domingo, 31 de julho de 2011

MEMBRANA DE OSMOSE


MEMBRANA DE OSMOSE I
(Para Tânia Lefèvre)

Opaco
Fica meu coração, se não te encontro
Nas revoadas de rostos que me cercam
E que mastigo indiferente, naco a naco.
É como um caco
A busca abjeta por teu reencontro,
O esforço inútil para que me percam
Esses rostos que alvejo com meu taco.
Todavia,
Eles retornam, em vezo de insistência,
Impedindo que teu rosto sequer veja,
Quando tua boca para mim luzia.
Enfia
Minha alma nesse fio de tua dolência,
Para que sempre de ti perto eu esteja,
Que seja o terço que tua mão desfia.
Ou não esperes
Que fiel a uma só flor eu permaneça,
Por mais que o coração nunca te esqueça,
Acidulado no fulgor da nostalgia.

MEMBRANA DE OSMOSE II

Jóia partida
Essa lembrança feita de escarmento
Que, por ser nova, tanto mais magoa
Em plena lida,
Pois a outra vida
Que, entre meus dentes, servia de alimento
E que me sustentava, ainda que doa,
Se foi, perdida.
Já não consigo
Recompor a memória mais antiga,
Que me era grata e na qual me refugiava,
Qual em jazigo.
Porque, contigo,
Fui encontrar-me de novo, triste amiga.
Por que voltaste ao sonho que cantava
No meu abrigo?
Porque, agora,
É tua tristeza nova que percebo,
Teus olhos velhos já não mais concebo,
Nem nossa hora.

MEMBRANA DE OSMOSE III

Talvez viesse,
Coberta assim de inverno e primavera,
Depositar seu hálito e perfume
De mim no fundo.
Talvez quisesse,
Igual que eu, pôr cobro a tanta espera
E como a lua dissipar meu azedume
Em dom profundo.
Tratei-a bem,
Mas não dei margem a que nada me dissesse,
Por mais que parecesse apetecível
Um tal momento.
Senti, porém,
Querer lembrança de que nunca me esquecesse,
Furtivamente e em dom inexaurível,
Sem mais lamento.
Tudo se esvai,
Também se foi o instante de magia
E o pedido que fazer tanto queria
Nem sequer sai.

MEMBRANA DE OSMOSE IV

Tens as estrelas,
Cintilando ao final de cada dedo,
Mil gotas pálidas para meu albedo
Mas que não beijo.
E só de vê-las,
Desperta em mim a ânsia do segredo
Eclodir, num momento de reclamo
e então, planejo.
Porém se passam
As ocasiões, enfim, em veleidades
E o mais sublime permanece oculto,
Sempre selado.
Assim se embaçam,
Recamados de temores e vaidades,
Os minutos a negar o terno indulto,
De novo adiado.
E permaneço,
Ainda aguardando este meu julgamento,
Qual sentença prolatada ao sentimento,
Mas não te esqueço.

MEMBRANA DE OSMOSE V

Talvez quisesses,
Mais forte do que eu que te pedisse
Alguma forma de união ou compromisso,
Mas não pedi.
Quiçá não meces
Quão profundo é aquilo que não disse,
Quão faminto eu estou desse teu viço
Que não bebi.
Quem sabe até,
Exista em ti a mesma triste fome,
Revestida de incerteza e desvalia,
De imerecer
A antiga fé,
Gerada pelo fogo que consome
Inteiro o coração nessa mania
De se querer.
Não estás só:
A mesma fome e sede existe em mim
E desatar somente tu podes, assim,
O estranho nó.


MEMBRANA DE OSMOSE VI

Nascemos sós
E dizem que vivemos solidão
E que morremos ainda mais sozinhos,
Sem ter jamais
Sincera voz
Que nos entregue inteiro o coração:
Ninguém morre por nós, somos mesquinhos
Nos afinais.
Porém nem sempre
É o que acontece.  Há momentos delirantes,
Em que as almas entoam a canção
Do amor total,
Quando se lembre
Que metades a metades triunfantes
Se dispõem a partilhar o coração,
Em brilho astral:
Sempre há defuntos
Que, num desastre ou queda de avião,
Cantam uníssonos a última emoção,
Morrendo juntos.


MEMBRANA DE OSMOSE VII

Não te queimes:
Te quero assim tão clara como a alma,
Quero a ternura que brota de tua fonte,
Eterna e pura.
Não me teimes:
Evita as bronzeaduras.  Não há calma
Em deitar-se sob um sol que não mais conte
Velha candura.
Pois hoje o Sol
Deixou de ser o manso provedor,
Seus raios carcinomam sem piedade
Até a mente.
Desde o arrebol
Até o entardecer de meu ardor,
Também te calcinei, à saciedade,
Deliberadamente.
Para apagar de ti
O desejo de tua pele e teu odor,
Que ninguém prove idêntico esplendor
Que amei tão bem.


