domingo, 31 de julho de 2022


 

 

COLEÓPTEROS I -- WILLIAM LAGOS

 (Mae West, atriz do cinema mudo)

eu vou tomar um punhado de besouros

e fazer com todos eles batalhão:

na singeleza de meu coração,

serão soldados negros Perfilados...

 

e vou tomar alguns desses besouros,

fazer com eles contas de um colar:

vou perfurá-los e a meninas dar

esses colares de contas Quitinados...

 

tais como esses cascudos, eu conservo,

no mais secreto de minha alma pura,

milhares de besouros a Marchar...

 

sou general e sou também seu servo:

em sonhos negros a ilusão perdura

de que minha vida possa Melhorar...

 

COLEÓPTEROS II

 

Não sei como falecem os besouros

quando lançam os corpos tão redondos

contra o calor das lâmpadas, estrondos

tão leves quanto a perda de tesouros.

 

Estalam nos ouvidos, negros ouros,

pequenos seres de aspecto irreal,

criaturas de plástico, afinal,

cor-de-petróleo todos, bons agouros...

 

Posso entender que sintam atração

pelo fulgor da luz, que então os mata:

não é, afinal, o que fazemos nós...?

 

Porém suas capas forte proteção

lhes deveriam dar, na estranha data

em que se jogam à cor e morrem sós...

 

COLEÓPTEROS III

 

Quando se perde um tesouro verdadeiro,

mal se percebe -- não há uma ameaça,

desaparece num estalo, numa traça,

quase traição -- e some por inteiro...

 

Já os falsos tesouros, num berreiro

de estardalhaço se vão, numa trapaça,

como algo de importante que se esfaça,

na quente bruma de incerto paradeiro...

 

É por isso que a gente desespera,

por ter perdido algo sem valor

e nem percebe quanto valor tem,

 

ou só percebe, depois de longa espera,

haver perdido o verdadeiro amor,

que como bruma se esvaiu também...

 

COLEÓPTEROS IV

 

Esses rostos de besouros me perseguem,

enquanto escuto fibrilarem suas antenas:

são cachos negros que percebo apenas

quando o dia está claro e que me seguem.

 

Durante a noite, porém, certo é que neguem

sua nítida visão.  Furtivas cenas,

em que somem criaturas tão pequenas:

são apenas duendes que me ceguem.

 

Eu vejo seus cabelos na alvorada,

no entardecer e em pleno meio-dia

e até o ponto em que a elétrica energia

 

me permita perceber sua revoada.

Mas chega a noite e as antenas dos cabelos

somente enchem meus sonhos de desvelos.

 

COLEÓPTEROS V

 

Quando eles vêm, já é no entardecer

e se acumulam às centenas contra as luzes,

escaravelhos e besouros, quebra-luzes,

todos em busca do próprio falecer...

 

São assim as meninas: vêm perder

os anos de sua infância nos induzes

das cintilantes luzes e desluzes:

rapidamente se veem envelhecer...

 

Talvez digam que sejam mariposas,

estas damas da noite os seus besouros,

os gordos cafetões que assim sustentam.

 

Mas eu digo: escaravelhos são tais rosas,

esmagados aos pés os seus tesouros

nas calçadas da cidade que frequentam.

 

COLEÓPTEROS VI

 

Os olhos negros desses coleópteros

me contemplam em parda zombaria:

suas asas pretas de quitina fria,

recobrem élitros iguais aos lepidópteros.

 

Seu sangue é verde, embora o dos quirópteros

seja vermelho e quente; e eu ficaria

bem melhor se a tais morcegos me daria,

ao invés de ter amor por arqueópteros...

 

Mas sou assim: eu vivo no passado;

não no meu próprio, é certo.  Eu amo é esse

sobre o qual li, amor de arqueologia.

 

E me sinto no presente reencarnado

nesse esforço febril em que a alma cresce

na construção de si mesma noite e dia.

