quinta-feira, 2 de julho de 2015





A RAPOSINHA – 28 DEZ 2011
(Folclore brasileiro, recolhido por Sílvio Romero,
recontado por Monteiro Lobato, versão poética de William Lagos).

A RAPOSINHA I

Era uma vez uma terra, cujo rei,
Que fora justo e cumpridor da lei,
         Começara a ficar cego.
Tinha três filhos.  O mais velho era Miguel,
O seu irmão do meio, Rafael
         E o outro era Pafúncio.

Mandou o rei aos filhos procurar
Algum remédio, pois queria enxergar,
         Igual que antes.
Não só por ele, mas porque era importante,
Para que o reino não fosse daí em diante
         Governado por um cego.

Por certo, seus ministros eram bons
E lhe explicavam, em belos e altos sons
         Os seus negócios.
E conservavam em segredo sua cegueira,
Porque seria para alguns causa certeira
         De rebelião.

Ele ainda via as coisas, vagamente,
E até mesmo se mostrava, bem frequente,
         Nas cerimônias;
Apoiado no seu cetro, caminhava
E para os circunstantes acenava,
         Igual que os visse.

A RAPOSINHA II

Os médicos melhores de sua corte
Prognosticaram que lhe viria a morte,
         Se não fosse curado.
E mesmo sendo súditos fiéis,
Ficaram confinados nos quartéis,
         Que não contassem!...

Isso porque, em caso de batalhas,
As decisões do rei sairiam falhas
         E perderiam;
Por mais argutos os seus generais,
Nem sequer eles saber podiam jamais
         Do seu estado.

Mandou assim o rei a Dom Miguel
Que se vestisse sem qualquer ouropel
         E fosse pelo mundo
Sem revelar a ninguém sua identidade
E procurasse um remédio de verdade
         Para curar seu pai.

Mas Dom Miguel, tomado de vaidade,
Querendo ser o rei, na realidade,
         Fingiu só procurar.
E saiu com seus amigos cavaleiros,
A divertir-se por países estrangeiros,
         Por quase um ano.

A RAPOSINHA III

Quando voltou, fingiu grande cansaço,
Pôs sua cabeça no real regaço
         E mentiu não ter achado;
Que saíra em toda parte procurando,
O segredo do pai não revelando,
         Sem nada descobrir...

E de fato, não contara, que interesse
Não tinha que a notícia se dissesse
         Nos países inimigos:
O que queria é que o rei abdicasse
E seu herdeiro em vida ele o nomeasse,
         Senhor do reino.

Mandou então o rei Dom Rafael
Que o mundo revirasse, em carretel
         Até lhe achar a cura.
De fato, estava bem mais debilitado:
Os joelhos lhe doíam; e atrapalhado,
         Trôpego o passo...

Os cortesãos já o notavam, realmente,
Mas atribuíam a motivo diferente
         Suas pernas fracas.
Embora mostrasse o tronco vigoroso
E mesmo seu olhar era formoso:
         Brilhava até sem ver!...

A RAPOSINHA IV

Sempre escoltado por fiéis conselheiros,
Que lhe falavam aos ouvidos, cavorteiros,
         Informações;
E não deixavam que o rei errasse o passo;
Para assinar, indicavam sempre o traço,
         Que os dedos ainda via.

Saiu na busca o seu segundo filho,
Mas na verdade, seguiu o mesmo trilho
         Do seu irmão,
Que prometera, quando ao trono subiria,
Que muitas terras e tesouros lhe daria,
         Em recompensa.

Dom Rafael levou sua comitiva,
Passou um ano em caçada altiva,
         Sem buscar nada.
E recebia as notícias por amigos,
Que o visitavam, sem quaisquer perigos,
         Em bom sigilo.

O rei, diziam, estava ainda pior,
Nas procissões era levando num andor
         Igual que um santo.
Porém o povo achava isto muito bem:
Que merecia receber também
         Tal honraria.