MEMBRANA DE OSMOSE VIII

Não dato
Os poemas que faço.  Atemporais
São os sentidos e a ti pertencem,
Que agora lês.
De fato,
Se são de amor ou versos surreais,
São para ti, mulher, se te convencem,
Se agora vês.
Não são
Mais que a lembrança dos dedos fugidios
Que me tocam as membranas cerebrais,
Em beijo leve.
E então,
Minhas meninges se inflamam.  São esguios
Os temas sussurrados e imortais
De quem se atreve
A transmitir
Os gritos e agonias do passado,
De tanto amor sedento e atribulado
Que viu fugir.


MEMBRANA DE OSMOSE IX

Equinocial
Este amor que pressinto a cada ano
Adiar-se mais um pouco, em precessão
Ou que então, se adianta.
Emocional
Sempre é a incerteza que existe neste plano,
Que se recusa a expressar tal emoção,
Somente canta.
Porque, no verso,
Não existe um verdadeiro compromisso,
Sempre o aedo possui mais liberdade,
Tragicômica.
Em fideicomisso,
Sem ser chamado a contas prestar disso,
Pode verter o que quiser, à saciedade
Supersônica.
Assim eu digo,
Refugiado por detrás de meu teclado,
O que não ouso dizer quando a teu lado,
Por medo antigo.

MEMBRANA DE OSMOSE X

Sempre busquei
Selar o vento e atrelar a chuva,
Os raios encilhar, frear trovão,
Mas nunca pude.
Acreditei
Tecer luar nos dedos de minha luva,
Cerzir de nuvens o meu coração,
Que tanto ilude.
No devaneio,
O mar é meu e sempre me obedece,
A poeira é ouro e o tempo é minha escada
Ao firmamento.
E quase creio
Que posso os deuses comandar por prece,
Mas só vejo de meus sonhos debandada,
Sem fundamento.
Se tais pendores
Sequer em mim consigo dominar,
De que jeito poderia conquistar
Os teus amores?


MEMBRANA DE OSMOSE XI

A prece é velha,
Como a poeira, dos passos levantada,
Pelos ossos em pó da multidão
Que me precede.
Baça centelha,
Como coágulos na areia pontilhada
Pelos neurônios esvaziados da emoção
Que nem se mede.
Mas sempre é nova,
Que as gerações se assentam em jazigos
E esquecem dos fantasmas que ressonam:
Mortos desejos.
E se renova
A cantilena vazia dos antigos,
A melopeia que os carrilhões entonam,
De mudos beijos.
Somente estalam
Os ataúdes carregados pelos filhos,
Incapazes de seguir por outros trilhos
E então, se calam.

MEMBRANA DE OSMOSE XII

Pois veio o verme,
Com uma coroa de rosas ao pescoço,
Tomou a guitarra e pôs-se a cantar rock,
No meu velório...
Estava inerme,
Ao ver subirem desse antigo poço,
Os fantasmas que me davam leve toque,
Em peditório.
Eram mulheres,
Há muito mortas nesse meu passado:
Talvez vivos os corpos, mas memórias
Morriam comigo.
Com seus talheres,
O verme retalhou-me lado a lado:
Serviu-se do banquete, quais histórias
De ogro antigo.
E eu só olhava,
Enquanto o corpo assim se decompunha
E esse corpo de que levo a mesma alcunha
Eu contemplava...

MEMBRANA DE OSMOSE XIII

Mas não que eu seja
Assim fixado em minha própria morte:
Eu sei que ela virá e não me abalo
E nem sequer
Que eu mesmo esteja
Preocupado com prematuro corte
Desses sonhos que no colo ainda embalo:
Velho mister.
Eu, simplesmente,
Continuo acalentando a zombaria
Desses valores que o mundo desejava
Que eu acatasse
E, calmamente,
Dou de mamar para os filhotes da ironia
E as setas só trocara de minha aljava
Depois que errasse.
Longe as estrelas,
Pois novas flechas lanço contra os montes:
De uma em uma criarei as pontes
De ilusões belas.

MEMBRANA DE OSMOSE XIV

Mas nas procelas,
Velho ou moço eu permaneço no timão;
Com a aorta amarrarei a direção,
Ao descansar.
Infladas velas,
Do vento a osmose a outros portos levará
E a membrana agrilhoada remará
Por sobre as ondas.
E as anacondas,
Ao invés de sufocarem meu pescoço,
Mentirão a meus ouvidos que sou moço
E insuflarão,
Em novas rondas,
Para tomar de tantos ventos energia
E fazer da tempestade estrela-guia,
Enquanto eu vivo.
Pois sei, enfim,
Por sobre as nuvens navegar contente,
Brilho de prata no olhar plangente,
Cantando assim.

MEMBRANA DE OSMOSE XV

No olhar de brim,
Eu mostrarei a todos o meu pasmo,
Na alegoria da luz feita em orgasmo,
Qual um jasmim.
Santo confim
Eu mostrarei de minhalma no santuário,
Cada tristeza instalada num sacrário,
Como um jardim.
Serei cometa.
A circundar tua mente com meu canto,
A retirar das faces o teu pranto,
Com meu ardor.
Serei esteta,
A enxergar o belo em teus defeitos,
A desculpar os piores de teus feitos,
Por meu amor.
E nessa chama,
Despertarei tuas mais recônditas memórias,
Tanto as mais belas como as mais inglórias,
Qual chuva em véu.



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