quarta-feira, 24 de dezembro de 2014






CIGARRAS I – 19 NOV 14

Passam ardores e a ternura fica,
por mais que seja por temores despenteada;
é uma tiara de esmeraldas colocada
sobre a testa do amor e amor indica.

Sobre tua dor o meu calor é arnica
e se derrama no palor da madrugada;
cada brisa do luar é despertada,
enquanto o coração manso repica.

Passam os anos no fragor das horas,
de argila e de alvaiade marchetadas,
mas permanece idêntica a emoção,

por mais que sejam longas as demoras,
lanço meus beijos às sombras ocultadas
junto às batidas de teu coração.

CIGARRAS II

Cantam cigarras no quente do verão,
estranho ardor que, enfim, conduz à morte;
mas não é esta também a nossa sorte?
Algo falece no auge da paixão...

E quanto mais se distribui pura emoção,
mais um pouco de nós mesmos sofre corte,
quando se entrega um sonho que se aborte,
ao deixar de fecundar um coração...

E fica a vida nessa ânsia de esmeril,
um ramo seco em seu desagregar,
pela calúnia constante do rancor

e só se pode enfrentar tal fauna vil
com o sangue líquido no constante borbotar
do coração na cremalheira do calor.

CIGARRAS III

Mas a ternura é o róseo combustível
que perpassa inteiramente o cricrilar,
torna a estridência em meigo pipilar,
mais que o amor, a ternura é inexaurível.

Perdura mais do que paixão incrível
esta emoção de lento gotejar,
sonoro bálsamo em límpido gorjear,
que pinga sobre ti, imperecível.

Amor espera receber amor,
mas a ternura é bem mais realista
e então se entrega apenas, sutilmente,

e quando encontra as lascas do frior,
dobra-se branda, na mais gentil conquista
do desespero a retorcer-se na outra mente.

LOCUSTAS I – 20 NOV 14

O sopro do verão és para mim,
antes que o sol a pino aqui se instale,
a brisa colorida que me vale
como um beijo de flor soprado assim.

Da primavera o sopro não se abale
ao ver que o verão louvo em seu clarim;
restos do frio ela conserva, enfim,
enquanto o inverno moribundo nela fale.

Hoje penso no verão em seu dilúculo,
enquanto a madrugada se dilate
e ainda durma a aurora após o amor

e penso no verão em seu crepúsculo,
quando a canícula finalmente abate,
roubado o Sol da espuma do vigor...

LOCUSTAS II

Vêm-me as locustas devorar os sonhos
como devoram os brotos do verdor;
surgem em bandos de egoístico furor,
como crianças, no destruir bisonhos...

Porém chamam de Esperança a esses risonhos
insetos verdes que proclamam o frescor,
a mansa chuva no embate do calor,
também locustas, em ardor menos tristonhos.

Pois o verão é muito mais fervor,
lançam-se as plantas em ousada lançadeira,
descem dos galhos para o solo recobrir

com mil sementes a morrer sem estertor,
frutificando tão somente a derradeira
que enraizou antes do inverno a destruir.

LOCUSTAS III

Mas esse sopro é luz de minha bonança,
antes que os sonhos se desmanchem pelo chão,
esmagados pelos pés da multidão,
na zombaria feliz de minha esperança...

Brota de ti esse hálito criança,
que só busca alcançar a diversão;
tudo recebe em plena exaltação,
sem pensar em devolver a quem lho alcança.

Sopro de vida fervida nas demoras
e que meus sonhos retornas mastigados,
como um preito que acreditas merecer!

Locusta bela que o coração devoras,
sorriso mau em teus dentes encarnados,
mas que assim mesmo eu nutro com prazer.

ALAMANDAS I – 21 NOV 14

A VIDA É UMA LARGA ESCADARIA,
COM MAIS OU MENOS DEGRAUS,
AO BEL-PRAZER,
QUE A MAIORIA CONTENTA-SE EM DESCER
PARA O FUTURO EM SUA OBSCURA VIA.

ALGUNS DESCEM DEPRESSA, EM ALDRAVIA,
OUTROS EM MAIS PRUDENTE DESCENDER,
ALGUNS JÁ CORREM, ANSIOSOS
POR MORRER,
A OUTROS EMPURRAM, POR MALÍCIA
OU OUSADIA.

MAS ESSA ESCADA SE PODE IGUAL SUBIR
NAS FINAS TEIAS DO ANTANHO
DESGARRADAS
OU EM RAMOS PODRES BROTADOS
DA ILUSÃO
E ME DEFENDO DOS MILHARES A CAIR
CONTRA OS DEGRAUS DE ÁSPERAS BEIRADAS,
SUBINDO A ESCADA
COM UMA ARANHA EM CADA MÃO!

