quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023


 

 

TEMOR NAUSEABUNDO I – 26 JAN 2010

 (Elizabeth Taylor & Judith Anderson)

É difícil compreender a própria mente,

enquanto a carne domina firmemente,

em hormonal esplendor, a inteira chama,

na qual pensamos como sendo a vida,

nessa conduta enzimática incontida,

em que o corpo manifesta e nos reclama,

de modo a controlar inteiramente

mesmo o que a si julga um ser inteligente.

 

Nada mais que lençóis de adrenalinas,

as múltiplas monções das endorfinas,

que nos acabam controlando cada ação,

enquanto a gente se ilude no pensar

em julgamento com o qual determinar,

quando é somente um refluxo de emoção!

 

TEMOR NAUSEABUNDO II – 26 jan 2023

 

E é mais difícil compreender a emoção

que nos pareça parcialmente sem noção,

por que sentimos um tão forte baque

no que se mostre desprovido de sentido;

ainda quando por ciúme acometido

ou no temor de que algo nos ataque,

é inteligível uma tal exaltação

ou a ansiedade de buscarmos proteção.

 

Mas quando é um temor intangível que nos vem,

igual premonição de um mal além,

por que tal coisa nos ataca incontrolada?

E quando a causa de tal coisa se procura,

somente uma razão se encontra impura

na quintessência túrgida do Nada.

 

TEMOR NAUSEABUNDO III

 

Segundo dizem, é a alma da mulher

que mais frequente elabora esse mister,

que uma suspeita no futuro premoniza

e de fato igualmente ouvi dizer

que o homem pode somente algo temer,

enquanto a mulher tem certeza do que a visa;

tão só suspeita poderá um homem ter,

mas a mulher saberá quanto prever.

 

Não sei se é assim. No fundo de minha mente

prendi os temores na minha jaula de defeitos,

a minha maldade qual pecado igual assente;

mas se acaso me vier premonição,

em geral hoje escuto seus preceitos,

por meio dela regulando cada ação.

 

TEMOR NAUSEABUNDO IV

 

Há muito tempo pequena voz escuto,

que me adverte: “Para ali não vai!”

e se a descuro, algum mal recai,

não suficiente para me causar luto,

mas o bastante para me trazer insulto:

quando a vozinha me avisou: “Não sai!”

da última vez que lhe descurei o estai,

um cachorro me mordeu sem mais indulto!

 

Assim a escuto agora.  Ou é preguiça,

não vou à farmácia ou ao supermercado:

Vou deixar para amanhã, é mais seguro.

Especialmente quando enfrento a liça

desse calor estival desordenado,

que ao sair à rua me atinge como um muro!

 

PSICOSSOMA I – 27 JAN 23

 

A tampa do piano abandonado

virou pista de skate para as moscas,

perdeu-se o brilho nas superfícies foscas,

e nem sequer enxergo-lhe o teclado,

que há muito já deixou de ser tocado

pelos meus dedos, perante muitas toscas

necessidades de mundéus e roscas:

quando o trabalho cessa, estou cansado.

 

E no entretanto, o milagre se renova

a cada vez que lhe levanto a tampa,

partem meus dedos em nova melodia,

logo a destreza em seu correr se escova

a morta música se ergue de sua campa,

qual um toque de condão que ressurgia!

 

PSICOSSOMA II

 

Com mais frequência hoje são meus netos

que se aventuram a no piano batucar,

raras vezes sequer mesmo a dedilhar,

mas são meu sangue e os toques são diletos;

em raras vezes lhes toco meus afetos,

canções antigas que antes pude decorar

ou que de ouvido busco ainda decifrar,

meus dedos a zumbir no teclado como insetos.

 

Ou então mais lentos, quando nota escapa,

antes que enfim eu decifre a melodia,

mas não a possa de imediato controlar,

sem escrevê-la antes nesse mapa

dentro da mente em que aprisione a harmonia

que os dedos possam ali sempre tocar.

 

PSICOSSOMA III

 

Menos ainda irei tocar um violino;

de fato, esse instrumento que comprei,

que um segundo adquirido há tempos dei,

para minha neta em carinho pequenino,

ao me dizer, com sua voz clara de sino,

que pretendia seu toque puro desvendar.

Às vezes, vem-me o impulso de tocar,

porém nem sei se sequer recordo o tino.

 

Porque instrumentos requerem atenção,

não só de tempo, mas sugam energia

e meus braços hoje cansam facilmente;

sabe-se lá quanto à poesia dou vazão,

redijo ao menos três sonetos cada dia,

teclas e cordas a abandonar impunemente.

 

FOGO INCOLOR I –28 JAN 2023

 

Quando partiu, eu me senti vazio,

literalmente oco, em grande parte;

do que havia em minhalma, vi destarte

afastar-se empós dela com meu cio.

Quase não lhe falei nada, mal um pio,

dela já tive na vida o que me farte.

pois já me havia decidido dar descarte,

que o amor sensual matara a sangue frio.

 

Mas quando assim se foi, em revoada,

partiram vinte ilusões, em correria

e me deixaram sem assim sentir mais nada;

pior ainda, partiram-me escondidas,

que amor fui procurar onde o escondia

e apenas encontrei saudades ressequidas.

 

FOGO INCOLOR II

 

Que não me entendam mal, está comigo

e se dispõe, com frequência, a conversar,

até seus lábios permite-me beijar

e ainda segura minha mão em gesto amigo;

porém o amor carnal não mais consigo,

declarou firme, sem nada negociar,

que seu corpo não pretendia mais me dar,

que seu ventre transformara num jazigo.

 

E desse modo ela partiu, sem ir embora,

que muitas décadas passaram, mas passado

não está o desejo que ainda sinto dela;

não é mais jovem, transformada já em senhora,

que permanece constante do meu lado,

mas para arroubos de amor seu peito gela.

 

FOGO INCOLOR III

 

O que fazer, se após a menopausa

veem somente no amor velho uma folia,

já descartada em função da biologia

e então criaram essa ficção da andropausa,

que de tantas ‘traições’ se torna a causa,

quando uma outra amor do corpo oferecia,

mas é traição que a cônjugue ofenderia,

a decorrência de uma ação que ela descasa?

 

Nem todos são assim, eu sou fiel,

porque acredito na afinidade espiritual

e diariamente faço amor nos versos,

porém às minhas saudades dou quartel,

ela presente, mas ausente do ritual

que faz dois corpos em um só conversos.

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