segunda-feira, 5 de setembro de 2011

ENVOLVIMENTO


                                  Imagem: http://harikrishnanp.wordpress.com/


   
ENVOLVIMENTO I

        EU BUSCO A ORLA
        subjacente a meus ideais secretos,
        a meus anseios tolos, mas diletos
        DE ESTAR CONTIGO.

        BUSCO A BAINHA
        dessa espada afiada que avizinha,
        brincando, da maneira mais mesquinha,
        COM MINHAS ARTÉRIAS.

        PROCURO A FÍMBRIA
        desses teus lábios cheios de ternura,
        um coágulo de amor na comissura:
        BASTA-ME A ORLA.

        PROCURO A MARGEM,
        sem que jamais me encha de coragem,
        sem me esforçar por ter qualquer vantagem,
        AO LADO TEU.

        E ENTÃO ALCANÇO
        tão somente o amor do meu fantasma,
        dessa mulher interna que me orgasma
        E ESTOU CONTIGO. 

        ENVOLVIMENTO II 

        EU FUJO A TI
        nessa doçura morna que me expande,
        nesse amargor saudável, delirante
        DE MAL-ESTAR.

        NÃO TE PROCURO
        por não querer enfrentar teu olhar duro,
        porque me sinto, afinal, tão inseguro
        DE CONQUISTAR.

        APENAS PENSO
        nesse palor que me reclama, imenso,
        em como poderia um som intenso
        ENGAIOLAR.

        TENHO PALAVRAS
        desde o fundo da garganta retinindo,
        que teus ouvidos não ficarão ouvindo,
        PORQUE ME CALO.

        POIS ENGASGADAS
        no meu palato sempre ficarão,
        sem serem ditas, porque recearão
        OUVIR TEU NÃO.

        ENVOLVIMENTO III

        EU BUSCO A NÁUSEA
        subjacente à minha busca ausente,
        à multidão de recuos, tão frequente,
        À DESANIMAÇÃO.

        EU BUSCO O ENJOO
        que se encontra em cada dia que eu escoo,
        em cada noite em que abandono o voo,
        SEM MAIS MOTIVAÇÃO.

        BUSCO A SANDICE
        que me faz recolher-me em minha tolice,
        antes que o tato aflore tua ledice,
        EM PERSPIRAÇÃO.

        BUSCO O MARASMO
        que me envolve nas nuances desse pasmo,
        que me emaranha na mulher que só fantasmo,
        NA IMAGINAÇÃO.

        NA ARQUEOLOGIA
        de todo vaivém, que em mim fazia,
        se corredores mortos percorria
        DA AUTO-ESCAVAÇÃO.

        ENVOLVIMENTO IV

        AFLORA AO PEITO
        o coro triunfal de meu despeito,
        as lavras longas desse extenso eito
        EM DESAPONTAMENTO.

        OLHO PALAVRAS
        redigidas por mentes semiescravas,
        que se rebelam ao se sentirem parvas
        DE ESGOTAMENTO.

        TERMINA O ASSUNTO:
        a ponta de meus dedos assim unto
        com suores de meu sonho defunto
        DE ATURDIMENTO.

        LAMBO MINHAS UNHAS
        com o sangue escorrendo sobre as cunhas,
        o ordálio sob o qual me testemunhas
        RESSENTIMENTO.

        RESTAM OS OVOS
        fervidos sobre a chapa desses povos,
        que se sublevam nos instantes novos
        DO ALUMBRAMENTO.

        ENVOLVIMENTO V

        ÉS GALATEIA
        a sombra do cinzel, branca epopeia,
        esculpida por minhas cinzas, assembleia
        EM LUZ AIROSA

        ÉS AFRODITE
        imaginada por quem mais te acredite,
        perturbadora a quem teu corpo incite,
        DE ESPUMA ROSA

        ÉS DIANA AINDA
        a caçadora de virgindade infinda,
        a lua de prata com sua foice linda,
        PUNDONOROSA

        PALLAS-ATHENA
        guerreira coroada de verbena,
        a padroeira insensível de minha pena,
        DEUSA GLORIOSA

        MAS TE QUERIA JUNO
        com quem me poderia tornar uno,
        por cuja ausência eu a mim mesmo puno:
        DOR RANCOROSA

        ENVOLVIMENTO VI

        NEM MESMO EU SEI
        até que ponto te lancei encantamento
        ou até onde foste tu que me lançaste:
        SEQUER PENSEI

        ATÉ JULGUEI
        que esse encanto real fosse sentimento,
        quando o sorriso sobre mim deixaste:
        OU ESPEREI

        ACHEI, TALVEZ,
        que brotaria de ti algo concreto
        e não fosse somente imagem minha
        QUE O SONHO FEZ

        SEM QUE ME DÊS
        nem a centelha de um amor secreto,
        nem a sombra mais tênue e mais mesquinha
        NISTO QUE LÊS

