quinta-feira, 4 de setembro de 2014






O CLUBE NOVENTA E NOVE
(Adaptado de Texto em Prosa enviado por Walter Oliveira Dias)
(Versão Poética, William Lagos, 5 set 2014)

O CLUBE NOVENTA E NOVE I

Era uma vez um rei e sua grande riqueza:
tinha largas terras, vasta soma de dinheiro,
milhões de súditos, milhares de soldados,
poder, conforto, liderando com nobreza
o séquito que o siga
porém sem ser feliz;
sempre empós de objetivo derradeiro;
por perder o que era seu tendo cuidados;
grandes as rendas, porém grandes despesas,
soldos pagava, os uniformes e os calçados
e nas suas meses havia centenas assentados:
nobreza obriga!
A honra assim o quis!

O CLUBE NOVENTA E NOVE II

Um dia o rei nos corredores caminhava
de seu lindo palácio, preocupado
com as questões surgindo nas fronteiras
e ainda pensando que a morte se acercava,
sempre faminta,
junto com a idade...
E viu um servo em suas tarefas concentrado,
lustrando o piso com duas enceradeiras:
primeiro a grossa, depois lisa passava,
dando duas mãos, talvez mesmo terceiras,
o chão brilhando sob suas esteiras;
quase que o pinta
com alacridade...

O CLUBE NOVENTA E NOVE III

Então Sua Majestade reparou
a expressão de alegria do empregado
e como ele assobiava ao trabalhar
e com surpresa, percebeu que o invejou,
pois julgou-o ser feliz,
mesmo tão pobre...
E nem ao menos parecia preocupado
que o grande rei o estivesse a avaliar;
mas no momento em que sua presença reparou,
parou a tarefa, pelo tempo de tirar
a velha touca para seu senhor saudar:
o costume assim o diz
e se descobre...

O CLUBE NOVENTA E NOVE IV

Mesmo então, ele à vontade parecia
e até orgulhoso, ao demonstrar respeito...
Então o rei lhe indagou qual a razão
de sua alegria, enquanto a melancolia
sobre o rei da terra
tanto pesava!...
“Majestade, é que me dou por satisfeito,
porque tenho trabalho e profissão;
Vossa Majestade me concede moradia
e para os meus sempre levo a refeição;
em minha velhice aguardo uma pensão;
não temos guerra
e me alegrava!...”

O CLUBE NOVENTA E NOVE V

“E é a Vossa Majestade que agradeço
por nosso reino estar mantendo em paz
e com justiça a todos nos tratar...
Até roupas me dá, que mais eu peço?
Descanso à noite,
com minha mulher...”
Mas a resposta ao rei não satisfaz...
Como esse pouco lhe podia bastar?
Eu tenho tanto, que nem ao menos meço
e não consigo à noite descansar,
tantos problemas a me perturbar
como um açoite,
sem paz sequer!...

O CLUBE NOVENTA E NOVE VI

Foi então o rei consultar um conselheiro,
que era a pessoa em quem ele mais confiava
e as condições do empregado lhe indagou:
“Quanto é que lhe pagamos em dinheiro?”
“Se é um servente,
Trinta ceitis...”
“Mas por que então assim alegre trabalhava?
Será que casa ou chácara ele herdou?”
“Não, Majestade, ele é só um seu rendeiro;
a choupana o castelo lhe emprestou;
como alimento, leva aquilo que sobrou...”
“Mas por que mente
ser tão feliz...?”

O CLUBE NOVENTA E NOVE VII

“Majestade, até acredito que é sincero,
porque, de fato, não tem grande ambição;
o que possui lhe basta, na verdade...
Porém resposta posso dar-lhe, espero:
é que ele não faz parte
Do Clube Noventa e Nove...”
“Mas em que isso lhe afeta a condição?”
“É melhor que lhe demonstre, Majestade...
Com um artifício, a inquietação lhe gero...
Mas para atender à real curiosidade,
ao serviçal causar irei a infelicidade...
Não será arte
que enfim se louve...”

O CLUBE NOVENTA E NOVE VIII

“Mas como assim?  Não quero que o torture!”
“Nada de físico, realmente, Majestade...
Antes sugiro que lhe dê um bom presente:
certa quantia que por toda a vida dure
para uma pessoa
nas suas condições...
Se para tanto me der a autoridade,
enviar-lhe-ei o dinheiro suficiente
que da “doença da alegria” o cure...
Noventa e nove moedas, realmente,
de ouro puro, que o deixarão contente,
porém fonte boa
de ruins tentações...”