A RAPOSINHA V

Depois de um ano, o príncipe voltou,
Do pai no colo a cabeça colocou:
         Pediu perdão,
Que nada achara, por mais que procurasse,
Embora elixires e ervas experimentasse
         Em outros cegos.

Porém o rei não se queria conformar
E depois de mil poções experimentar,
         Chamou Pafúncio,
Cujo nome era de fato Gabriel
E cuja índole era doce como o mel
         Nada guerreiro.

E só gostava de música e pintura;
Ele apreciava qualquer literatura,
         Mas não caçadas,
Nenhum tipo de luta a dominar,
Errava o tiro, não sabia esgrimar,
         Que horror!  Fazia versos!...

E era por isso com zombaria tratado,
Pelos irmãos mais velhos apelidado:
         “Triste Pafúncio!”
E o apelido pegou e até esqueceram,
Aquele nome que seus pais lhe deram
         No batizado.

A RAPOSINHA VI

O rei chamou Pafúncio, sem confiança,
E lhe pediu com bem pouca esperança,
         Buscar-lhe a cura.
Porque até mesmo o pai o achava bobo,
Que adiantaria mandar correr o globo
         Um tal pateta...?

Pois nunca fora capaz de caçar nada,
Mas que passava toda a noite e até a jornada
         Na biblioteca!...
Que só queria compreender filosofia
E nem mesmo a religião o atraía
         Para ser bispo!...

Mas o rei lhe explicou, com um suspiro,
Que nem podia mais disparar um tiro,
         Nas cerimônias
E que em breve chegaria o seu sossego...
“Senhor meu pai, o senhor só está cego...”
         Disse Pafúncio.

“Mas como você sabe?  Isso é segredo,
Quem lhe contou?  Eu tenho muito medo
         Que o povo saiba!...”
Mas o rapaz explicou que já notara,
E que a doença seu pai bem disfarçara:
         Poucos sabiam!

A RAPOSINHA VII

Então o encarregou o velho rei:
“Você é meio tolo, bem o sei,
         Mas tem bom coração.
Saia então à procura do remédio,
Em vez de desgastar seu tempo em tédio,
         Fazendo versos!...

Pafúncio com seu pai não se magoou;
Encilhou o seu cavalo e se enfiou,
         Estrada a fora!...
Levava boa quantia de dinheiro,
Usava as roupas velhas de um moleiro,
         Manchadas de farinha!

Mas ao chegar à beira de um aldeia,
Se deparou com cena muito feia,
         No país vizinho!...
Cinco homens um cadáver espancavam
E ao pobre defunto maltratavam,
         Sem qualquer pena!

Pafúncio quis saber qual a razão,
Já comovido no seu coração,
         Por tal maldade!
E lhe disseram que era um grande caloteiro,
Que morrera a lhes dever muito dinheiro
         E se vingavam!...

A RAPOSINHA VIII

Mentiu Pafúncio conhecer o falecido,
Que no passado já o havia acolhido,
         E a pagar se ofereceu...
Os cinco viram sua ingenuidade
E muito mais do que devia, na verdade,
         Lhe reclamaram!...

Mas o príncipe pagou sem reclamar,
Embora visse sua bolsa a se esvaziar,
         Por caridade.
E depois ainda pagou a sepultura,
Por sobre o morto rezou uma prece pura
         E foi-se embora.

Já mais adiante, cavalgando pela estrada,
Uma raposa lhe surgiu do nada
         E lhe falou!...
Porém Pafúncio, na sua ingenuidade,
Não se espantou que falasse, na verdade
         E até a cumprimentou.

“Eu sei quem é,” falou a raposinha
“E qual o alvo para que se encaminha
         E vou ajudá-lo.
Eu sou a alma do morto que espancaram
E como seus credores o exploraram,
         Devo-lhe muito!...”