 

COLEÓPTEROS VII

 

se soubéssemos viver na Escuridão,

como fazem os morcegos, em Ultra-som

vencendo os obstáculos, com o Dom

de tantas coisas saber onde é que Estão,

 

mesmo sem vê-las, só por Sibilação

de gemidos cristalinos, seria Bom;

mas mesmo ao emitirmos igual Tom,

mal saberíamos interpretar Verberação.

 

Nós somos todos muito mais besouros,

sempre em busca da luz ao fim do túnel,

esquecendo o calor de nossos trilhos.

 

E é por isso que se esvaem nossos tesouros,

nessa busca incessante pelo lúmen

que a humanidade contagia nos seus filhos.

 

COLEÓPTEROS VIII

 

É assim que contra lâmpadas queimamos

as nossas carnes mais desprotegidas

que aquelas dos besouros, revestidas

dessa quitina em que nos contemplamos.

 

À luz do sol os rostos que mostramos

se refletem em tais capas, coloridas

pelos olhos das amadas mais queridas:

nesses amores todos nos queimamos.

 

Mais do que a luz do sol, os olhos delas

é que nos cegam bem frequentemente

e nos deixamos queimar, sem resistir.

 

Nossos olhos adejam como velas

e torramos a esperança redolente,

somente pela flama de um sorrir.

 

COLEÓPTEROS IX

 

Meus olhos te acalentam, persistentes;

Teus olhos me acalentam, dadivosos;

Meus olhos te perseguem, monstruosos;

Teus olhos me naufragam, consistentes;

 

Meus olhos te refletem, reluzentes;

Teus olhos me refletem, quitinosos;

Meus olhos semi-voam de elitrosos;

Teus olhos já flutuam, fervescentes;

 

Na luz desses teus olhos transparentes

em me reflito em sonhos de vitória

e até queria me adonar desses tesouros.

 

Mas capturo só os insetos insistentes,

e vejo ante meus pés montes de escória:

amor que eu esmaguei feito besouros.

 

COLEÓPTEROS X

 

Não sei porque eu vejo escaravelhos

lançar-se contra a luz iridescente,

queimar-se contra a vela incandescente,

talvez queiram morrer sem ficar velhos.

 

E vejo os velhos buscando dar conselhos,

numa lição aos mais inexperientes,

apesar dos lastimáveis e frequentes

embates que projetam contra espelhos.

 

Como é comum na vida que busquemos,

ao invés de seus dons mais permanentes,

seus reflexos mesquinhos e pequenos!

 

E nos jogamos contra espelhos, crentes

até o momento em que morrer nos vemos

contra essas fontes de luz opalescentes.

 

COLEÓPTEROS XI

 

Tomo nas mãos a pequena criatura

que cessa de espernear e finge morta,

nessa esperança que o desalento entorte

de que, por morta, seja tida impura,

 

ressecada por dentro, a casca dura,

sem mais valor nutritivo dessa sorte,

vaga esperança que o mau destino corta

e se furta ao pesadelo da tortura.

 

Sou como um gato para tal inseto,

que pensa ser em breve devorado,

mas só depois de malvada brincadeira.

 

Nele me vejo refletido, igual afeto,

que em seu exoesqueleto apenas queira

enxergar o meu rosto duplicado!...

 

COLEÓPTEROS XII

 

Qual o besouro se desvanece em vela,

o poeta se queima à luz da lua:

idêntica sua busca, em ânsia nua

de misturar-se à luz que se revela.

 

para os olhos da amada, luz de estrela,

me precipito, sem sair à rua:

é mais dentro de mim que o amor estua

e é mais por não a ver que a sonho bela.

 

Bem fundo ao coração, minha alma é pura

por mais que frases pareçam maliciosas,

sou negro nessa dor que me perdura.

 

Duro por fora, de carnes saborosas,

sou besouro também e a casca escura

esconde as asas limpas e sedosas...

