domingo, 30 de setembro de 2012

LIBERDADE & SUBSERVIÊNCIA


                                         Imagem:www.google.com.br/imgres

 
LIBERDADE I 

Contemplo como voam os albatrozes,
sua revoada livre, em aparência...
Como os humanos aguardaram, com paciência,
o tempo de imitar pairantes poses!...

Sem perceber que apenas são algozes,
o seu pairar não mais do que indolência,
enquanto aguardam dos peixes a aparência,
para caçar com bicos ágeis e atrozes...

Porque os pássaros não são livres, realmente.
De sua fome são escravos permanentes,
por seu imenso consumo de energia...

E quando pairam nos ares, simplesmente,
só economizam os seus remanescentes:
comem dois terços de seu peso a cada dia!

LIBERDADE II

Além disso, dependendo da estação,
a maioria é forçada a obedecer
ao impulso de outras plagas conhecer,
seguindo instintos, sem qualquer razão.

De certo modo, mais livre é esse pavão
ou o canarinho, por alimento ter.
Alpiste suficiente e até para beber
um recipiente colocado em sua prisão.

Comem menos e, por certo, vivem mais
que nessa luta diária por comida.
Ou quando adejam, a beber de um rio,

na exposição a predadores naturais,
sua melodia num instante interrompida,
como quentes refeições em dias de frio...

LIBERDADE III

Que liberdade, então, a Natureza
concede a esses belos passarinhos?
A liberdade de vigiar seus ninhos
contra qualquer inimigo, com certeza?

A obrigação, confundida com nobreza,
de minhocas ir buscar para os filhinhos?
Sua liberdade, cerceada por espinhos,
em habilidades de genética proeza?...

Ou quem sabe, é a pura negligência
de soltar os seus dejetos ao acaso,
sem se importar onde o guano se desfaça?

Diria mais ser um sintoma de impotência,
pois será liberdade esse descaso
de defecar em cima de quem passa?

LIBERDADE IV

E contudo, como é belo o seu voar
sobre as águas do oceano matutino...
Mil estrelas refletem o destino
que o Sol prodigaliza em seu raiar...

Coroa de diamantes a espalhar,
em cada onda, ao vento peregrino,
cada marola ou crista um brilho fino
que nenhum albatroz quer devorar...

Somente nós aprendemos a voar
e escolhemos o destino.  O albatroz
se vê forçado a voar aonde precisa.

Mas mesmo sendo maquininhas de matar,
nada destroem, com indiferença atroz,
senão aquilo que à permanência visa...

LIBERDADE V

Afinal, mal descoberta a aviação,
já os humanos inventaram bombardeiros...
Ou davam tiros de pistola, nos primeiros
monomotores de incerta construção...

Mas é preciso lembrar que a criação
não determina aos pássaros ligeiros
viver com inocência... Bandos inteiros
se reúnem, a atacar sem compaixão,

os invasores de seus campos de caça.
Não se dão bem albatrozes com gaivotas...
Nem são fragatas irmãs dos pelicanos...

Condenar somente a nós é uma pirraça:
são assassinos os bandos de cocotas,
bem mais ferozes que a maioria dos humanos...

LIBERDADE VI

Por um lado, os albatrozes são lixeiros:
comem dejetos lançados por navios...
Não podem ter os estômagos vazios;
para morrer de fome são ligeiros...

E pela terra os pássaros, certeiros,
comem insetos em continuados fios,
mais eficientes do que os desvarios
dos agrotóxicos lançados nos terreiros...

Mas liberdade, que é bom, eles não têm:
apenas fazem o que a Natureza manda,
como se fossem por ela programados.

Enquanto muita escolha se nos vêm,
mesmo que seja nada mais que a branda,
tranquila fuga para sonhos encantados...


SUBSERVIÊNCIA I

Expus os meus segredos à luz de cada estrela,
verdes, azuis, laranjas, em seu piscar discreto.
Guardaram para mim o sonho meu secreto,
sorrisos devolvendo a cada mulher bela.

