terça-feira, 17 de janeiro de 2012

ASLAN


ASLAN I (28 OUT 2011)

Os palácios e as mesquitas de Istambul,
em sua realidade altissonante,
não foram realmente o que esperava.
Só vi por fora essa Mesquita Azul,
talvez por dentro seja deslumbrante;
achei simpático o prédio que se alteava,
        com seus mosaicos.
Fabricados em Iznik, já famosos,
na opulência dos seus seis minaretes,
a única a ostentar tantos no Islão.
Seus alpendres exteriores são formosos,
revestidos de miríade de confetes
e os rendilhados de cunho cristão,
        bastante arcaicos.

Já a Mesquita de Rysten Paxá,
projetada por Sinan, o arquiteto
de Suleiman o Magnífico, tem graça
tipicamente islâmica e lá está;
Beira o Grande Bazar, tão indiscreto,
o maior souk do mundo, junto à Praça
        do Sultão Ahmet.
Rysten Paxá era só o Grão-Vizir
do grande Suleiman, mas fez erguer
essa grande estrutura por piedade,
conforme seu constante proferir,
mas seu motivo para tanto dispender
não mostrava devoção e sim vaidade,
        que Alá o aceite!...

Sentado em banco junto à lateral,
vi, no entretanto, a cena comovente
desses fiéis lavando mãos e pés,
após o rosto, antiquíssimo ritual,
observado há séculos pelo crente,
decerto herdado de mais antigas fés
        do velho Oriente.
Existe aquela fila de torneiras,
com assentos dispostos a intervalos.
Descalçam os sapatos, tiram meias,
lavam-se bem na água, quais ribeiras
e se calçam novamente, sem regalos.
Por que sujar os pés noutras areias
        do chão ardente?

Mas o bando de turistas e infiéis
não é aceito na hora da oração.
É uma honra partilhar de tal segredo,
são aos crentes reservados tais farnéis.
Que aguardem estrangeiros no portão!
De um fiel mendigo vale mais um dedo
        que os reis descrentes.
E permanecem assim, sob as arcadas,
sem pedir bakshish, porque é proibido...
Só vi em Istambul uns três pedintes:
duas velhas com seus dentes desfalcados
e um garoto, sorridente e atrevido,
insistindo em receber, com mil acintes,
        nossos presentes.

ASLAN II

A Mesquita de Eyip é a mais garrida
e contém a sacra tumba do sultão
do mesmo nome, que foi porta-estandarte
do Verdadeiro Profeta, na investida
que pelo mundo difundiu o Islão
e aqui morreu, lutando por sua parte,
        Eyip El-Ensari.
Quando tentaram tomar Constantinopla,
do século sétimo ainda ao decorrer.
Bordos antigos e pombos nessa praça...
É o terceiro mais sagrado, diz a copla,
dos santuários do Islão a percorrer,
após Jerusalém e a imensa graça
        que em Meca paire.

Em Miniatirk se veem as miniaturas
de otomanos e mouriscos monumentos,
de todo o mundo que abrange o Islamismo,
emolduradas por essas rochas duras,
albergando os mais antigos sentimentos
de santuários do próprio Cristianismo
        de antecessores.
E de permeio aos belos dioramas,
ainda se veem representações humanas,
judeus em sinagogas, cavaleiros,
vendedores de flores (e de chamas),
bizantinos a usar togas romanas,
ferroviários, popes e guerreiros,
        velhos senhores.

Existem mais centenas de mesquitas,
porém fechadas a todos os descrentes.
O plástico a envolver os seus sapatos
não impede que dessacrem frases ditas.
E não gostam sequer que estranhas gentes
olhem de fora para tais recatos:
        rompem as preces.
E Alá não ouve os rogos que lhe fazem,
é preciso começar tudo de novo.
Mas a cidade é bem mais cosmopolita,
dedicada ao comércio que lhe trazem,
aos lucros dos turistas para o povo,
que a teu redor, com avidez, se agita,
        se às praças desces.

E nos museus escondidos nas mesquitas,
mostram-se armas de soldados otomanos,
suas armaduras e, em três dimensões,
um ator convocado de suas fitas,
para vestir-se qual em antigos anos,
às escondidas a zombar das multidões
        de mil viagens.
Noutro museu há condecorações,
as comendas, coroas e turbantes,
um conjunto de jóias valiosíssimas,
e lá no meio de tais ostentações,
esse que chamam rei de todos os diamantes,
lapidado de suas gangas antiquíssimas,
        em fiéis clivagens.

