domingo, 16 de setembro de 2012

ALFARRÁBIOS & COCLEIAS E QUIASMAS





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ALFARRÁBIOS I 

Este é o problema com o conhecimento:
que sempre é insuficiente e quanto mais
se percebe obtido, é que jamais
nos satisfaz inteiro o pensamento.

Foi a insatisfação do julgamento,
tal qual se encontra escrito nos anais,
que provocou as decisões fatais:
e o Paraíso perdemos num momento...

Pois conhecemos tão só imperfeitamente:
é muito fraca a luz destes fanais
e tal saber não passa de inexato.

E não busco mais saber, honestamente,
pois quero conhecer, mas não demais,
por não saber quão pouco eu sei, de fato.

ALFARRÁBIOS II 

Contudo, saber pouco é perigoso,
pois se pensa que se sabe muito mais:
não se admite não saber jamais...
O ignorante mostra-se orgulhoso

desse pouco que sabe e até vaidoso,
por enganar a si mesmo e aos demais.
Pois sabe que não sabe, mas naturais
são as desculpas para quem é ardiloso...

Pois quem não sabe, pode até reconhecer
para si mesmo como sabe pouco,
porém racionaliza que ninguém

pode, de fato, mais que ele saber...
E quem sabe um pouco mais, então é louco
e não lhe dá mais valor do que ele tem.

ALFARRÁBIOS III

Assim é que se embasa na experiência
que diz possuir.   Cursou "a faculdade
da vida", no que mostra sua vaidade,
esfarrapada no crivo da consciência...

Antigamente, afirmavam, tal sapiência
vinha da "escola da vida", em realidade.
Os tempos mudam, hoje é a universidade
que afirmam ter cursado, sem frequência...

Mas quase todos, em geral, se iludem:
porque a vida igualmente me mostrou
quão pouca gente aprende com sua vida.

Porque seus próprios erros não entendem
e se percebe que nenhum deles mudou,
pois sua experiência quase nunca é ouvida...

ALFARRÁBIOS IV

Mas olhando o meu passado, agora eu sei
que adquiri algum conhecimento,
que aos poucos transmutei em julgamento,
que em certos pontos, ao menos, eu mudei.

Vivi meus erros e, aos poucos, aceitei
essas lições colhidas num momento.
Meus erros repeti, a meu contento,
mas em acertos, passo a passo, os transmutei.

Eu sei que me transformo pela vida,
enquanto os outros vejo sempre iguais,
pois faço hoje o que antes não fazia...

E a coisas que já fiz, dei despedida,
mas no fundo, não difiro dos demais,
pois se assim fosse, nada mais transformaria.

ALFARRÁBIOS V

Pois tal conhecimento não ganhei
de conseguir parar de transformar-me.
Talvez descubra, para meu alarme,
ser este o erro maior por que passei.

Minha experiência não foi que transformei
em crivo ou em padrão para adequar-me
ou em modelo ao qual possa comparar-me:
olhando para trás, sempre mudei...

E quem me diz que mudei para melhor?
Erros antigos parei de cometer,
talvez somente em câmbio de erros novos...

Restos ficaram em mim do que é pior,
que me esforcei em vão por combater
e que arrancados, crescem em renovos...

ALFARRÁBIOS VI

E reconheço assim o impedimento
para obter-se real sabedoria.
Só consegui desposar a ironia
que está por trás de um falso julgamento.

Sempre a encarar cada acontecimento,
por pior que fosse o que me acometia,
com uma mescla de sarcasmo e zombaria
pela desgraça ou triunfo de um momento.

Pois do triunfo sobrou só o conhecimento
de tal instante que relembrar já sei:
logo a seguir se deseja outro começo.

Mas das derrotas há constante pensamento,
cada uma delas mil vezes relembrei,
muito mais do que queria e nada esqueço...                   

COCLEIAS E QUIASMAS I 

Eu vou pedir passagem por teus olhos
e bater, discretamente, em tuas pupilas,
que são da mente as mais fiéis ancilas,
pois quero entrar de tua mente nos refolhos.

Serão tuas lágrimas iguais aos santos óleos
da minha extrema unção.  Extensas filas
de serafins, vivendo em simples vilas
nos canais lacrimais, cujos escolhos

já tantas vezes me naufragaram a entrada.
Mas de novo insistirei, para tua alma
transformar em minha perene habitação.

Percorrerei o córtex, na longa caminhada
e em teu tálamo me deitarei, em plena calma,
a regular-te, gentilmente, o coração.

COCLEIAS E QUIASMAS II 

Porém, se nas tuas órbitas me apego,
sou irritante de teus dutos lacrimais
e tuas lágrimas me expelem, discordiais,
pois não me dão acesso nem sossego!...

Pelas tuas faces, levemente, esfrego
meus pensamentos em lentos festivais;
teus sentimentos não aquecem meus fanais
e as ilusões que eu queria não te lego.

Porque teus olhos, que eu amava tanto,
centelham anticorpos para mim,
a rejeitar-me, fluindo em plena calma...

E assim percebo, para meu espanto,
quantos venenos que me dás assim,
igual que fungos a devorar minha alma!

COCLEIAS E QUIASMAS III

Pois então, me ocultarei em teus ouvidos,
protegido por teus róseos pavilhões,
a escutar de teus ecos multidões,
até os tímpanos, de vibrações feridos...

E assim eu me exporei aos golpes tidos
por três ossículos, em constantes mutirões.
Fujo ao martelo e à bigorna, em percussões,
porém me abrigo nos estribos mais queridos.

E neles, trapezista, me balanço
para o interior desse teu labirinto,
em que talvez me perca eternamente...

Mas se a cocleia finalmente alcanço,
eu subirei por teus nervos, pois me sinto
qual um sussurro enrodilhado na tua mente.

COCLEIAS E QUIASMAS IV

Como um sussurro, na cocleia me apresento,
como um lampejo apenas no quiasma.
O meu murmúrio, de leve só, te espasma;
numa centelha, em teu olhar me adentro.

Sobre teu córtex eu tomo o meu assento,
qual obsessão perene de um fantasma.
Mas só tua mente racional se pasma
e minha impressão esvai-se como o vento.

Como eu queria chegar ao mais profundo
desses teus sentimentos e me instalar
como perene e fúlgida emoção!...

Mas entre as redes neurais eu me confundo,
por mais constante que seja em conquistar,
uma por uma, tuas grutas de ilusão!...

COCLEIAS E QUIASMAS V

Talvez devera ter seguido outro caminho
e te invadir os centros hormonais...
Ou pela hipófise ou nas suprarrenais,
para te abrir o coração, devagarinho...

E de endorfinas te encheria, com carinho,
e acionaria tuas percepções neurais,
de dentro para fora, em naturais
canções de amor, a descrever sozinho

visões de amor para teus olhos cegos...
E desse modo, o labirinto acionarei,
a provocar em ti qualquer tontura,

que no futuro não te dará sossegos...
Seres tonta por mim te obrigarei,
na mais completa e mais real ternura.

COCLEIAS E QUIASMAS VI

E assim passagem não mais te pedirei,
por me encontrar em ti inteiramente.
Todas as glândulas eu te influenciarei,
serás escrava minha, totalmente.

Porém não te revoltes, que estarei
inserido em teu ser completamente.
Sair nunca jamais conseguirei,
só brotarei de teu seio qual pingente.

E assim, eu nunca mais te perderei,
porque a mim mesmo nunca perderás,
já que em tua alma serei profundo cravo,

pois quanto existe em mim eu te darei
e para sempre te conservarás
escrava minha, de quem me fiz escravo.


Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.

 




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