Espelhos ou estrelas e a luz de Cinderela
refletem-se em abóbora, num ardiloso afeto,
enquanto a Má Rainha, ao espelho mais dileto
repete sua pergunta em sorriso que congela.

Congelados assim teus sorrisos e os meus,
é o brilho das estrelas que te ilumina a face
e as rugas suaviza, profundas, da ilusão.

E nesses telescópios, os traços que são teus
eu vejo iluminados e tal beleza nasce
da vida desse amor que tens no coração.

SUBSERVIÊNCIA II (1º  julho 2011)

Que importa se esse amor não se dirige a mim?
O amor, seja por quem, toda mulher transforma:
o seu olhar reluz e a face se conforma,
em fruta rosicler, que se deseja assim...

Porque é o amor de dentro que lhe dá essa forma:
o gosto de baunilha e o cheiro de alecrim,
a doçura dos lábios e a língua carmesim,
que até a menos linda em formosura torna...

Porque, bem lá no fundo, não existe mulher feia.
Há traços de beleza na velha e na enrugada;
há traços de ternura na menina mal formada...

E vejo essa atração na mulher que mais receia,
por falta de atrativos, ser sempre desprezada,
mas guarda nos cabelos o rocio da madrugada.

SUBSERVIÊNCIA III

E vejo em tais sorrisos os sonhos mais secretos
e muito especialmente nos sorrisos indecisos,
só erguendo comissuras, disfarces mais altivos,
pois só seu desapontos esperam ser concretos...

Então, lábios apertam, negados seus afetos
e as rugas de expressão afundam os seus crivos,
nesses sorrisos velhos, de todo amor esquivos,
sem nunca confessar quereres mais diletos...

E vejo ainda beleza nos sorrisos invertidos,
embora entrelaçada permeio à sua amargura,
nessas pernas de aranha que ao queixo se desenham

ou convexos sorrisos, em tais lábios sofridos,
na dura convicção de transportar feiúra,
esquecidas da beleza que os corações contenham.

SUBSERVIÊNCIA IV

Porque essas mil mulheres que hoje se acham feias
se escravizaram tanto à própria subserviência,
que à busca da beleza não mostram mais paciência
e as rugas se aprofundam em numerosas teias...

E as faces se rendilham, igual como receias,
a pôr de lado o bem, em tal incontinência,
ferinas as suas línguas, feroz a penitência
imposta por si mesmas, castelares suas ameias...

E contudo, ainda existe certo fulgor no espelho,
que as pode reviver em mágico condão,
nesse fatal momento de estranha lucidez,

que a Terra já percorre desde que o mundo é velho
e no entanto se renova, a cada geração,
a cada vez que geram, em nova gravidez!...

SUBSERVIÊNCIA V

Pondo de lado, entanto, o pendor do romantismo,
o fato permanece que vejo em cada olhar,
em cada boca amarga, em cada frio esgar,
essa beleza esquiva do puro saudosismo...

Pois que, sem mais buscar o amor do realismo,
arrombo os calabouços e posso penetrar,
num toque que lianas, num beijo singular,
a surda invocação do pleno mesmerismo

do que podia ter sido, se apenas a mulher
que se imagina feia, que se esqueceu ser bela,
de amor correspondido então se iluminasse.

E que pudesse assim, de inseminador qualquer,
encher-se novamente de seu fulgor de estrela,
em que sua gravidez ao mundo se estampasse...

SUBSERVIÊNCIA VI

E neste meu mister, também sou subserviente
a cada outra mulher que cruza por meus passos.
Não me posso furtar a imaginar abraços
de perdição total, de amor incandescente...

Contudo, essa paixão, na mente tão frequente,
não busca assim transpor a linha dos espaços.
Só quer é se iludir, na gama dos compassos:
falar de amor perdido, cantar de amor latente...

Por isso me é tão fácil divisar essa beleza,
ocultada às mulheres perante os próprios olhos:
a cada novo amor, um toque do intangível...

Que me revela assim quão firme é essa incerteza,
de penetrar das almas os mais fundos refolhos,
tão só para sonhar o orgasmo do impossível...


Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.

 


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