terça-feira, 26 de agosto de 2014





SACRAMENTO (2006)

Havia amortecido e ela me trouxe
de volta à luz que peregrina brilha
de permeio à neblina; e assim minha trilha
retilínea de novo aos olhos revelou-se;

ela me trouxe esperança: que se eu fosse
somente pertinaz, então a quilha
da nave do destino, milha a milha
poderia conduzir... e aproximou-se

muito de mim, feliz em seu capricho,
para fugir depois, ensimesmada,
a refugiar-se em seu antigo nicho.

A musa se afastou, porém a vida
por ela tão somente despertada
ficou nos cacos de versos refletida.

RECORDAÇÃO I  (2006)

Eis-me aqui, eis-me aqui, não mais recordas
do Tempo... em que gemias nos meus braços,
quando alterados de Abandono os traços,
arqueavas contra mim tuas tensas cordas...?

Eis-me aqui, eis-me aqui, já não te lembras
de como os Pelos de meu peito ardente
se derramavam sobre o teu fremente,
em cachos negros de Ardor que não relembras...?

E, num riso nervoso e tão ligeiro,
após o Amor, casual os apanhavas
de entre teus Seios, negros caracóis...?

E numa pilha os contavas, derradeiro,
pelo por pelo; e ao Solo então lançavas
num leve Abano, do branco dos lençóis...?
 
RECORDAÇÃO II

Foi assim com nós dois -- negros cabelos
Sobre tua nívea carne derramados,
Num auscultar de amores compassados,
Nesse triunfo final de meus desvelos...

Meus sentimentos, negros caracóis,
A derramar-se, em lenta exultação,
Sobre o esplendor sutil de um coração
De mamilos vermelhos como sóis...

E num riso infantil e tão brejeiro,
Após o amor, meus sonhos derramados,
Tu sopesaste ao côncavo da mão...

Para num gesto casual e derradeiro,
Sonho por sonhos mais apaixonados,
Varreres, sem pensar, do coração!..
 
RECORDAÇÃO III

Um só tremor ainda, umedecido,
Um latejar de sangue, um estertor,
A boca muito aberta nesse amor:
Os dedos a encobrir grito contido,

Mas que se escapa enfim, pelas narinas,
E a mão se afasta e a língua se revela,
Se enrola contra os dentes, na procela:
Prazer e dor, em lutas peregrinas...

Os lábios tensos como é tenso o ventre,
Os olhos cintilantes e mortiços,
Enquanto o orgasmo o corpo inteiro adentre;

É luminosa a noite da paixão;
Os anos mortos ganham novos viços
E as almas... se estilhaçam num vulcão.

RECORDAÇÃO IV

E depois para a noite, o rosto no portão,
As pedras lisas e retangulares
A palmilhar, no ventre as singulares
Memórias de outro ventre aberto então,

Por longo instante breve; e a brotação
Se faz fecunda, por entre os tumulares
Comprimidos de hormônios perdulares
Que extinguem num massacre a multidão

De todo aquele esperma expectante,
Que se dispõe a morrer, no mesmo instante,
Pela esperança de uma só ovulação;

Mas que perecem todos, massacrados,
Pela morte do óvulo arrastados
Para o estertor da raça em extinção...

RECORDAÇÃO V

Foi breve o gozo apenas; e a seguir:
"Não deixes nos lençóis tua lava branca;
Já derramaste em mim; agora, estanca,
Chega de cinza e enxofre -- de partir

A hora se aproxima, a noite é breve,
Lança-te já àquela que te espera,
Não fiques a sonhar, na triste espera,
De quem tudo a perder doido se atreve."

Mas, apesar de quanto a mim dizia,
Vulcão fervente sob a cinza ardia,
Pronto a explodir em nova erupção;

Porque não tinha a dar só lava branca:
Na exaltação em que o amor se estanca
A mente se faz lava; só é cinza o coração.
 
RECORDAÇÃO VI

É uma ânsia febril, essa memória...
Não sei se uma mulher percebe a glória
Que um homem experimenta, quando orgasmo
Indubitavelmente ele produz no espasmo

Inigualável que a vagina agita,
Quando ejacula, quando as unhas crava
Em suas espáduas; e um milênio trava
Alheio ao tempo, exaltação aflita

Por se entregar enfim, deixar-se amar
Qual nunca amada foi, por mais amantes
Que tivera em seus braços, delirantes,

Mas sem sua alma poderem alcançar.
E como é raro o divinal portento
Que explode a própria alma em tal momento.
 
RECORDAÇÃO XI – 20 JUL 2006

Pois foi assim: sua língua junto à minha,
boca com boca, uníssona harmonia,
beijo com beijo cantando a melodia,
que só se canta quando amor se tinha,

ou se pensava ter, amor de um dia,
amor de seios colados a meu peito,
amor de ventres, seu pleno direito
de trocar fluidos, nesse amor que via

apenas nessa carne a própria imagem,
encostada à parede, em estertor,
que, redolente, percorre-lhe a garganta

e o corpo inteiro; e já não mais se espanta,
mas se abre intensamente, na miragem
dessa explosão composta de esplendor!