A RAPOSINHA IX

“Se não fosse por você, eu ficaria
Na beira do caminho e me devoraria
         Um animal selvagem!
Portanto, vou-lhe dar o meu conselho:
Eu sei a cura para o seu pai velho,
         Um remédio raro!...”

“Unguento de Papagaio, é como chamam;
É feito com a saliva que derramam,
         À meia-noite,
Os pássaros mais velhos dessa raça,
Quando a velhice seu destino traça
         E quase morrem...”

“Você precisa procurar a Terra
Dos Papagaios, que a maioria encerra
         Em mil gaiolas.
Há um castelo com grandíssimo salão.
Vá à meia-noite, com minha proteção:
         Mostro o caminho!...”

E lá se foram os dois pela estradinha,
Pafúncio a acompanhar a raposinha,
         Sem desconfiar...
E no Reino dos Papagaios enfim chegaram,
Na metade de maio o alcançaram,
         Em pleno outono...

A RAPOSINHA X

E lá avistaram a um belíssimo castelo,
Que inspirava respeito só de vê-lo,
         De altas muralhas.
Disse a raposa: “Eu guardo o seu cavalo,
Não tenha medo das ameias, nem do valo:
         Vou protegê-lo!...”

“Mas veja bem: haverá mil papagaios,
Araras, periquitos, belos gaios,
         Mas não lhe servem!
Procure o papagaio mais judiado,
Velhinho e sujo, num canto acorrentado:
         Esse é o bom!...”

Pafúncio até o castelo foi chegando,
No mesmo instante a levadiça, se abaixando,
         Deu-lhe passagem!...
Todos dormiam, em plena meia-noite
E a própria escuridão lhe deu acoite,
         Na madrugada...

Chegou assim a um salão dourado,
Com mil archotes, todo iluminado:
         Guardas dormindo!
E viu mil papagaios em gaiolas,
Cristas vermelhas, multicores colas,
         Pássaros belos!...

A RAPOSINHA XI

E no meio da beleza que o acolheu,
Do bom aviso da raposa se esqueceu
         O pobre ingênuo,
Pois viu num canto o papagaio velho
E o desprezou, apesar do bom conselho:
         Seu pai faria troça!

E ao invés disso, foi pegar, para desdouro,
O mais formoso, numa gaiola de ouro,
         Que desprendeu...
Mas logo o papagaio despertou
E um tremendo currupaco começou,
         Num escarcéu!...

E se acordou toda a papagaiada,
Em gritaria tão desmesurada,
         Que o ensurdeceu!
Mas os soldados todos despertaram
E à presença do rei logo o levaram,
         Para a sentença!...

E o condenou o rei à pena de morte!
Mas Pafúncio lamentou sua triste sorte,
         Explicando o seu motivo.
E o rei ficou com pena e decretou:
“O papagaio bonito eu não lhe dou!
         Mas dou-lhe o velho!...”

A RAPOSINHA XII

“Mas mesmo o velho tem muito meu apreço!
Eu lhe darei, se me pagar o preço,
         Não em dinheiro!
Quero que vá ao Reino das Espadas
E me traga uma dessas mais afiadas,
         Com copo de ouro!...”

“Como é um príncipe, a sua palavra aceito!
Mas veja bem, porque tenho o direito
         De todas à melhor!...”
E lá se foi Pafúncio, acabrunhado...
Logo a raposa chegou-se do seu lado,
         E o repreendeu.

“Eu bem lhe disse que pegasse o velho!
Por que não aceitou o meu conselho?
         Viu que bobagem?
Não pode se prender nas aparências,
A realidade tem outras tendências:
         Seja sensato!...”

“Mas tudo bem, vamos ao Reino das Espadas!”
E lá seguiram os dois pelas estradas,
         Um mês inteiro!
Outro castelo enfim acharam, imponente,
E a raposa lhe aconselhou, em voz premente,
         O que devia fazer.

