sexta-feira, 20 de novembro de 2015





O CÃOZINHO VALENTE E OUTRAS HISTÓRIAS
WILLIAM LAGOS, 31 OUT / 02 NOV 15
(Versificado sobre três  histórias em prosa de O THESOURO DA JUVENTUDE).

O CÃOZINHO VALENTE I – 31 OUT 15

Vivia em França um forte lenhador
chamado Brisquet; Brisquette era sua esposa, (*)
Briscotan seu filho e Briscotina, uma formosa
menina, ambos filhos de máximo valor.
(*) O nome do lenhador se diz “Brisqué”, com “e” aberto. 

Pois todos se tratavam com amor,
mesmo educados de forma rigorosa,
numa união familiar bem vigorosa,
para a qual todos contribuíam com calor.

Briscotan tinha castanhos os seus olhos,
mas Briscotina olhar azul e testa loura;
tinha ele sete, ela apenas cinco anos.

E tinham um cão, Brichon, negros refolhos
por todo o pelo, que o azul olhar desdoura,
preto o focinho, as orelhas em abanos...

Era Brichon das crianças companheiro
e as seguia em todos seus folguedos...
Já o bosque ao lado ocultava maus segredos:
um grande urso o percorria, sorrateiro...

Em geral, bastante longe do terreiro,
mas Brichon conhecia seus enredos
e pelo faro acompanhava os passos quedos (*)
e em perto estando, já ladrava bem ligeiro!
(*) Silenciosos.

Nos fundos da granjinha havia um galpão,
em que guardavam a lenha, antes da venda;
temendo o urso, não cultivavam mel,

que não chegasse algum dia, em sopetão,
para as colmeias descobrindo logo a senda
e lambuzando seu focinho com seu gel...

Um certo dia, atrasou-se o lenhador,
que não chegou na hora costumeira.
Disse Brisquette: “Vão olhar lá na traseira,
ver se o seu pai já a lenha está a pôr...”

“Mas não entrem na floresta, que ao redor
se estende desta casa, sobranceira.
Pode esse urso aparecer, fera matreira,
e assustá-los ou fazer coisa pior!...”

Brichon já ia acompanhando os dois,
porém Brisquette mandou que ele ficasse:
“Se Brisquet demorar mais, você o procura!”

Ficou o cão a ganir logo depois,
já que o guardião das crianças se julgasse:
sentia no ar uma presença impura!...

Brisquet, contudo, não se achava no galpão
e Briscotan decidiu-se a ir procurá-lo;
Briscotina resolveu acompanhá-lo,
de preferência a ficar em solidão!...

E assim os dois se embrenharam no matão,
em busca de seu pai, mas sem achá-lo;
vinha Brisquet por diferente valo,
trazendo a carga de lenha e o machadão...

Bem que estranhou por não ter sido recebido
pelas crianças, como de costume...
“Eles foram procurá-lo no galpão...”

Disse Brisquette, o coração já comovido.
“Já está escuro, dê-me acha com um lume, (*)
vou descobrir esses capetas onde estão!”
(*) Fogo. chama.

O CÃOZINHO VALENTE II

Largou a lenha atirada pelo chão
e pelo cão Brichon logo chamou,
mas o cachorro não se apresentou:
“Nisso que dá vira-lata ter à mão!”

“Quando preciso, nem me dá atenção!
Quero um cachorro de raça!” – resmungou.
“Basta assobiar e a meu lado já chegou
e nunca deixa meus guris sem proteção!”

“Mas Brisquet, fui eu que disse que ficasse...”
Falou Brisquette, ao lhe alcançar o fogo.
“Pouco me importa, não lhe obedeceu!...”

E com o machado que bem alto alçasse,
o lenhador precipitou-se logo,
pois a floresta bem depressa escureceu!

Logo em seguida, latidos escutou,
pensando ouvir também uns fracos gritos.
“Meu Deus!  Estarão os dois aflitos?
Será que o urso negro se mostrou?”