        E ASSIM EU FICO
        amando a imagem que criei em mim
        e que não poderá sair, enfim,
        DO CORAÇÃO

        ENVOLVIMENTO VII

        OUTROSSIM
        da vida é parte a geral reminiscência:
        não se pode viver em liberdade,
        NEM TER UM FIM

        EU SEMPRE VIM
        carregado de fatal inadimplência:
        dos sonhos que troquei por saciedade,
        SEM TER ASSIM

        O GOSTO APENAS
        de uma só vez ter chegado às minhas estrelas,
        de uma só vez ser acolhido pelas fadas,
        MÁGICAS CENAS

        POIS HÁ DEZENAS
        de descaminhos que conduzem até elas,
        mas me faltou combustível nas jornadas
        E A DURAS PENAS

        PUDE ATINGIR
        o cume das montanhas que alcancei,
        no qual não sei por quanto tempo durarei,
        ATÉ CAIR

        ENVOLVIMENTO VIII

        E EU PREFERIA
        ter conservado apenas a ilusória
        percepção que um passado amortecia,
        QUE MAIS QUERIA

        NÃO SENTIRIA
        traída assim a centelha da memória,
        na prata azul que a dor satisfazia,
        QUE ME ILUDIA

        E AGORA É TARDE:
        pois a imagem superpôs-se toda à antiga
        e nem recordo meu desejo e é isto
        QUE ME ARDE

        ASSIM ME ALBARDE
        as montarias um fictício auriga
        e então me afaste da memória o quisto
        QUE ASSIM ME ENCARDE

        A GENITAL TERNURA
        que foi antes tão doce na lembrança,
        mas que agora enxovalhou-me a esperança
        ANTES TÃO PURA

        ENVOLVIMENTO IX

        QUEM FARIA
        morta lembrança retornar à vida?
        após um terremoto de vivência oculta,
        QUEM NOS DIRIA?

        QUEM NOS DARIA
        reincidência real desta perdida
        saudade inglória que a tanto nos indulta,
        QUEM SABERIA?

        E ENTÃO, RETORNA
        e a vida se faz luz iridescente,
        no rosicler intermitente da esperança
        DA AURORA MORNA.
        
        E SE CONFORMA 
        com o véu escuro, apenas transiente,
        que a vida nova não é mais lembrança
        E ENTÃO SE ESTORNA

        DE FORMA TAL
        que essa memória que à vida retornou,
        já se diluiu, no momento em que mostrou
        SEU ROSTO ATUAL.

        ENVOLVIMENTO X

        SEM TI
        minha vida é feita de aridez somente,
        mas sei que existe e isto é quanto basta
        NO MEU AQUI.

        POR TI
        eu queimarei a vida indiferente,
        destroçarei quanto de ti me afasta,
        POIS TE PEDI

        FICASSES
        sempre a meu lado até chegar o fim
        e mataria os teus dragões com a lança,
        SE ASSIM ME AMASSES.

        E SE CANSASSES
        de me escutar a dizer coisas assim,
        se apagaria o quanto a vista alcança,
        SE ME DEIXASSES.

        PORÉM
        sinto tua mente comigo neste dia
        e do casto candor canto a elegia,
        HOJE TAMBÉM.

        ENVOLVIMENTO XI

        HOJE NEM SEI
        se tua presença alegria me traria.
        pássaros mortos no rubor da espera
        JÁ NEM SONHEI.

        MAL ME ACORDEI
        com toda a falsa luz da melodia,
        vendo a esperança uma esperança mera
        QUE NEM TENTEI

        CONCRETIZAR
        em lágrimas de cor o meu talento,
        desperdiçado em rumas de papel,
        SEM MAIS LUGAR.

        SEM REPASSAR
        a consequência vã do apropriamento,
        adjudicado no teor de um só cartel
        DO IMAGINAR.

        EM CONSEQUÊNCIA
        a vida toda transformada em anel partido,
        por mais que o sonho tenha perseguido
        COM IMPACIÊNCIA.

        ENVOLVIMENTO XII

        QUANDO EU TE VIR
        toda vestida do rosado de tua pele,
        (mas que somente teu sorriso te desnude)
        E TE SENTIR;

        QUANDO EU OUVIR
        um sussurro que à morte minha apele,
        (sem nenhuma barreira que me escude)
        E ME ESVAIR;

        A MENTE DÓI,
        só de pensar que nunca aconteceu
        matar por ti o mais feroz dragão,
        SEM SER HERÓI.

        A MENTE RÓI
        de misturar o teu perfume com o meu,
        de te inserir bem fundo ao coração,
        QUE O TEMPO MÓI

        ESSA LEMBRANÇA
        da flor azul que transplantei um dia
        e que no fundo de ti cresceu esguia,
        QUAL A ESPERANÇA.


    

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