sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023


 

 

REPOUSO INCONTIDO 1 – 1º FEV 2023

(Ann Blyth, época de ouro de Hollywood)

 

Repousar eu queria sem ter perdas,

que o conteúdo do sonho permaneça,

que dessas tranças belas não me esqueça

e que possa ainda enredar-me nessas cerdas,

que não me envolvam as imagens lerdas

de um devaneio que queimar não cessa

as últimas lembranças dessa peça

que interpretei e que assim não herdas.

 

Repousar em quero tendo só as perdas

dos conteúdos dos olhos abertos,

que se esgazeiam contra o azul do céu,

 

mas que percorra tão só essas veredas

em que meus anseios estejam certos,

mesmo avistados só de permeio a um véu.

 

REPOUSO INCONTIDO 2

 

Bem reconheço que o desejado conteúdo

do mundo onírico para mim é influenciado

por tais leituras que tenha perlustrado,

a evolar-se de um livro em grito mudo;

mas não é de teor igual do mesmo estudo:

logo as damas da onirosfera têm pintado

bem diversos tableux que esse mostrado

por qualquer autor, a me servir de escudo.

 

Tomam os temas apenas e os transformam

nos elementos desse mundo que visito,

que não posso afirmar seja só meu

 

e as friezas da vida em breve amornam,

sem elemento a me deixar aflito,

com que pretenda partilhar do sonho teu.

 

REPOUSO INCONTIDO 3

 

Mui raramente o conteúdo do sonhar

permanece comigo em dia claro;

o que recordo evola-se do faro,

em breve pouco ou nada a recordar,

se estas cenas do novo significado,

cujo conteúdo não é bem preclaro,

ficam na mente por cada instante raro

quando os grilhões são soltos do acordar.

 

Bem em queria que pudesse influenciar

de forma bem diversa o meu viver,

mas não recebo de meus sonhos profecia,

 

nem suas quimeras me vêm acompanhar,

tampouco as hidras que me dão prazer,

contra os anelos com que o viver me perseguia.

 

LINGUAGEM INCONTIDA 1 – 2 FEV 23

 

Ao acordar, escuto só a linguagem

das coisas materiais que me rodeiam

e que em liames me prender enleiam,

que eu reconheça não sejam só miragem,

que ver não possa além dessa paisagem

de eucaliptos e xircas que me peiam,

de jumentos e cavalos que me arreiam,

da luz do dia a servir-me a beberagem.

 

Bem quereria que tudo fosse Maya,

que realmente não existisse o material,

nem que me achasse prendido ao temporal,

 

mas cá me acho envolto em Mahamaya,

nem me poder refugiar na ânsia do irreal,

sem que em desejos me afirmar recaia.

 

LINGUAGEM INCONTIDA 2

 

Durante séculos a ciência combateu,

nessa noção da pretérita ilusão,

que o imaterial preenchesse uma noção

e o espiritual em fantasia se perdeu;

veio a moção pela qual então viveu,

que a Natureza era a perfeita criação,

porém produto tão só da evolução,

sem divindade a que algures pertenceu.

 

Mas veio a quântica após a relatividade,

todas as coisas de pretensa solidez

não são mais que relativas vibrações,

 

perdido o tempo na astronomicidade,

somente o espaço em sua vasta vapidez

que a luz percorre já há tantas gerações.

 

LINGUAGEM INCONTIDA 3

 

Algumas vezes até consigo fazer ponte

entre os dois mundos diversos e rivais,

determinada visão de quânticas siderais,

prendendo ainda o visual em seu pesponte,

mesmo porque é a luz somente a fonte

de cujos reflexos interpretamos os sinais,

mas nada vemos senão espelhos materiais,

sobre os quais a vibração da luz remonte.

 

Nossos olhos só captam a impressão,

só avistada pelo cerebral quiasma

e onde mais é a imagem do sonho interpretada?

 

A luz da memória nessa novel palpitação,

enquanto a luz externa aos poucos pasma

e à luz do sonho se vê interpenetrada.

 

FOLHA INCONTIDA 1 – 3 FEV 2023

 

Quando uma folha de seu pouso cai,

abre uma fenda através do ar,

que então resiste, sem se querer cortar

e só ondulante então a folha vai;

de escaninho da mente a ideia então sai,

irá os condutos dos nervos recortar,

em faixas de sinapses mal se podem encaixar,

quando esse pensamento do novo ali recai.

 

Mas a folha que ondula suavemente

por fim acaba tombando em seu destino,

sua boda a celebrar com a serapilheira.

 

Enquanto a ideia é sacudida firmemente,

no fim restando só um núcleo pequenino,

a se tornar de outra ideia a companheira.

 

FOLHA INCONTIDA 2

 

Mas se do talo qualquer sumo escorre,

será mais denso que uma ampla folha,

que a resistência aérea mais recolha,

indo depressa para o chão que forre,

mas  o grumo da seiva assim não morre

pois sobre as folhas secas que então molha

um espaço circular aos poucos colha,

que a luz do sol só lentamente torre.

 

Enquanto a gota de ideia que invadiu

uma rede neural, já ali encontrou

essa umidade que lhe confere o sangue

e sendo tese, na anterior já se imiscuiu,

do conteúdo neural já partilhou,

ali contida sem se tornar exangue.

 

FOLHA INCONTIDA 3

 

Que mais convém, ser folha ou ser ideia,

com seus destinos iguais mas diferentes,

a ideia presa em tons subjacentes,

a folha ressequida após breve epopeia,

qual melhor adormecer nessa odisseia,

sem as doutrinas a dominar do dantes.

Se eu fosse folha em nada achar prementes,

só a triturar-me até fazer parte de aleia.

 

Porém se eu fosse uma ideia intrometida,

ingressando por um olhar ou por ouvido,

não poderia jamais ser apagado,

 

por mais longe permanecesse nesta vida,

por mais mil outros preceitos perseguido,

em mil neurônios dividido e aprisionado.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário