terça-feira, 22 de março de 2016





EQUIMOSES – William Lagos, 2010

EQUIMOSES I  

As nossas tristezas, temores, cuidados,
são caleidoscópios de amores manchados,
cartas marcadas na vida presente,
sem outro querer que manter-nos cercados.

A grã maioria nem sequer os pressente,
que tais sentimentos têm força potente,
de nós se aproveitam, sendo alimentados,
mas chegam de fora, do mundo inclemente.

Apenas julgamos reais as tristezas
e lhes atribuímos motivos atuais,
externos ou internos, não importa quais sejam

e tudo é ilusão, só se assentam às mesas
e nós lhes servimos pedaços reais
dos sonhos da vida, que enfim nos aleijam.

EQUIMOSES II

Em tais desprazeres, febrentos, manchados,
esperam momentos dos que  descuidamos.
Em nossa fraqueza, até mesmo aceitamos
os hóspedes magros, sem vida, esfaimados.

Iguais parasitas, eles saltam, alados,
de alguém esvaziado ao qual acercamos,
do ombro de amigo, a quem consolamos,
e nos sobem às costas, sem grandes cuidados.

Às vezes, saíram das almas dos mortos,
de quem já não tiram qualquer nutrição,
pois tudo sugaram que deles podiam.

E lançam as âncoras no cais de outros portos,
na busca aleatória por embarcação
com carga melhor, que a seguir esvaziam.

EQUIMOSES III

Sedentos de orvalho, tão avidamente
se acercam de nós tais indesejáveis,
à cata de abrigo, locais agradáveis,
em que possam sorver a energia da mente.

Assim se apresentam, em trajar impecáveis,
como sendo de nós uma parte aparente
e nos bebem aos poucos, eficientemente,
vampiros em busca de presas saudáveis.

E assim que se esgota o inicial suprimento,
projetam na alma, com ardilosidade,
cuidados e penas que nem existiam

e o mundo encaramos à luz do tormento,
que esses seres nos trazem de indignidade
e nos levam a ver da igual forma que viam...

EQUIMOSES IV

Seu canto incessante nos tem enjaulado,
nos sugam por dentro e nos cercam de fora
tais entes malignos gerados no outrora,
que ao longo das eras apascentam seu gado.

À guerra e massacres nos têm liderado,
direto nas mentes nos cravam a espora
e quando uma vida se acaba no agora,
felizes se alegram na dor e em pecado,

que as almas libertas tão subitamente
já não servem de fato como seu alimento,
mas liberam também toda a mágoa que guardam

e são essas mágoas que acolhem, em quente
abraço materno de amparo potente,
no seio das almas que firmes albardam!  (*)
(*)  Arreiam.

EQUIMOSES V

No instante em que mágoas se soltam nos ares
em névoa a oscilar, quase a se dissolverem,
os hóspedes malignos já as vão recolherem,
em suas garras prendendo-as e em rudes esgares.

No início as conservam em seus paladares:
saboreiam  contentes até se amargarem,
usando-as depois a fim de incrementarem
no novo hospedeiro suas dores e azares...

Contudo, é um propósito tão somente inicial:
satisfeito o apetite e aguçado o tormento,
de quem parasitam, passam a fortalecer

a colheita de mágoas em seu berço irreal,
para soltá-las consoante seu mau julgamento,
para a um novo hospedeiro poder-se prender!

EQUIMOSES VI

E desta forma se redobram as tristezas,
que de alma em alma são reproduzidas,
as crias novas para outrem transferidas,
se o mundo percorrem sem cuidado ou defesas...

Mas depois de instaladas, com plenas certezas,
dentro em ti essas mágoas são reconstituídas,
vilezas forjando, dentro em ti concebidas,
tal e qual ainda fazem em quaisquer outras presas...

