
tenho vontade de a tranquilizar...”
“Se eu fosse você, iria esperar
até chegar em Paris...  Um bom começo
será alugar uma bela residência,
que irá comprar após vender o seu diamante...
Melhor que carta, seria mais interessante
comprar um relógio de ouro para seu pai,
vestido de seda que para sua mãe vai,
para os irmãos, três arcabuzes de potência...”

“Pode enviar os pacotes por correio
ou se quiser, entregá-los pessoalmente;
colares e anéis, bem facilmente
obterei para suas irmãs no meio
do vasto estoque com reuni em Paris...”
“Meu pai deseja que eu seja vinhateiro...”
“Pois outras vinhas compre bem ligeiro,
contrate gente para nelas trabalhar...
Mas na capital é bem melhor morar,
pois lá há de encontrar o quanto quis...”

Assim os dois chegaram a Dijon
e Finlappi o levou a um alfaiate;
com um escudo de ouro de acicate,
prometeu-lhe completar um trajo bom
até o entardecer do mesmo dia...
Finlappi foi novas botas lhe comprar,
um bom chapéu e cinturão, tudo a pagar;
depois fizeram uma excelente refeição;
de escrever até esqueceu-se da intenção;
logo a seguir foram a uma estrebaria.

Ali escolheram o melhor cavalo,
Paul Dubois em total encantamento,
maravilhado com todo esse portento,
mais as palavras de Finlappi a adulá-lo...
Ao alfaiate retornaram à tardinha
e o novo traje lhe serviu perfeitamente;
tudo pagou o joalheiro, prontamente;
Paul Dubois fez montar em seu cavalo,
enquanto andava a pé a acompanhá-lo...
De gratidão, o camponês mal se continha...

A VINGANÇA DO DRAGÃO IX

A seguir, ele o levou a um grande hotel:
“Meu amigo, aqui a noite passará...
A conta de manhã já encontrará
paga por mim e o procurará um bedel,
que até a estação de posta o levará... (*)
Porém eu tenho negócios na idade;
então assim, só por formalidade,
assine este recibo e lhe darei
quinhentos escudos que hoje adiantarei:
depois da venda, você me pagará...”
(*) Serviço de carruagens que transportavam o correio postal
e ainda passageiros. Também chamadas “diligências”.

“Mas com o diamante, me diga, o que farei?”
“Ora, o que fez até agora... Guarde-o bem,
pois muita gente o cobiçará também,
mas por ele não me responsabilizarei...”
Depois disso, lhe entregou bolsa de couro:
“Abra-a agora, por favor, meu caro amigo,
aqui no quarto não há qualquer perigo,
porém não ande se exibindo sem recato!...”
Paul foi abrir a bolsa de imediato
e nela achou quinhentas moedas de ouro!...

De Finlappi ele então se despediu,
em quem confiava cada vez mais,
porque os conselhos que lhe dava eram iguais
àqueles com que o padre da aldeia o instruiu...
Mas outra vez, mal pôde dormir,
preocupado com seu fatal diamante...
Queria livrar-se dele nesse instante,
mas já devia demais ao joalheiro
e precisava de lhe pagar primeiro...
A noite inteira ficou ruídos a ouvir!...

No outro dia, bem cedo levantou
e ao refeitório desceu de seu hotel;
lá no saguão já encontrou o tal bedel
que logo uma mensagem apresentou:
No Hôtel de France nos veremos em Paris
escrevera Finlappi.  Cuidado com o que diz!
Já na porta o aguardava seu cavalo.
Disse o bedel:  “Eu devo acompanhá-lo
até a carruagem que o senhor seu pai alugou...

A VINGANÇA DO DRAGÃO X

Por um momento, teve um sobressalto,
mas percebeu que se referia ao joalheiro...
“O seu débito já está pago por inteiro...
Boa viagem!” – lhe desejou, bem alto,
o gerente do hotel.   Então partiu,
e na estação de posta o seu cavalo
acompanhou a carruagem, a montá-lo
um estribeiro que Finlappi contratara;
pelo caminho a sua hospedagem já pagara
e em Paris, finalmente, ele se viu...

Mas no momento em que desceu diante do hotel,
só imaginem quem veio a recebê-lo!?
O joalheiro, respeitoso e com desvelo,
frases gentis como manteiga e mel!...
“Mas pensei que estivesse ainda em Dijon!”
“Como vê, estou aqui com a mesma roupa,
vim a cavalo, numa corrida louca,
pois só lhe dei essas moedas de ouro,
mas não pode exibir esse tesouro:
para as despesas, a prata é de bom tom!...”

“Mas já tomei a liberdade de alugar
uma pequena mansão, lá no Palais-Royal...
No Hôtel de France o senhor não fica mal,
mas não é, de fato, um lugar para morar.
Vamos primeiro ver o seu apartamento
e depois lhe mostrarei minha residência
e o lugar em que trabalho com paciência...
Mas hoje deixe seu cavalo descansar,
aqui no centro é mais fácil caminhar,
com tanta gente passando no momento...”