A RAPOSINHA XIII

“Você irá entrar lá à meia-noite:
Não tenha medo, vou-lhe dar acoite,
         Mas me obedeça!
Vai encontrar mil espadas reluzentes,
Cimitarras e floretes, adagas e potentes
         Montantes de combate!”

Trazem copos incrustados de diamantes,
De ouro e prata, e poderosos guantes,
         Mas não lhe servem!
Vá procurar uma espada enferrujada:
No canto mais escuro está encostada:
         Essa é a boa!...”

E o rapaz cruzou por uma fonte,
No castelo ingressou por uma ponte,
         Em plena meia-noite!
Todos dormiam, até as sentinelas
E divisou das espadas as mais belas,
         Por toda a parte!...

E lá num canto, encontrou, enferrujada,
Por entre as outras, a mais feia espada,
         Que descartou...
“O Rei dos Papagaios me pediu
Uma com punho de ouro!”  refletiu...
         E a foi pegar!...

A RAPOSINHA XIV

Mas no instante em que agarrou a espada,
Outra do lado foi logo derrubada,
         Com grande estrondo!
E logo mil espadas retiniram
E seus ouvidos com o som zuniram:
         Tapou as orelhas!...

Mas os guardas depressa se acordaram,
Suas mãos e seus pés acorrentaram,
         Com grande raiva!
E o levaram à presença do seu rei,
Que bem depressa lhe aplicou a lei:
         Pena de morte!...

Porém Pafúncio pediu para falar
E conseguiu seu roubo lhe explicar
         E o comoveu...
“Se é por bem de seu pai já velho e cego,
Tampouco minha piedade então lhe nego,
         Mas por um preço!”

“Você irá até o Reino dos Cavalos,
Terá de atravessar montes e valos,
         Até chegar!
E me trará de todos o mais belo,
Que está guardado no fundo de um castelo,
         Com seu jaez!...”

A RAPOSINHA XV

“Como é um príncipe, sua palavra aceito!
Mas me trará um cavalo sem defeito,
         Com sela e arreios!...”
E lá se foi Pafúncio, amargurado...
Logo estava a raposa do seu lado,
         A reprová-lo!...

“Mas por que não aceitou o meu conselho?
Assim nunca irá curar o seu pai velho!
         Confie em mim,
Que só tenho interesse no seu bem,
Mas minha paciência está num fio, também:
         Veja se aprende!”

“Sei o caminho para o Reino dos Cavalos...
Pois vamos até lá, já criei calos
         Nas minhas pobres patas!”
E lá se foram os dois pela estradinha,
Pafúncio acompanhando a raposinha,
         Sem vacilar!

Logo se acharam perante outro castelo.
“Mas veja bem!  Esqueça do mais belo,
         Esse não serve!
Você precisa é de um cavalo castigado,
Num canto escuro só e abandonado,
         Esse é o bom!...”

A RAPOSINHA XVI

Foi outra vez o rapaz obstinado:
Ao ver o animal todo estropiado,
         Não quis pegar!...
Mas escolheu um magnífico corcel,
Robusto e forte, crinas cor de mel:
         Tirou da baia!...

Na mesma hora, o animal deu um nitrido
E o coro dos cavalos seu ouvido
         Deixou a retinir!...
Logo um bando de guardas se acordou
E novamente a Pafúncio aprisionou:
         Foi posto a ferros!

E foi levado à presença do seu rei,
Que lhe falou que ao ladrão mandava a lei
         Na forca balançar!...
Mas o rapaz explicou sua triste história:
“Seu cavalo eu peguei, mas é coisa provisória,
         Pois vou trocar...”

“Por uma espada no Reino das Espadas
E depois retomar as caminhadas
         Até chegar
Ao Reino dos Papagaios, onde eu pego,
Por essa espada, uma ave, que meu pai cego
         Pode curar!...”
        