 

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com

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sábado, 30 de julho de 2022

(Moderno Canal de Corinto, cortando o Istmo do Peloponeso)
  

AGESILAU DE ESPARTA 9 – 28 jan 2022

 

Nesse entrementes, Lisandro falecera

e Agesilau grande tristeza demonstrou,

mas descobriu que uma conspiração

contra ele Lisandro antes empreendera;

nessa ocasião um documento ele encontrou

que quebrar preconizava a Constituição;

uma traição seu velho amigo pretendia,

porém à tumba de Lisandro ele acudia

e com ele enterrou o documento,

sem sua memória manchar com tal assento.

 

Logo a seguir os conspiradores inimigos,

ao invés de punir, ele enviava

como governadores ou nomeava generais;

se fracassassem, seriam seus os tais perigos,

mas quem vencesse, seu valor comprovava

e com grandes honras os recebia nos finais;

contudo, seu amigo Pausânias foi banido,

por não impedir que fosse Lisandro ferido

e a seguir morto de Haliartos na batalha,

o seu rival honrando assim sem falha.

 

Ora, era o costume espartano ter dois reis,

mas seu colega Agesípolis era ainda

adolescente e pouco mais do que um menino;

com Agesilau deveria, consoante as leis,

alimentar-se em público; e após sua vinda,

conseguia influenciá-lo com algum mimo,

de forma tal que Agesilau tornou-se

senhor do poder e então voltou-se

para atacar Corinto, cujas muralhas tomou

e no mar também sua frota derrotou.

 

Em sua campanha no coríntio território,

Agesilau ignorou quando os Tebanos

vieram com ofertas, para pedir-lhe a paz;

em consequência, num combate meritório,

seu general Iphikrates derrotou os Espartanos

em Leuktra e a vitória sua petição desfaz;

os embaixadores só pediram a passagem

para Corinto, a paz sendo agora só miragem;

Agesilau lhes declarou que seu afã

de ir a Corinto permitiria só amanhã.

 

E no dia seguinte, fez os embaixadores

o seu exército em marcha acompanharem,

devastando de Corinto o território;

então os Coríntios, assolados de temores,

não se atreveram aos Espartanos enfrentar;

e aos embaixadores despediu de modo inglório;

então reuniu todos os sobreviventes

da batalha perdida e em marchas inclementes

levou-os a Esparta sob o pálio da desgraça,

só os dispensando ao entrarem em sua praça.

 

sexta-feira, 29 de julho de 2022


 

AMOR SÍNOPLE I – 25 JUL 2022 (*)

(*) A cor verde em heráldica.

(Rhonda Fleming, Hollywood Golden Age)

 

Recordo o título de uma canção que ouvi

de Country Music, mas que não lembro agora

do autor da letra ou melodia nesta hora,

simplesmente há muito tempo que esses vi.

Send me the pillow that you dream on, então eu li:

“Envia-me o travesseiro” em que demora

a tua cabeça e em que sonhos teus de outrora

foram gerados... Essa a razão por que o pedi.

 

Não sei se fui em tais sonhos incluído,

mas realmente isso em nada importa,

são sonhos teus e guardam teu calor;

sobre a almofada deitaste o teu ouvido

e a presença do tecido me conforta,

qualquer que fosse a razão de teu amor.

 

AMOR SÍNOPLE II

 

Amor em sendo amor não é egoísta,

porém tudo quanto é teu ele aprecia,

por breve fosse o tempo em que te via

por longo seja em que perdi tua pista.

Nesse tecido a tua imagem se conquista,

de certo modo ali entranhada ela estaria

e o teu perfume junto a ti dormia,

nele algo de tua mente ainda se avista.

 

Mas, por favor, não laves o travesseiro

antes que te disponhas a me enviar,

quem sabe a água cause grande estrago

e essas lembranças de que então me abeiro

desbotadas já estejam por lavar

e não partilhem comigo igual afago...

 

AMOR SÍNOPLE III

 

Quiçá o teu perfume ainda respire,

esse travo sutil de teus cabelos,

das faces que beijei em meus desvelos,

das ilusões de um sonho que ainda gire...

Mas sobretudo, que minhalma mire

os sonhos que tiveste, para eu tê-los:

nada haverá em sua trama que me fire.