RECORDAÇÃO XII

Um corpo que se inclina sobre a mesa
E se oferece todo, que se inclina,
Para expor sobre a mesa essa vagina,
Que preenchida anseia, com presteza;

Um corpo que se dobra, com destreza,
A preencher os lábios da menina,
Os lábios a que o corpo se destina,
Na imensidão total dessa certeza;

Dois corpos feitos um, dois corpos nus,
Dois corpos esgarçados pela noite,
Dois corpos acerados de paixão;

Um corpo de dois corpos, que reluz,
Varado de deleite, ébrio do açoite
Do orgasmo fulminante que se dão...

RECORDAÇÃO XIII

As duas conheci nesse avião
Que me levava direto a Nova Iorque;
Para mim, novidade era esse torque
De possuir lado a lado, sem paixão,

Sequer fingir de amor, sem ter carinho,
Uma primeiro; e a outra, logo após,
Os três enrodilhados nesses nós
Que apenas se desfazem, de mansinho,

Se renovavam sempre, a noite inteira...
Nunca mais vi as duas aeromoças,
Que me arrastaram ao cume do prazer.

Por mais hábeis que fossem, bem insossas
Foram as cópulas de mágoa alvissareira,
Que, por vazias de amor, tento esquecer...

RECORDAÇÃO XIV

Foi tão estranha essa mulher, que um dia,
Deitou-se sobre mim, toda desnuda;
E a parte que seu corpo mais escuda,
Bem ao contrário, abriu-me em elegia...

E embora eu penetrasse dentro dela,
Rígido e pronto para o que queria,
Não se afastou de mim a nostalgia,
Ao ver-me cavalgado, sem ter sela,

Que era eu, afinal, o penetrado,
Que era a mim que essa mulher possuía,
Que embora tudo desse, dava nada;

Pois mesmo que eu tivesse ejaculado,
No ventre dessa deusa, eu me extinguia,
E engravidava das trompas de uma fada!...

RECORDAÇÃO XV

Pois foi uma só vez: deu-me carona
E nem seu nome me recordo mais;
Ao invés de levar-me para a zona
Onde eu morava, não parou jamais

Até um lugar escuro e abrigado,
Que, decerto, de outras vezes conhecia...
Parou de conversar e pôs de lado
Qualquer postura falsa ou fantasia;

Beijou-me sem parar, seu ventre móvel
Envolvendo-se no meu, expectante...
No fim das contas, senti-me tão vulgar!

Fazer amor no assento do automóvel,
Sentada no meu colo, delirante,
Não foi fazer amor --- foi copular!...

MULTÍPARO – 20 JUL 2006

Mesmo que eu sinta o meu amor desfeito,
Meu coração ferido e contrafeito,
Meu ventre amarfanhado de emoção,
Inda prefiro a vaga exaltação

Que reluz em poemas, de mansinho.
Por mais que seja o sonho pequeninho,
Por mais gagueje a musa e me abandone,
Por mais que a frustração de mim se adone,

Por que a alegria não vá causar conflito
Ao pleno gozo de meu ideal aflito,
Eu vou tranquilizar meu coração,

Só por saber que o gozo vespertino
Irá afastar de mim o peregrino
Dom melancólico de um verso de paixão...
 
XIPE TOTEC I – 25 AGO 14

Ela chegou a reclamar da chuva,
Que já havia apertado a campainha,
Mas foi só ao telefone que a vozinha
Soou reclamatória em meus ouvidos;
Fui bem depressa e retirei a luva
Para as chaves escolher em meu chaveiro
E então depressa apliquei golpe certeiro
À corrente do cadeado em mil tinidos...

Beijei-lhe o rosto, com naturalidade,
Enquanto o líquido escorria por nós dois
E a conduzi depressa pela porta;
Fechei de novo o portão, com alacridade,
Só imaginando que fazer depois...
Medo ou alegria, o que o destino importa?

XIPE TOTEC II

Entre os aztecas, a adoração do milho,
Que deve ser despido de sua espiga,
Exigia o sacrifício da inimiga
Gente estrangeira de diverso trilho;
O prisioneiro era esfolado e o brilho
De seu sangue, por onde quer que siga
Deixava um rastro enquanto ele prossiga
Caminho amargo do sofrimento filho.

Porque eles o depilavam totalmente
Dos cabelos e da pele e essa dor
Por todo o corpo horrivelmente espalha,
Do mesmo modo que à espiga indiferente,
Para mostrar os grãos em seu sabor,
Era de todo desvestida de sua palha...

XIPE TOTEC III

Acariciei seu corpo como a espiga
É acariciada por quem a aprecia
E lentamente, a sua palha antiga
Vai descascando em cada manhã fria,
Para depois debulhar-lhe toda a liga
E prepará-la do jeito que queria;
E foi assim que o fiz.  Ainda que diga:
“Hoje não quero”, lentamente eu a despia.

Não esfolei-lhe a pele, certamente,
Apenas debulhei roupa por roupa,
Em todo o meu carinho e com amor,
Até deixá-la nua, totalmente,
Enquanto a boca nenhum esforço poupa
Para provar inteiramente o seu sabor...


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