E dito e feito.  Rapidamente, ele chegou
a uma clareira e viu Brichon em agitos,
como um herói que vem de antigos mitos
que o urso negro imenso já atacou!...

Dez vezes seu tamanho, certamente,
os seus dois filhos numa árvore encostados:
pobre cãozinho!  Bem lanhado dessa fera!

Mas prosseguindo na defesa, bravamente;
pelos rugidos do urso acompanhados,
os dois irmãos em temerosa espera!

Foi bem a tempo que o lenhador chegou,
porque Brichon já estava bem ferido
e o casalzinho, em seu medo incontido,
fugir dali nem ao menos atinou!...

Porém o pai por detrás se aproximou
e com o seu machado, desabrido,
o crânio do animal ficou fendido
e o urso negro no solo desabou!...

Foi ver primeiro se os dois estavam bem
e os abraçou, tomado de carinho,
para depois ir tratar do cachorrinho,

que agora arfava pelo chão também,
quinze feridas se esforçando por lamber,
de que o sangue não parava de escorrer!

Voltaram todos para casa, lentamente
e Brisquette os recebeu, muito aliviada,
nenhuma das crianças castigada,
no imenso alívio da situação presente!

Logo Brichon recuperou-se totalmente,
nenhuma troca foi de novo mencionada;
bem ao contrário, a criaturinha mais louvada,
quando seus donos encontravam qualquer gente!

Esta história em Lyon teria ocorrido
há muitos anos...  Provavelmente verdadeira
e não só lenda, como em tanta se promete...

Mas não passou muito tempo decorrido,
Brisquet ao urso esfolou, com mão certeira
e o pelo negro transformou-se num tapete!...

O HERDEIRO E O ESCRAVO – 01 NOV 15

O HERDEIRO E O ESCRAVO I

Entre temas variados, o Talmude,
a coletânea das tradições judaicas,
de permeio a doutrinas bem hebraicas,
para que aos israelitas mais escude,

com histórias de anjos nos ilude
ou folclóricas, um tanto mais prosaicas,
obras didáticas para as gentes laicas
ou de maior filosofia que se estude.

Entre estas, estão moralidades,
como exemplos de bons procedimentos
e algumas outras, de moral mais duvidosa;

também poesias de altas qualidades,
mas boa parte destes testamentos
nos brindam fábulas escritas só em prosa...

Entre os conselhos de procedimento,
a história do homem rico encontraremos
e a colocá-la em versos tentaremos,
para melhor ou pior contentamento...

Tal homem só tivera em seu alento
um filho único, a que procuraremos
em uma outra cidade e o acharemos,
onde os negócios tratava a bom contento.

O velho era viúvo e já adoentado:
comprara um escravo para administrar
os seus bens, que mostrou ser de confiança;

campos e gado deixara a seu cuidado,
com resultados ótimos a encontrar,
até melhores que de anterior lembrança.

Semanalmente, as contas lhe prestava
e quando o filho chegava de viagem,
os dois ficavam em vasta pabulagem (*)
e sua confiança o filho confirmava.
(*) Conversação amigável.

Mas quando o pai percebeu se aproximava
a hora de partir para a estalagem
de que não se retorna, enviou mensagem
para um velho tabelião em quem confiava.

E registrou um estranho testamento:
“Deixo meus bens para meu intendente,
com a exceção de um só para meu filho.”

“Ele que escolha a propriedade a seu contento,
pois sempre se mostrou bom e prudente:
tenho certeza de que achará o bom trilho...”

Ficou o escravo no maior contentamento
e deixando os negócios, apressado,
nem mal o seu patrão fora enterrado,
foi à cidade comunicar seu passamento,

levando cópia daquele testamento,
sendo nas mãos do rapaz logo entregado,
sem que o herdeiro tivesse contestado
as razões para um tal procedimento.