Os dois caminharam até uma lojinha,
pequena e de aparência bem modesta.
“Um joalheiro sua riqueza não atesta:
dos ladrões a atenção não me convinha...”
Mas no interior avistou grande riqueza,
mil joias em armários e balcões...
“No escritório é que eu faço transações...
Naturalmente, não perdeu o seu diamante?
Porque agora será mais interessante
que eu o guarde comigo, com certeza...”

A VINGANÇA DO DRAGÃO XI

Paul o entregou, sem nada desconfiar
sentindo-se de fato até aliviado...
Finlappi a contemplá-lo, já extasiado...
“Preciso dele para aos clientes apresentar...”
Examinou-o com lupa bem potente.
“Vale dez vezes o que eu estava a imaginar;
vamos agora a sua casa a mobiliar
e alguns milhares de escudos, no momento,
eu mandarei como novo adiantamento...
Gaste à vontade!... Dinheiro é indiferente!”

Não há nada com que a gente se acostume
mais facilmente que com o gozo da riqueza,
principalmente após vida de pobreza...
Do novo-rico a posição logo ele assume:
ao ver a casa ricamente mobiliada,
com uma dúzia de criados a servi-lo,
deixou de lado da consciência o grilo...
Tornou-se logo imperioso e gastador,
o seu mordomo um perfeito indicador
de onde espalhar a fortuna acumulada...

Logo passaram a tratá-lo de “barão”
e suas gorjetas distribuía como água;
dava fim ao dinheiro sem ter mágoa,
mandando buscar uma nova provisão...
Finlappi lhe apresentava promissórias
e lhe dizia que não se preocupasse,
que por mais moedas que gastasse,
o seu diamante valeria muito mais...
O seu preço era tanto que, ademais,
somente o rei mereceria tantas glórias...

A negociação já se achava em andamento,
tudo ia bem e o saldo então acertaria;
dava-lhe todo o numerário que pedia;
Paul assinava sem qualquer pressentimento.
E como ele era frequentemente convidado,
dava outras festas com liberalidade;
muitos amigos arranjou pela cidade,
que logo o ensinaram a jogar...
Com o que perdia, sem se preocupar
nem com o dinheiro que lhe pediam emprestado...

A VINGANÇA DO DRAGÃO XII

Paul os atendia, sem o menor cuidado;
ao emprestar-lhes, sentia-se até honrado,
por ver tal bando com ele endividado,
muito feliz em conservá-los a seu lado!...
E embora houvesse quem o avisasse,
a tais conselhos sequer dava atenção;
ao desperdício Finlappi dava proteção
e nunca lhe negava mais dinheiro.
“Meu amigo, não sou interesseiro,
embora a venda ainda não se realizasse...”

Em sua casa só pensava raramente
e para a mãe nem ao menos escreveu;
os tais presentes ele nunca remeteu,
mesmo gastando desbragadamente...
Porém um dia, seu mordomo retornou:
“Senhor, desculpe, porém o joalheiro
desta vez não quis mandar dinheiro...”
Paul Dubois foi direto reclamar,
mas Finlappi nada mais quis-lhe adiantar:
“Tudo a que tinha direito, já gastou...”

“Eu o julgava bastante inexperiente,
mas em seis meses gastou uma fortuna
como se fosse a areia de uma duna:
nem nosso rei despende tanto, realmente...”
“Porém estou agora precisando!...”
“Lamento, mas não tenho nada mais;
de fato, lhe adiantei até demais
do que vale a sua parte do diamante...
Podemos acertar as contas neste instante,
só os meus juros seu valor ultrapassando...”

“Então, dê-me de volta o meu diamante!”
“É claro que o farei...  Basta pagar
essa fortuna que estive a lhe adiantar...”
“Mas é impossível!” – disse Paul, já delirante.
“Por que não pede então a seus amigos?
De seus empréstimos não tem as promissórias?”
“Tive vergonha, pareciam ser inglórias...”
“Pois meu exemplo deveria ter seguido:
com as suas, meu cofre está entupido...
Peça de volta... Ou se tornaram inimigos...?”

A VINGANÇA DO DRAGÃO X

Em desespero, Paul atacou o velho amigo,
que a pedir socorro começou...
Chegou a guarda e de roubo o acusou:
“Quis me matar!   Merece um bom castigo!”
Foi assim Paul para a Bastilha agrilhoado;
Pediu papel e tinta e escreveu
para os fidalgos a quem tanto atendeu,
porém não recebeu qualquer resposta,
que a tais amigos a pobreza só desgosta
e assim Paul permaneceu encarcerado...

Porém, ao prestar depoimento,
o juiz resolveu mandar deter
o tal joalheiro, por seu estranho proceder,
cem promissórias mostrando no momento,
alegando que o dinheiro só emprestara
contra o diamante, que lhe era a garantia;
mas ao juiz a linda jóia não traria
e este quis saber de onde tirara
a fabulosa quantia que emprestara:
certamente os seus impostos não pagara!...

