segunda-feira, 25 de julho de 2022


      

AMOR AZUL I – 22 JUL 2022

(Patricia Neal, Hollywood Golden Age)

 

Existe uma paixão igual que erva daninha,

bem fundo enraizada e difícil de arrancar,

que nem a morte a pode deslocar

e nem a vida com tudo quanto espinha.

 

É uma paixão por mulher tida rainha

ou por homem que costumam mencionar

como o príncipe encantado até o altar,

bebido inteiramente o fruto dessa vinha.

 

Mas nem sempre tal paixão nos traz sucesso,

que tanta vez esse objeto de desejo

simplesmente nos despreza ou ignora...

 

que tal paixão não seja a minha eu peço,

mas que possa dissolver-se em doce beijo,

sem que se esvaia seu vulto nessa hora.

 

AMOR AZUL II

 

Existe uma paixão azul que nos domina,

como a chuva se insinua sorrateira

e no próprio coração pinga em goteira:

talvez destino, talvez oposta à sina...

 

O peito humano, se para tal se inclina,

contraria o mesmo fado a que se abeira,

permite infectar-se a alma inteira

e nela nada enquanto o sangue mina.

 

O peito humano, se quiser desarraigá-la,

bem facilmente encontra alternativa,

em qualquer outro amor seguro, mas vazio.

 

O peito humano, caso busque superá-la,

permanece dia e noite em chaga viva,

ferve a lembrança qual caudal de um rio.

 

AMOR AZUL III

 

Existe uma paixão de caráter desconforme,

muito além de algum poder ou situação,

tecida em fibras de teu próprio coração,

que em suas angústias fielmente dorme...

 

Forte o bastante que a própria carne enforne,

em seu controle corporal toda a razão;

caso se achegue num beijo de emoção,

nada existe que a combata ou que a reforme.

 

Pois tal paixão não é somente do carnal,

ela é nutrida por sussurros de ternura,

mesmo depois do sexual posto de lado.

 

E tal paixão se faz flor nesse quintal

que planta a mente e ainda mostra sua doçura

em amor gentil após sua ânsia ter passado!

 

AMOR HELIOTRÓPIO I

 

Trinta anos se passaram até chegar o dia,

até que fui uma vez mais a procurar,

com toda a humildade que pude congregar

e supliquei então se de novo me queria.

 

Mas ao afirmar-lhe que amor se repetia,

sabia claramente que estava a me enganar:

as horas que passaram não podem retornar

e amor não se renova da forma que dizia.

 

Contudo, amor real deixa semente,

oculta às vezes na serapilheira, (*)

só é necessário afastar tal cobertura

 

desses anos em que diverso amor se sente

e lá no fundo encontrar a companheira,

para regá-la com gotas de ternura.

(*) Folhas mortas que cobrem o chão.

 

AMOR HELIOTRÓPIO II

 

Mas não é o mesmo amor da juventude,

quando o carnal nos era contundente,

em que o amor se fazia tão frequente:

quem pensar que o recobra só se ilude.

 

Passou o amor por tal destino rude,

que poderia falecer de tão doente;

amor guardou-se no hospital da mente

e na UTI sempre ocorre que algo mude.

 

E foram tantos os momentos de abandono,

em outros braços, em outros desenganos...

(Vieram filhos, talvez, de fonte alheia!)

 

Porém roubada a plantinha de seu sono,

pode de novo mostrar os seus reclamos,

em uma chama que incerta ainda receia...

 

AMOR HELIOTRÓPIO III

 

E no entretanto, se formos cuidadosos

e ambos quisermos provocar o seu retorno,

basta acatar tal amor de gosto morno,

sem esperar velhos momentos tão preciosos.

 

Talvez seja até melhor que esses ruidosos

fantasmas do passado, de seu antigo forno,

nem sejam mencionados em nosso entorno,

nem que esperemos instantes tão fogosos.

 

Porque esse amor pode de novo ser nutrido,

mas não o amor daqueles que viveram

nessas décadas atrás que repartiram.

 

É um novo amor no presente conseguido

pelos dois que a seu viver sobreviveram

e soprar limpa a velha flama conseguiram!...

 

AMOR GARANÇA I – 24 JUL 2022

 

A cada vez que te encontro pela rua,

sinto meu triste coração bater mais forte,

não inspirado por teu rosto ou por teu porte,

mas pelo aroma que só de ti flutua.

 

Se por acaso te achar um dia toda nua,

sem extrato comercial de qualquer sorte,

que teu perfume natural assim recorte,

no doce olor de quem primeiro sua,

 

eu saberei até que grau serás mulher,

sem o disfarce de falsos condimentos

e te amarei em bem mais doce desejar,

 

sem falsidade corporal sequer,

mas só o odor dos puros segmentos

dessa tua carne que inteira irei beijar!

 

AMOR GARANÇA II

 

Não é esta a vez primeira que em soneto

eu mencionei um tal perfume natural,

que sobressai do feminino corporal,

o verdadeiro feromônio mais secreto.

 

Justo esse olor que desperta mais afeto,

sem estar preso em um frasco de cristal,

que logo exala o suspiro seu final,

que não pertence de fato ao ser dileto.

 

Não sei por que teme a mulher seu próprio odor

e com desodorantes procura disfarçá-lo

ou com cosméticos vai buscar incrementá-lo,

 

quando algo falso assim persiste em tal amor,

todo o seu corpo envolto em fantasia,

ao invés de sua nudez que encantaria...

 

AMOR GARANÇA III

 

De forma igual é a máscara da face:

tanta vez vi a formosura de mulher,

que incremento não necessitará sequer,

assim coberta em seu tedioso impasse.

 

Tal maquiagem até impede que se abrace

o rosto puro que possui dama qualquer,

camadas de arremedo em malmequer

que ao bem-querer não permitem se beijasse.

 

Talvez disfarce as marcas conseguidas

pelo seu sobrepujar da juventude...

Mas cedo ou tarde o seu rosto irá lavar

 

e mais profundos se mostrarão sofridos

os sinais de sua vida em tempo rude

dessa traição com que pensava conquistar!

 

 

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