Mas quando o intendente o apressurou
para escolher o bem que lhe cabia,
pediu-lhe um tempo, para pensar bastante;

e o escravo prontamente concordou,
voltando ambos pela mesma via,
sem discutirem por um só instante.

O HERDEIRO E O ESCRAVO II

Foi o rapaz conversar com o tabelião,
enquanto o outro retornava a administrar,
muito contente, tudo a multiplicar,
já que era o dono de toda a produção!

E o tabelião manifestou a sua opinião:
que ao falecido tentara aconselhar,
mas seu desejo não pudera contrariar:
do testamento sem haver contestação...

Muito abalado, foi o jovem ao rabino,
que o conhecia desde quando era criança
e lhe indagou o que devia escolher.

Pois lhe disse o sacerdote: “Meu menino,
a vila inteira espantou-se com a mudança,
já que esses bens deveriam a si caber...”

“E todos acham que foi uma injustiça,
mas eu não sou do mesmo parecer...”
“Como assim?” – quis o rapaz saber.
“O senhor seu pai era homem de justiça...”

“E se o deixou empenhado nessa liça,
foi apenas para estimular seu proceder;
mas se não o pôde até agora perceber,
eu lhe darei uma resposta bem castiça...”

“Ora, decerto o senhor já se esqueceu,
que toda e qualquer propriedade de um escravo
pertence integralmente a seu patrão?...”

“O senhor seu pai um conselho bom lhe deu.
Se não o aceitar, as minhas mãos eu lavo:
o escravo é um dos bens!..  Aceite essa noção.”

“Escolha o escravo e tudo será seu,
como devia pertencer-lhe unicamente!...”
“É um excelente conselho, realmente,
mas meu pai, por que destarte procedeu?”

“Ora, o senhor longe daqui se estabeleceu,
para cuidar de compra e venda totalmente;
todos sabem que ali agiu bem lealmente
e que à vontade de seu pai obedeceu...”

“Ora, se o escravo lhe tivesse de entregar
todos os bens de seu defunto senhor pai,
poderia até nutrir mau pensamento

e de uma boa parte deles se apropriar,
que em tentação até o mais honesto cai,
e então causar-lhe vasto aborrecimento...”

Foi o rapaz com o rabino ao tabelião,
junto com ele o escravo, bem contente;
melhor que antes se portava o intendente:
de um bem apenas teria de abrir mão!

Mas escutou, para sua estupefação:
“Escolho agora o escravo aqui presente!”
E recebeu a noticia surpreendente
de ter de devolver tudo ao patrão!...

Mas demonstrou ser homem de boa paz,
recuperando logo a boa vontade:
sempre se dera muito bem com o rapaz!

Reconheceu-lhe, então, pleno direito,
continuou a administrar-lhe a propriedade
e toda a vida se lhe conservou sujeito!...

O HÓSPEDE ESPERTO – 2 NOV 15

O HÓSPEDE ESPERTO I

Chegou um jovem, após longa viagem,
na residência de um primo de seu pai,
que o recebeu com cortesia e então vai
a refeição oferecer-lhe da hospedagem...

Ora, ele tinha um pomar de boa contagem,
ótima horta e ovelhas, mas lhe cai
bastante mal calcular o quanto sai
a refeição, que não é dono de estalagem!

Porém forçado à hospitalidade,
serviu à mesa somente uma galinha
e cinco pombas, sem sequer um pão;

seus quatro filhos, com naturalidade,
à mesa se sentaram e logo a esposa vinha:
sete pessoas para a escassa refeição!

Naturalmente, quando o hóspede dormisse,
para uma farta ceia eles viriam
e ao fingimento não se constrangiam,
quando o pai disse ao rapaz que repartisse,

por entre os sete as vitualhas e as servisse,
decerto achando que a maior parte comeriam,
que ao hóspede as convenções obrigariam
a comer pouco, por vergonha que sentisse...

Porém o jovem a todos surpreendeu,
dando uma pomba para a mãe e o pai,
outras dando para as filhas e os filhos

e as outras duas, sozinho, ele comeu.
Só meia pomba para os demais vai,
bem natural repartição sem brilhos...

