sábado, 2 de agosto de 2014








ZODÍACO I a XII
William Lagos, 16/6/2010

ZODÍACO I

A cada vez que lhe fui infiel,
cravei à Lua alfinetes no seu manto,
como lembrete de seu bizarro pranto,
por onde escorre a chuva cor de fel.

A cada vez que respondi com mel,
a mentir fidelidade no meu canto,
ela acolheu-me, no seu abraço santo,
na proteção gentil de seu quartel...

Surgiu assim, em sua astrologia,
a multidão das mil estrelas belas,
que de noite perfurei, em desatino...

E vivo a escutar, em minha agonia
o coro inútil dessas mil estrelas,
a pedirem perdão por meu destino.

ZODÍACO II

Porém a amante, em diferente espanto,
alfinetes cravou-me no burel,
qual punição por meu canto rebel
que só queria submeter, enquanto

não se queria limitar a um só canto;
porém à Lua, em meu orgulho, era infiel:
as mil estrelas empastava em gel,
na serenata silente do acalanto;

por isso me punia e os alfinetes
me penetraram fundo em meu outrora,
castigo seminal por meu pecado;

mas continuei na busca dos confetes
e por despeito, ela me força agora
a lhe pedir perdão pelo meu fado.

ZODÍACO III

Aos filhos que não tive peço agora
perdão por não lhes dar a luz do dia;
quando criança, duzentos pretendia,
só tive seis no palmilhar de meu outrora;

minha semente inutilmente lancei fora
no ventre dessa amante que iludia,
no manto dessa Lua que luzia;
só de pensar, então, minha mente espora

meu zodíaco, que em versos extinguiu-se;
não foi destino controlado por minha mão,
nem foi o resultado de algum vício,

nem por frenologia o sonho viu-se,
que em nada nos resulta a previsão,
exceto a data de retorno de um solstício.

ZODÍACO IV

Essa Lua, morena e alvinitente,
controla muito mais o meu destino
que os doze signos que por humano tino
têm impressionado o povo tão frequente.

A todo horóscopo eu fui indiferente,
primeiro porque o Sol, auriga fino,
já de há muito percorre, quando a pino,
um caminho que, às vezes, nem de rente

percorre as doze mensais constelações;
hoje já falam noutro signo, o da Aranha,
para inseri-lo no caminho da ilusão

que em vão consola tantos corações.
Acredito muito mais, pois me acompanha,
nessa estrela bem no centro de minha mão.

ZODÍACO V

Se olho horóscopo, é mais por brincadeira,
só para ver qual signo escolheram
para mim, porque sempre se perderam,
nunca existe uma escolha bem certeira.

Às vezes, eu sou Libra alvissareira,
com as qualidades que ao signo atribuíram;
outras vezes, Escorpião, para que firam
com maior profundidade tal asneira...

Já me pontificaram os ascendentes,
nessa tolice de triplos decanatos,
em trinta e seis que sejam tais regentes

e que tudo vem da hora em que nasci,
embaralhando assim melhor os fatos:
charlatanice mais pura eu nunca vi!...

ZODÍACO VI

O motivo principal por que o zodíaco
nunca me trouxe sombra de impressão
é que não penso que as estrelas são,
igual afirmam o caldeu e o siríaco

interessadas por meu osso ilíaco
ou qualquer outro; que importância, então,
o meu nascer mereceria sua atenção
mesmo em caráter tão só codicilíaco?

Antes faria um horóscopo diverso:
os doze signos seriam os vulcões,
os terremotos, os penhascos com suas grutas,

os tsunamis, os cometas do universo...
E tão pequeno, mas com tantos furacões,
quero ter o coração com que me escutas...

ZODÍACO VII

O meu signo zodiacal é uma cidade,
pois quase sempre fui criatura urbana:
por entre as ruas, teu coração me abana,
num passo envolto em luz de realidade

que me protege, nessa lei que há-de
conservar-me defendido dessa insana
disputa pela vida, em que se irmana
a fome com a mais pura crueldade.

Os que proclamam o retorno à natureza
mal percebem como são curtas as vidas
dos que moram nas selvas e planuras,

onde é escasso o alimento, com certeza,
passando frio ou calor em suas guaridas,
cedo apisoados por multidão de agruras...

ZODÍACO VIII

Meu signo zodiacal é a humanidade,
pois foi quem realmente influenciou
o meu destino e que me colocou
no ponto inútil de minha opacidade;

meu decanato foi a riograndiosidade,
que de uma forma ou de outra me marcou;
embora eu ande a pé, me cavalgou,
serena e pura, em sua grandiosidade...

Meu ascendente foi a liberalidade
que me levou a tantos outros ajudar,
sem retorno esperar, nem receber;

e nesse signo de literariedade,
sempre música fielmente a escutar,
enquanto passo mil poemas a escrever.

ZODÍACO IX

Pois outro signo sempre foi a melodia;
tive por ela meu destino demarcado;
tive a sorte de viver neste encantado
mundo em que a música mais se difundia,

pois hoje faço o que um rei não poderia
há apenas cem anos, bem guardado
em prateleiras, em geral classificado,
tenho balé, belo quarteto e sinfonia...

Esses prodígios que nas grandes capitais,
são em teatros e concertos realizados,
dependendo de paga e movimento...

Mas aqui eu tenho as gravações originais
que a eletricidade, milagre em seu portento,
me permite escutar sem mais cuidados...

ZODÍACO X

E embora a música eu aprecie tanto,
nunca assisti a uma ópera na vida,
só em formato de oratório oferecida,
porém conservo, nas vagas do bel-canto,

centenas delas, que até me causam pranto,
especialmente quando os coros, de vencida
abrasam o palco inteiro, à plena brida;
com suas notas musicais teço meu manto.

Estão comigo, são como pensamentos
cem concertos, cem cantatas, fantasias,
as grandes obras do humano engenho


e as escolho, ao prazer dos julgamentos...
E és tu, cidade, que tais dons me concedias
desde os tempos do rádio em seu empenho...

ZODÍACO XI

Contudo, a Lua e o Sol me influenciam;
sobre isso não há dúvida, ainda embora
jurar não possa que demarquem minha hora
ou determinem os amanhãs que me veriam;

o Sol me nutre nos raios que anunciam
a nova vida que reveste a aurora;
a cor percebo não ter sido posta fora,
nem devorada por tais gatos que miam,

nem por corujas ou por mil monstros noturnos
que só possuem nome em pesadelos;
mas não me fazem mal; pertenço à noite

e assim partilho do poder de seu açoite,
enquanto os doze zodiacais soturnos
sequer nos sonhos me disponha a vê-los...

ZODÍACO XII

Porém do Sol temo as ondas de calor;
não me seduz por demais a claridade;
pertenço ao signo da eletricidade
e na eletrônica disfarço o meu amor;

bem mais eu amo o Sol, cujo brilhor
empalidece à tarde, em humildade,
ou que na alva me espia, em ingenuidade,
embora fuja ao carrasquear-me seu fulgor...

Mas tem o Sol seu brilho zodiacal,
o mundo a influenciar bem mais que a Lua;
movem-se os homens à luz de seus faróis,

mas meu horóscopo vem de sol mais irreal,
que lambe a pele qual fria lava nua
enquanto as nuvens contemplam girassóis...




Nenhum comentário:

Postar um comentário