O CLUBE NOVENTA E NOVE IX

Ambos movidos pela perversidade
desses ricos que se sentem entediados,
decidiram realizar a experiência
e nessa noite, em secretividade,
um saco lhe deixaram,
cheio de ouro,
junto à porta e se esconderam, apressados,
entre as moitas, aguardando com paciência
o resultado de sua falsa bondade...
Pegou o saco o serviçal, sem ter ciência
do seu conteúdo; e sem qualquer clemência
os dois o observaram
vendo o tesouro...

O CLUBE NOVENTA E NOVE X

Levou-o para dentro da choupana
e somou-lhe o conteúdo sobre a mesa:
noventa e nove moedas de ouro, reluzentes!
Como presente de uma deidade soberana!...
Contou outra vez:
não eram cem!...
Pensou que uma rolara com leveza;
varreu o chão, em golpes impotentes;
sua alegria inicial logo se empana;
contou de novo, em tentativas bem frequentes
para encontrar a centésima, pungentes
suas dúvidas, talvez,
sem nada achar, porém!

O CLUBE NOVENTA E NOVE XI

Nem por momento pensou algo gastar...
Aquela moeda encheu-se de importância,
a diferença entre a penúria e sua riqueza...
Se ao menos uma eu pudesse acrescentar!
Mas só ganhava
trinta ceitis...
Levaria anos, poupando com constância,
para juntar o suficiente, com certeza
e um valor de mil ceitis amealhar!...
Já não mais se conformava com a pobreza...
Trabalharia até de noite!  E a avareza
já inteiramente o dominava:
pobre infeliz!...

O CLUBE NOVENTA E NOVE XII

Doravante, mudou todo o seu humor;
passou a vender da hortinha a produção
que antes a dieta da família melhorava;
trazia a comida do castelo com rancor:
tudo comiam,
nada sobrava!...
De porcos iniciou uma criação;
ia na mata e uma cesta carregava,
colhendo bagas e bolotas com fervor,
só para ver se assim ele engordava
os seus suínos e as cem moedas alcançava,
mas dele riam:
ninguém comprava!...

O CLUBE NOVENTA E NOVE XIII

Todos na vila eram bem alimentados
pelas sobras abundantes do castelo;
quem não era soldado, era servente...
Passou os filhos a maltratar, coitados!
E nem assim
completou as cem!...
Perdera o orgulho do resultado belo
do trabalho que o deixara tão contente;
suas tarefas só a cumprir com desagrados,
por mais ceitis a desesperar-se diariamente,
sua saúde a desgastar visivelmente:
péssimo fim
de um grande bem!

O CLUBE NOVENTA E NOVE XIV

E vendo o rei que não mais assobiava
e que até mesmo o contemplava com rancor,
foi de novo consultar seu conselheiro,
pela interpretação do que notava...
“É que o servente
no clube entrou!...
O Clube Noventa e Nove é formado, meu senhor,
por pessoas que já possuem um bom dinheiro,
mas ainda julgam que algo lhes faltava...
Vivem em busca de seu alvo derradeiro;
mas quando o alcançam, um novo ideal matreiro
chegou silente
e os dominou!...”

O CLUBE NOVENTA E NOVE XV

“Bem lhe avisei que seria uma maldade
e para sempre o deixaremos infeliz...”
“Mas se outra moeda eu simplesmente dou?”
“Será inútil o seu ato de bondade,
porque agora
vai querer mais!...
A ambição com a alegria não condiz
e a qualquer um a quem a avareza dominou
não tornará outra vez a felicidade...
Mas a lição para vós mesmo aproveitou?
Sua melancolia agora o abandonou
e foi-se embora,
para o jamais...?”

EPÍLOGO

Pensou o rei com cuidado na lição,
que bom proveito, de fato, lhe trouxera...
Só o remorso algum pouquinho o afligia
e ao empregado deu uma nova posição,
melhor salário,
melhor moradia...
Porém a felicidade, quem lhe dera!
ao empregado ele jamais devolveria,
mesmo gozando de excelente situação,
as cem moedas completando, mais queria:
juntar duzentas ou mais preferiria...
Sem ao contrário
querer mais alegria...

E se esta história lhe despertou a compaixão,
não peça ao Clube Noventa e Nove o seu cartão!



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