ASLAN III

Porém nada seus palácios me despertam,
em neoclássico estilo de imponência,
nem otomanos, nem tampouco bizantinos,
somente cópias que ao Islão desertam,
belos exemplos de arquitetural sapiência,
imitando de europeus os desatinos
        sem majestade.
Como museus, certamente têm valor,
mostram milhares de lustres e jarrões,
vindos da Europa, da China e do Japão,
mais um retrato de ínclito esplendor
da Rainha Victoria, que vastidões
do mundo inteiro dominava então,
        em austeridade.

Em Beylerbeyi Sarayi há dois leões,
guardando a entrada, bem autoritários,
contra turistas mal-intencionados.
O Salão Mavi comporta multidões,
contidos gestos mais atrabiliários
por postes e festões bem colocados.
        Que nada quebrem!
Há centenas de degraus em escadarias,
mas não se pode tocar no corrimão,
nem se pisar na beirada dos tapetes.
Por que recebem em suas alvenarias,
por que lhes abrem à visitação,
por que lhes mostram haréns e gabinetes,
        se eles se atrevem?

São as colunas de estuque revestidas,
parecidas até com escariola...
E a andar tão depressa precisamos
que não há tempo que sejam percebidas
marchetarias com que o forro se enrola,
por entre afrescos que nem observamos
        pois nos apressam.
Estão chegando já outras excursões,
os estudantes demonstram disciplinas,
passarinhos em uniformes escolares,
contendo assim suas manifestações,
abafadas no veludo das cortinas,

entre os mármores de sonhos tumulares,
        que ver não cessam.

E os guardas, soturnos em seus ternos,
que nem sabem, talvez, o que é sorrir,
nos contemplam com ar reprovador.
Meus galhofeiros espíritos internos,
estimulados por seu vesgo perquirir,
decididos a reagir com mais vigor,
        fizeram-me tocar
nas superfícies de lustro proibido,
nas maçanetas lembrando camafeus
e nesse estuque azulado e de mau gosto.
Ninguém me repreendeu por incontido:
deixei a marca destes dedos meus
nesses lugares em que os havia posto,
        só por zombar!...

ASLAN IV

Não nos levaram para o túnel ver
nem a piscina de Sari Koshqui,
mas lá se ergue Dolmabáhtche também,
com suas fontes de cisnes a verter.
Yeditepe, contudo, eu nunca vi,
mas seu sopé ainda avistei, porém
        só da janela
dessa van que nos levou até a ponte,
para cruzar ao outro continente.
Por breve instante a Ásia visitei...
(Talvez seja melhor que até nem conte.)
Vi a Torre de Leandro ao sol poente,
onde Hele se afogou, mas nem cheguei
        a ver sua estela.

Contudo, fui até o Topkapi...
Mais salas e tapetes, mais escadas,
esses quadros pelos longos corredores,
mas que apenas de passagem entrevi.
Não dava tempo, nas marchas apressadas,
em que turistas ofegavam estertores,
        seus pés em dores.
Houve excursão ao longo desse mar
chamado Mármara Denizi, mas de fato,
foi apenas pelo Bósforo e o Dourado
Chifre, o turco Halítche, a navegar.
Sobre o Mármara não houve real contato
nem o Mar Negro foi tampouco navegado,
        por maus pendores.

Duas barcas de egípcias enfeitadas,
cozinhas permanentes sobre o mar
e as fileiras sem fim dos pescadores,
sobre as pontes, recobrindo as amuradas,
as longas linhas parecendo velejar,
nesse velho festim dos moradores,
        vastas miragens.
E outras pessoas, ansiadas por vender
roupas de couro, valor inflacionado,
um rapaz e duas moças os modelos,
sem o lucro conseguir satisfazer
com este grupo pouco endinheirado,
endividado até os seus cabelos
        pelas passagens...

E enfim, na bela loja de tapetes,
o proprietário até falava português...
E se esforçou a mostrar o seu estoque,
um após outro, superpostos leques.
Até inclinei-me a tornar-me seu freguês,
mas como iria levar tapetes a reboque
        por meia Europa?
Mas realmente, o que me comoveu,
foi um DVD a mostrar banda marcial,
que só assisti uns quantos dias depois...
Tive saudades do que não aconteceu,
de ver Constantinopla ao natural,
de ter Bizâncio só para nós dois,
        qual vinho em copa...


Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
Edição e postagem: Andréia Macedo

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