A RAPOSINHA XVII

E mais um rei demonstrou-lhe compaixão:
“Já percebi que é um péssimo ladrão,
         Pois erra sempre!...
Pois então, vá até o Rei da Catalunha
E me traga a Princesa Marilúnia,
         Para casar comigo...”

“Então lhe dou o meu cavalo velho,
Porque, queira aceitar o meu conselho:
         Esse é o melhor!...”
E lá se foi o rapaz buscar-lhe a esposa,
Após ouvir poucas e boas da raposa,
         Por desobedecer!...

Quando chegou ao país da Catalunha,
Descobriu que já o conheciam por alcunha:
         “Triste Pafúncio”!...
Porém o rei, que já tinha doze filhas
E casar todas lhe eram difíceis trilhas
         E enormes dotes!...

E como Marilúnia iria, afinal,
Casar com um filho do Rei de Portugal,
         Ficou contente...
Pafúncio viu que ela era muito feia,
Mas de levá-la consigo não receia:
         Foi na garupa!...

A RAPOSINHA XVIII

Mas descobriu que era muito inteligente
E conversaram, bastante alegremente,
         Sobre poesia...
E numa noite, sob a luz da Lua,
Junto a um laguinho, ela banhou-se nua,
         Enquanto ele dormia.

Porém com o barulho, ele acordou
E que era muito bela ele notou:
         Ficou enamorado...
Mais uma vez ele chamou a raposinha,
Que era a alma do defunto que ele tinha
         Tanto ajudado...

E ele lhe disse:  “Amiga Raposinha,
Espero que não fique zangadinha,
         Mas lhe direi
Que eu quero para mim a Marilúnia,
Filha mais moça do rei da Catalunha,
         Por quem me apaixonei...”

“Mas prometi para o Rei dos Cavalos
Que enfrentaria perigos e abalos,
         Para a entregar...
E assim trocar também pelo animal
Que levaria ao Rei de Espadas, afinal,
         Para outra troca!...”

A RAPOSINHA XIX

“Porque, sem essa espada, nunca pego
O papagaio que irá curar o meu pai cego,
         Que está sofrendo!
Mas percebi que é inteligente e bela
E que preciso me casar com ela!
         O que é que eu faço?...”

Disse a raposa, em tom reprovador:
“Você é teimoso, rapaz, e seu temor
         É culpa sua!...
Se quer a moça, terá de obedecer,
Caso contrário, irá se arrepender,
         Profundamente!...”

Pafúncio prometeu que, desta vez,
Reconhecendo todas as suas mercês,
         Faria à risca!
“Pois bem,” disse a raposa, “ajudarei,
Mas me obedeça, senão não moverei
         Uma unha de minhas patas!”

E os três foram seguindo, lado a lado,
Os dois jovens cada qual mais encantado
         Um com o outro...
E Marilúnia formosa continuou,
Mas quando ao Reino dos Cavalos se chegou,
         Tornou-se feia!...

A RAPOSINHA XX

E quando o Rei dos Cavalos viu seu rosto,
Ficou apavorado, em seu desgosto:
         “E nem tem dote!...
Dou-lhe o cavalo mais velho e mais judiado,
Mas conserve essa princesa do seu lado:
         Leve-a consigo!...”

E quando ele mostrou-lhe o seu cavalo,
Teve o Rei das Espadas grande abalo:
         “Que porcaria!
Pode levar a minha espada enferrujada,
Tire daqui essa besta assim judiada!
         Não quero nem saber!...”

E quando o Rei dos Papagaios enxergou
Aquela espada tão feia, declarou:
         “Não quero isso!
Vá lá e pegue o papagaio velho
E se quiser seguir o meu conselho,
         Jogue essa fora!...”

Então seguiu Pafúncio pela estrada,
O papagaio na gaiola enferrujada,
         No cinto a espada velha!
A princesa continuou na sua garupa,
Com o cavalo judiado não se ocupa,
         Linda de novo!...
        
