quarta-feira, 26 de setembro de 2012

PARQUE DE DIVERSÕES & ECTOPLASMA


                                             At the Edge. Arte de Bryce Herrington



PARQUE DE DIVERSÕES I 

Montanha russa foi minha vida toda:
altos e baixos, sempre inesperados...
Os outros a meu lado, apavorados
e eu só pensando em como a vida engoda.

Altos e baixos, sem completar a roda
da sansara sem fim, corpos usados
por décadas apenas e então lançados
de volta à terra... ou nessa tola moda

de engavetar os restos, circo inútil:
festins e funerais, quanta sandice!
Se apenas giram sempre iguais esferas...

De há muito já rachada a vida fútil,
girando sem parar, pura tolice,
no carrossel das mais breves esperas...

PARQUE DE DIVERSÕES II 

Ou talvez tenha sido outro brinquedo:
um barco, seja viking ou pirata
ou uma roda gigante em que se abata
toda a coragem esfumada pelo medo

de uma simples brincadeira sem segredo,
já controlados, desde longa data,
velocidade e o vento que se esbata,
contra meu rosto qual gélido dedo.

Há muitas variações da fantasia
dos giroscópios de toda a sociedade:
nada mais são do que alienações,

que para mim não têm qualquer valia,
sem me causar qualquer felicidade
e muito menos propiciar satisfações.

PARQUE DE DIVERSÕES III

É preciso lembrar que seus padrões,
tendo começo, fim terão bem certamente.
Tudo o que nasce, morre... É ter presente
que são da vida marés de imitações.

Apenas nos controlam as durações
por um espaço limitado e impermanente.
Os carrinhos se movem velozmente,
sobem e descem sem mais continuações.

E quando acaba o tempo desse mito,
surge um novo brinquedo pela frente,
que por instantes nos leva até as alturas

para depois nos rebaixar até o infinito,
por nossa vida não mais que indiferente:
jogos apenas, mas de ilusões bem duras...

PARQUE DE DIVERSÕES IV

Assim, eu não me abalo, se a maré
torna-se baixa em presentes circunstâncias
ou se faz alta em mais outras instâncias,
que um vaivém constante a vida é.

Pois muitas vezes no retêm no rodapé
e noutras nos eleva até as fragrâncias
da glória e do poder, em inconstâncias,
pois tanto faz estar no píncaro ou sopé.

As coisas mudam e quanto sobe, desce;
tudo o que desce, um dia há de subir.
Como Kipling falou, são impostoras...

Mas não se afastam por esforço ou prece,
já que somente com paciência há de luzir
nossa alforria destas duas senhoras.

PARQUE DE DIVERSÕES V

E há uma coisa mais: na baixamar
é quando os barcos o alto mar alcançam,
aproveitando que as águas mais se lançam
na direção que buscam encontrar.

Enquanto em maré alta, há que gastar
muito mais energia.  E assim descansam,
até que as águas novamente avançam
e em direção ao mar alto irão zarpar.

Se tudo então te parece ser contrário,
é quando tens a real oportunidade
de para o alto mar te projetares...

Que o destino é um disfarçado perdulário:
mil portas te abre, com generosidade
e só de ti dependerá as atravessares...

PARQUE DE DIVERSÕES VI

E não te esqueças: qualquer roda gigante,
um barco viking ou mesmo um carrossel
de cavalinhos a pular sob um dossel,
só se pagares te irão levar avante...

Após comprares a entrada, num instante
a entregas a um porteiro, que ergue o anel
dessa corrente que ao futuro dá quartel:
tens a escolha do brinquedo a teu talante.

Pois pelo teu viver, és tu que pagas,
com o teu tempo, afetos, pensamentos,
com o constante palpitar do coração.

Mas vivencias até o final as sagas
que escolheste por teus consentimentos,
que a vida inteira é um parque de ilusão!                

ECTOPLASMA I 

Nomes, nomes, nomes, quantos nomes
me passam pela rua ser ter rostos!
E quantos rostos repassam-me desgostos,
por serem rostos que não têm mais nomes.

Quantos rostos se escondem sob nomes
escritos nessas lápides, expostos
à luz do sol, os nomes pressupostos
daqueles rostos consumidos pelas fomes

de males e doenças... Quantos comes,
oh vida, irmã da morte, depois postos
nos ataúdes enfiados em gavetas!...

Quantos rostos recordo que me somes,
perdidos pelos nichos mal dispostos,
em tristes nomes de paixões secretas!

ECTOPLASMA II (30 JUN 11)

Que nomes têm, afinal, esses fantasmas
que perambulam, sem nome, pelas ruas?
Seres astrais somente ou almas nuas,
perante cujo frio tu mesmo pasmas?

Que nomes têm, afinal, quando te orgasmas,
essas imagens fesceninas, cruas,
as tuas súcubos vagando sob as luas,
filhas geradas à luz de teus miasmas?

Que nomes têm, afinal, os fragmentos
de tua imaginação, correndo a mil,
horrendas coisas nas máscaras mais belas.

Que nome então darás a teus portentos,
já em seu nascer com aspecto senil,
alimentados pela luz de quatro velas?

ECTOPLASMA III

Sombras sem nome e sem sequer ter face,
que avistas pelas ruas da cidade...
Nem pensam sombras serem, na verdade,
os infelizes por quem tua sombra passe.

Andas nas ruas e deixas te ultrapasse
tanta sombra felina e sem saudade...
Que te atravessa na obscuridade,
sem que concreto seja o seu repasse.

E de onde vêm os seres da neblina?
Vieram realmente de outras vidas
ou são somente ectoplasma vomitado?

Que cruzam, sem pensar, pela tua sina,
mil imagens de si desiludidas,
ainda a vagar pelas ruas do passado...

ECTOPLASMA IV

Rostos sem nome são, porém concretos,
que por ti passam com indiferença...
Nenhum rosto ser sombra de si pensa,
nomes conservam desde que eram fetos.

E como o nome se prende a seus afetos!
Pobres das almas que perderam crença
e andam por aí, sua mente tensa,
enquanto ambulam na busca de seus tetos,

que dão abrigo aos rostos, mas os nomes
não passam de etiquetas transitórias,
destinados ao total esquecimento...

Porque a lembrança dos nomes que lhes tomes
não lhes preservam sequer essas histórias
que desfiaram na meada de um momento.

ECTOPLASMA V

E te dás conta da responsabilidade
que tens por esses rostos indecisos?
Fazem parte de ti, prantos e risos,
depois que os viste em tal realidade.

Porque os reflexos da visibilidade
sugaste para ti, esgar, sorrisos...
Eles se foram, mas momentos indivisos
gravados são em ti, desde essa idade

em que tiveste olhos para ver
que o mundo inteiro não te pertencia,
mas que te moves num oceano de memórias,

deixadas após si, sem as reter,
por tanta gente que só então vivia
e já encerraram cem vidas inglórias...

ECTOPLASMA VI

Não são os mortos que te assombram tanto,
mas devoraste, de passagem, seus reflexos
e nunca dos novelos desses nexos
conseguirás te libertar, portanto...

Lá estão eles, nas dobras de teu manto,
nomes sem rostos, rostos sem ter sexos,
guardados de tua alma nos amplexos...
Outros de ti guardaram todo o pranto.

E assim, por essas ruas enevoadas,
a ti mesmo te projetas em mil nadas,
que só podiam viver dentro de ti.

E que nome então darás às revoadas
dos teus fantasmas, a pairar aqui,
até que sejam tuas memórias dispersadas?


Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.


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