E embora todos se entreolhassem,
ninguém então se animou a protestar,
pois era o pai que o mandara partilhar
e pelo corte da galinha ainda esperassem!

Pombas comidas, como todos continuassem
com muita fome, mais ou menos a jejuar,
toda a família decidiu-se a contemplar
como as partes da galinha se trinchassem!

O jovem hóspede, sem fazer um comentário,
cortou as asas para as duas meninas
e deu as coxas para os dois rapazes;

e no seu gesto mais atrabiliário,
deu a cabeça e o pescoço, magras sinas
para o casal – na última das fases!...

E no seu prato colocou, bem satisfeito,
o corpo inteiro da galinha, que comeu
e com o osso da sorte, que escolheu,
espalitou os dentes bem a jeito!...

O hospedeiro achou-se no direito
(não de protestar, já que razão lhe deu
no momento em que a escolha ofereceu
a seu primo-segundo, ato imperfeito

de hospitalidade, pois queria constrangê-lo
a comer menos, ao ter de repartir),
mas de então satisfazer curiosidade

e assim lhe perguntou, com certo zelo:
“O que o levou desta maneira a dividir?
Foi por fome ou maior necessidade?...”

O HÓSPEDE ESPERTO II

“Senhor meu primo, muita fome eu tinha,
mas não foi gula que hoje me orientou
quando o senhor de partilhar me encarregou:
pensei fosse só a entrada que aqui vinha...”

“Mas com uma pomba cada par se alinha:
com sua esposa o senhor “três” completou;
uma pomba com suas filhas “três” somou;
a pomba e os filhos outros “três” continha...”

“Assim também eu deveria ser “três”!
Peguei duas pombas e completei a conta:
fiz o cálculo por doze e não por seis...”

“Deixei a soma exata dessa vez!...”
Um sorriso na família se desponta,
correspondente a hospitaleiras leis...

O primo velho em seco então engoliu,
sem querer lhe dar braço a torcer:
“Mas e a galinha?  Quer me esclarecer?
De que maneira à divisão se referiu?”

“Ora, é simples...  A solução surgiu
e é bem fácil de se compreender:
as coxas aos rapazes, já que irá manter,
cada um por vez, a carga que assumiu.”

“Dei as asas às meninas, pois irão casar
e desta forma para bem longe voar...
Mas completando a explicação que peça,”

“O senhor e a prima são a testa deste lar
e assim lhes cabe as decisões tomar,
portanto, dei aos dois essa cabeça!...”

A essa altura, estourou a gargalhada:
primeiro os dois rapazes, de uma vez;
depois a mãe, as mãos cobrindo a tês
e enfim o pai, em sonora casquinada!...

Depois as filhas, com carinha debochada,
se atreveram a rir, que a educação lhe fez
cuidar o rosto de seu pai, com sensatez...
Só então o hóspede, com a cara deslavada...

O velho riu bastante e disse à esposa:
“Vá trazer o cabrito e aquela torta,
mais um bom vinho da nossa despensa...”

E a senhora ergueu-se, pressurosa,
ainda sorrindo, já que não se importa
de pôr um termo a situação tão tensa!...

Terminou com alegria a refeição
e foi o jovem dormir tranquilamente.
Mas disse o pai: “Melhor termos presente,
tomando a ideia em consideração,”

“De que esse genro serviria à perfeição,
pois demonstrou ser bastante inteligente...
Fará sempre bons negócios, certamente,
para a menina mais velha é um partidão!...”

No outro dia, o rapaz foi viajar,
depois de simples presentes ofertar,
tendo incumbências em diferente parte...

Com um ditado, esta iremos completar:
Quem não conserva o melhor quando reparte,
Seguramente ou é tolo ou não tem arte!...

Quem parte e reparte
e não fica com a melhor parte,
ou é tolo ou não tem arte! – nos diz “velho deitado”!


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