 

Pois só queria era partilhar tua mente,

por mais que teu rosto vá distante

e certamente também nele irei sonhar,

nessa quimera de que nele estás presente,

que teu amor para mim seja constante

e que em teus sonhos de mim possas lembrar.

 

AMOR JALDE I – 26 JUL 2022 (*)

(*) A cor amarela em heráldica.

 

Alguma coisa me diz que é a força do destino

que nunca olhos azuis me olhassem com amor,

castanhos foram todos que me amaram com fervor,

seu brilho o peito a percutir-me como um sino,

que nele despertasse meus sonhos de menino,

que relembrasse da infância algum calor,

tudo esse tempo já olvidado e sem valor,

submetido ao peneirar mais fino.

 

Certo é que amei a olhos de outra cor

e que até mesmo me tenham acalentado,

mas nunca o amor foi neles revelado,

sem na verdade, provocarem qualquer dor,

quando esse olhar castanho é conquistado,

mas de meus olhos torna-se o senhor.

 

AMOR JALDE II

 

Talvez qualquer psicóloga comente

que eram castanhos de minha mãe os olhos,

recordando-me avelãs em seus refolhos

e por isso um olhar azul me descontente;

mas olhos verdes também espreitei frequente

e até mesmo naufraguei nos seus escolhos,

suas lágrimas a me cobrir de santos óleos,

mas tal amor nunca mostrou-se diligente.

 

Na verdade, explica-me a ciência

que toda íris contém só melanina,

toda castanha em sua pura natureza

e que olhar azul, com toda a sua potência

é só uma disposição que ao frio se afina,

por mais que os grânulos componham sua beleza.

 

AMOR JALDE III

 

Na verdade, mesmo a bela borboleta,

que em Castro Alves “zunia azuis as asas”,

se em microscópio a sua visão embasas,

mostra vermelha sua composição secreta;

porém olhar azul que o olhar afeta,

que em minhas próprias íris fez suas casas,

sobre minhalma realizou suas vazas,

por longo tempo na quimera mais dileta...

 

Mas nada resultou dessa intenção,

era só meu o amor que se irradiava

e o olhar azul somente me avaliava,

depois focado em nova direção;

foram castanhos os olhos que me amaram,

doces espelhos que jamais me desprezaram.

 

AMOR GOLES I – 27 JUL 2022 (*)

(*) A cor encarnada em heráldica.

 

Paixão existe mais forte que corrente,

a qual por nós escorre em turbilhão;

é muito mais que uma simples emoção

que de repente no coração se assente;

que o assentamento nos chega de repente,

a dominar a carne inteira em ilusão,

amor torrente em sua firme brotação,

que então nas veias escorre complacente.

 

Amor existe assim e busca-se esperar

que seja mais que a corrente caudalosa,

que por nós não passe e siga adiante;

a gente quer essa torrente segurar,

mais do que água é o sangue de uma rosa,

que de surpresa todo o peito encante.

 

AMOR GOLES II

 

O problema é que uma rápida paixão

depressa flui, por sua própria natureza,

por mais que seja a visão de tal beleza,

por mais que nos atinja a comoção,

esse amor logo se perde em combustão,

quente demais para nos trazer firmeza,

por demais avassalador em sua certeza,

nunca se deixa prender em nossa mão.

 

É amor de água e não do coração,

um amor adolescente que se esvai,

sem nos deixar de si sequer um ai,

amor levado pelas águas que lá vão,

toda torrente a descer por seu caminho,

mais um castigo de fato que um carinho.

 

AMOR GOLES III

 

Mas enquanto em nós está é onipresente,

cada fibra, cada célula invadida,

uma infecção que não pode ser vencida,

o antibiótico da paixão é inexistente,

inflamação a dominar-nos cegamente,

a mente inteira adormecida para a vida,

por transitória essa paixão de breve lida,

mas imortal, eterna e onipotente.

 

Mas quando cessa, deixando só um vazio,

esguio fantasma a nos acompanhar,

por entre nuvens de algodão nosso marchar,

essa paixão que corre como um rio,

em cuja margem ficamos, sem pensar

que nova chegue que nos possa dominar.