A RAPOSINHA XXI

Aquela noite, enquanto ele dormia,
Mais uma vez a raposinha aparecia:
         “Você teve muita sorte!
Mas meu último conselho é bem direto:
Siga somente pelo caminho reto,
         Não siga atalho!...”

“Pois caso se afastar da real estrada,
Tudo o que tem desfazer-se-á em nada
         E tudo irá perder!
Agora, adeus, que vou ao Paraíso,
Minhas culpas eu paguei!” E, num sorriso,
         Desapareceu!...

Seguiu Pafúncio, portanto, o seu caminho,
Conversando com Marilúnia, um só carinho,
         Enquanto cavalgavam.
Mas surgiram seus irmãos, a quem contavam
Que os dois do reino já se aproximavam,
         Trazendo a cura.

Marilúnia bem depressa se fez feia
E tomados da maldade que incendeia,
         Seus dois irmãos
Disseram que sei pai estava à morte
E o convenceram a tentar a sorte,
         Num atalho lateral.

A RAPOSINHA XXII

Mas ao chegarem numa encruzilhada,
Os dois irmãos o mataram de pancada
         E até cravaram
A espada velha no seu coração!...
E o enterraram, fingindo compaixão,
         Em cova rasa!...

Mas ao pegar Miguel o papagaio,
Ele lhe deu duas bicadas, como um raio,
         E o deixou cego!
E quando Rafael foi pegar o seu cavalo,
Ele escoiceou e o jogou num valo:
         Quebrou-lhe as pernas!

Nenhum dos dois poderia mais ser rei;
Assim rezava do país a lei:
         Dois aleijados!
Pois o rei velho, mal e mal, ainda enxergava
E mesmo trôpego, ainda caminhava,
         Seu cetro por bengala!

Porém o reino ficava sem herdeiro!
Ninguém sabia de Pafúncio o paradeiro:
         Foi um pavor!
E alguns diziam que a feia Marilúnia,
Mesmo sendo filha do Rei da Catalunha,
         Era uma bruxa!

A RAPOSINHA XXII

Mas Marilúnia foi o unguento preparar,
Com a saliva do papagaio; e fez sarar
         A cegueira do rei!...
E ela indicou o buraco retirado,
Em que Pafúncio fora abandonado,
         Na encruzilhada...

Mas o rapaz não morrera de verdade:
A espada era mágica e a maldade
         Toda revertera!
O outro cavalo toda a terra retirara,
Com os cascos; e o Príncipe acordara,
         Sem qualquer dano!

E quando o pai o saiu a procurar,
Já no caminho estava a cavalgar,
         Espada à cinta!
Abraçaram-se os dois, bem satisfeitos;
Depois o rei abdicou de seus direitos
         E deu-lhe o trono!...

Casou-se então com a princesa Marilúnia
E chegou uma procissão da Catalunha
         Com mil presentes!
Pois se tornou El-Rei Gabriel Primeiro
E governou, com braço bem certeiro,
         Por muitos anos!...

A RAPOSINHA XXIV

Os maus irmãos morreram no hospital,
Como castigo por fazerem tanto mal,
         Que o bem triunfa!
E o papagaio e o cavalo ainda viveram
Por muitos anos e até mesmo conheceram
         Os filhos de Gabriel!...

E ele venceu, após ser imprudente,
Pois aprendeu, por ser inteligente,
         Com os próprios erros...
E governou seu reino em muita paz,
Porque é assim que ao povo feliz faz
         Um rei que é bom!

Mas é uma coisa triste, infelizmente,
Que a experiência sirva a pouca gente:
         Não aprendem nada!
Ficam somente a repetir seus erros,
Para depois chorar e darem berros,
         Por seu azar!...

Pois teus erros podem ser teus inimigos,
Ou os podes transformar em teus amigos,
         Sem ser traiçoeiros...
Pois dir-te-ão: “Olha, lembra-te de mim!
Tu não precisas fazer de novo assim!
         Nunca me esqueças!...”



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