Sem elas, seríamos por certo melhores,
que são responsáveis pelo leque dos atos,
que até praticamos sem sabermos porquê

e geram em nós sentimentos piores:
nem ao menos são nossos, mas vêm dos contatos
com esses maus hóspedes que sequer alguém vê!

EQUIMOSES VII

Algumas vezes, de “demônios” são chamados,
já que esses seres só nos vêm atormentar
com “tentações” nos dizem provocar
e que nos fazem cometer tantos “pecados”;

mas na verdade, são bem menos consagrados
à tarefa fugaz de ao “inferno” enviar;
mais que tudo desejam é se alimentar
(e nunca foram para batalhas convocados),

porque de fato são criados por nós mesmos,
ainda que de outros também os herdemos,
com  bem mais certeza que bens materiais,

mas cuida! – não podem dominar-nos a esmos,
pois no momento em que os reconhecermos
sempre é possível expulsar esses chacais!

EQUIMOSES VIII

Eu os imagino como sendo as equimoses,
negras e azuis na pele de minhalma;
vão troçando de mim, tirando essa palma
de ao mundo montrar as minhas próprias poses;

mas as procuro encarar com grande calma,
pois medo e a raiva, até em pequenas doses,
lhes servem de alimento.  Mas te digo que as toses,
enquanto guardares em controle a tua alma!

Porque tais hóspedes podem mesmo ser expulsos,
depois que a mente os tenha controlado,
tranquilamente e sem exaltação!...

Desde que cortes todos os impulsos
que até hoje os mantêm alimentados
com o sangue vivo de teu coração!...

EQUIMOSES IX

Mas é preciso exercer certo critério,
que não se trata simplesmente de expulsar,
pois de algum outro poderão se alimentar
e contra a ética existe aqui atentado sério!...

E nem os podes soltar num cemitério,
porque os vivos vêm aos mortos visitar
e eles podem tais momentos agarrar
em que há tristeza real, sem refrigério.

Esses entes devem então ser isolados:
como a um câncer ter cortado o suprimento
de sangue e de emoção.  Sem energia vital

vão pouco a pouco morrendo de esfaimados,
exorcizados por teu próprio julgamento,
do qual o espírito é o teu mestre natural!...

EQUIMOSES X

São equimoses somente tais tormentas:
não cravam lanças no teu coração;
melancolias vistas soltas na canção
essas tristezas que conter não tentas;

esses períodos de indolências lentas,
difuso anseio por aniquilação
de todo o teu passado, essa emoção
com que teu ódio no imo peito esquentas...

E não te iludas, teus ciúmes não são teus:
toda a emoção pungente e dolorosa
foi promovida em ti por esses seres,

que a mente te habitam, tal e qual os meus
e assim te denigram toda emoção formosa,
pois só nas aflições encontram seus prazeres!...

EQUIMOSES XI

São equimoses os malévolos duendes
que te acicatam para mais fracassos,
que te chibatam para longe dos abraços,
que te impulsionam aos espinhos de que pendes

as mãos da alma, as cordas em que prendes
os pés do espírito, em venenosos laços,
olhos da mente em busca de maus passos,
lábios sem corpo com os quais ao outro ofendes...

Magro retorno por todo o sacrifício
com que buscas nutrir teus amos milenares
que à morte levam a todos os humanos,

que recompensam em franco malefício
todo o sabor adquirido nos manjares
devorados de ti!... E há tantos anos!...

EQUIMOSES XII

Mas cura existe para tais capetas,
só que é preciso que acredites neles,
pois tua descrença vem em favor deles,
quando saciam suas fomes mais diletas...

Não deixes suas ações serem secretas!
Dá nutrição às emoções mais belas
e não te deixes levar pelas procelas
que os tais insuflam com venenosas setas!

Mas sobretudo, não os leves muito a peito:
são reais, certamente, mas poder
possuem somente por teu próprio siso!...

Não tenhas medo deles, nem respeito
e busca o quanto te dará prazer,
pois não conseguem é suportar teu riso!...


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