Mostrar o diamante Finlappi recusou,
porém à noite desapareceu misteriosamente
de sua cela; foi enviado um intendente
que achou vazia a lojinha que arrombou!
Então o juiz ao rapaz considerou
culpado apenas por ter espancado
o joalheiro e por ter desperdiçado
toda a fortuna que o outro lhe adiantara;
quando foi solto, viu que a casa em que morara
fora trancada e ali nem sequer entrou!

E descobriu que, ao recobrar a liberdade,
de sua riqueza não lhe sobrara nada!...
Foi a um armeiro e lhe vendeu a espada
para comer... e dias vagueou pela cidade...
Tocado assim pelo arrependimento,
decidiu retornar a Besançon,
trocando as lindas roupas de bom tom
por roupas velhas de um camponês,
mais uns tamancos de grosseira grês...
de seu cavalo nem sinal nesse momento!...

A VINGANÇA DO DRAGÃO XIV

E desse modo, a pé fez a viagem,
até chegar à casa de seus pais,
que o receberam com alegria até demais,
após seis meses de vagabundagem...
Os seus irmãos também o abraçaram,
porque o julgavam morto, na verdade;
sendo aceito com toda a boa-vontade,
logo voltou a trabalhar qual vinhateiro,
suas ambições esquecendo bem ligeiro,
mas ao contar a sua história, duvidaram...

E quando foi com o padre confessar,
o olhar com que o encarou foi muito atento
e a seguir lhe revelou mais um portento:
“Esse dragão de que veio me falar
fazem seis meses que não era avistado,
embora muitos me jurassem escutar,
durante as noites, um triste lamentar,
justamente quando você desapareceu...
Porém cessou e o gemido se esqueceu;
Somente há pouco vi o céu ser alumiado...”

“Ocorre agora igual que antigamente...
Talvez um anjo por aqui passasse
e com suas asas tudo iluminasse,
sem que de nada eu saiba, realmente...”
Mas as irmãs contaram seu relato
aos namorados e a história se espalhou
dessa forma que até hoje nos chegou...
O pároco o absolveu de seus pecados,
por penitência seus dias atribulados;
tudo acabaram aceitando como um fato.

Desde então, tem nome esse dragão
“Ele é Finlappi”, sussurram, bem baixinho,
nas longas noites em que o frio mesquinho
faz dos lares buscar a proteção...
Assim a lenda corre ainda pelas bocas:
creem as crianças e os adolescentes,
quando crescem já ficando indiferentes...
E existe ainda rapaz de mais coragem
que de noite sai a esmo pela margem
do rio Doubs, com esperanças loucas...

A VINGANÇA DO DRAGÃO XV

Paul Dubois arduamente trabalhou
e como tinha algum conhecimento,
conseguiu faturar um rendimento
a escrever cartas... E depois casou
com a filha de um velho tabelião
e para a aldeia assim se transferiu;
suas escrituras e documentos redigiu
por conservar boa caligrafia
e no final, tal qual sua mãe queria,
do sogro aprendeu a profissão...

Quanto a Finlappi, ainda voa por ali,
mas nos seus banhos, a jóia de seu brio
agora esconde entre a lama do rio...
(Eu, pessoalmente, o diamante nunca vi...)
Mas os registros da Bastilha ainda incluíam
do joalheiro o seu desaparecimento...
Foram queimados, porém, nesse momento
em que a grande fortaleza demoliram;
na aldeia, contra o dragão se preveniram:
porque cegava a todos os que o viam!...

Mas se, de fato, forma humana ele assumira
e a Paul Dubois localizara tão ligeiro,
além de dispor de vastas somas de dinheiro,
por que, simplesmente, não lhe tira
o seu diamante, com a maior facilidade...?
Segundo explicam, deverá ser devolvido
de cada vez que tiver sido perdido,
por determinação de qualquer lei obscura,
enquanto Finlappi permaneceu em cave escura
até enxergar com maior facilidade...

O mais provável foi querer uma lição
dar ao jovem e ingênuo camponês,
que por impulso tanto mal lhe fez,
sem avaliar a impiedade de sua ação.
Fê-lo entender a impermanência da riqueza,
quando obtida demasiado facilmente
e lamentar a sua má sorte, realmente,
pelas semanas de sua peregrinação;
como os amigos das festas falsos são
e perceber que no trabalho há mais nobreza.

EPÍLOGO

Bastante raro é achar-se algum diamante,
sendo melhor preparar o seu futuro;
trabalho e estudo, por mais que seja duro
a sua vida irão tornar interessante...
Muito dinheiro demasiado cedo
tédio e cansaço acabam por trazer,
todo o ócio facilmente a aborrecer
e quando a vida, enfim, perde sua graça,
quanto jovem infeliz cai em desgraça!
Melhor a esse dragão olhar com medo!...



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