ALAMANDAS II

AS ALAMANDAS CRESCEM EM ESCADAS,
EM GRADES OU TRELIÇAS, OLOROSAS,
DEDAIS-DE-DAMA, ORÁLIAS são, FORMOSAS,
COMO UM NAIPE DE SOPROS ORQUESTRADAS.

TAMBÉM AS CHAMAM DE TROMBETAS DOURADAS,
VINHAS-TROMBETAS, POUCO MELINDROSAS,
CANÁRIOS AMARELOS
(TALVEZ SEJAM VENENOSAS),
COMO ALLAMANDA CATHARTICA NOMEADAS.

EM DOSES BEM PEQUENAS, PRAZEROSAS,
PODEM SERVIR PARA ALIVIAR-TE DORES
OU, APÓS UMA TISANA, ADORMECER.
AS CINCO PÉTALAS DE OURO VELUDOSAS,
QUE ALGUNS PENSAM SUFRAGAR AMORES
EM SEU CÁLIDO PERFUME DE PRAZER.

ALAMANDA III

ASSIM, EU NÃO DESCENDO A ESCADARIA,
MAS COM OS FIOS SEDOSOS DAS ARANHAS
PREPARO LENTAMENTE AS ARTIMANHAS
QUE ME PERMITAM CONTRARIAR
A MARESIA...

DENTRO DA MENTE TENHO SESMARIA
NA QUAL IMPEÇO DOS ANIMAIS
AS SANHAS;
PARA ÁRVORES E FLORES FORAM GANHAS
TODAS AS MILHAS QUADRADAS EM MAGIA!

NÃO HÁ LUGAR EM MINHA MENTE
PARA A MORTE.
OS MEUS ARBUSTOS RECENDEM NOSTALGIA,
NENHUM PERFUME SUPERA
AOS OUTROS MAIS
E ALI PASSEIO, EM SOLITÁRIA SORTE,
A TRANSFORMAR MINHAS FLORES EM POESIA
COMO ALAMANDAS,
QUE NÃO VEREIS JAMAIS...

TRINADOS I – 2002

O que não cabe é ficarmos a pensar
no que trará o futuro – a previsão
não é impossível se, com ponderação,
as sendas certas formos perlustrar.

Porque o futuro são só nossas escolhas,
que nuas perduram nos aros dessa roda
e deixam as demais, em cruel poda,
jazendo secas e explodindo em bolhas

de sabão: translúcidas de sonhos...
Os destinos possíveis dos risonhos
fantasmas pueris, em vagas melodias,

que só se escutam mesmo na memória...
Notas perdidas de esperas fugidias
antegozando uma cadência inglória. 

TRINADOS II – 22 NOV 14

O que não cabe é ficarmos a pensar
no que trouxe o passado – a revisão
do impossível ou de sua aceitação,
como a base em que os passos apoiar.

Porque o passado já cumpriu sua rotação,
no carretel totalmente a se enrolar,
seus fios se fundem em magnético moldar,
sem se moverem na mais frenética moção.

Os longos dias enrolados em quotidiano
desfiar do fuso e roca do futuro,
que não podem nunca mais ser visitados,

salvo por torno diuturno insano,
enrolado firmemente no conjuro
desses registros já semidesbotados...

TRINADOS III

Tampouco cabe insistirmos no presente,
esse assobio irrequieto do destino,
que a mente nos percorre em desatino,
lançando atrás o que ficava à frente...

Martelamos o futuro, diariamente,
com cinzéis de joalheiro e, como em sino,
o cristal se vai clivando em canto fino,
nossos dedos a rasgar, agudamente.

É contra essa parede que esbatemos
quimeras, sonhos, todos nossos planos
e dela cada instante desprendemos,

a escorrer por nossos dedos como água,
deixando apenas na memória os danos,
enquanto o eco se desfaz em mágoa.

TRINADOS IV

Ao quebrarmos os cristais de tais momentos
nossos ouvidos se enchem de trinados,
mas tais gorjeios são logo ultrapassados:
o som se guarda tão só nos sentimentos.

Em vão prendemos em quadros os portentos,
matéria seca e morta dos passados,
as cores vãs dos dias desbotados,
plena isenção dos fugazes julgamentos.

E se vivemos, tão só sedimentamos
essas camadas de fios que ali deixamos,
nesse glorioso carretel da morte,

enquanto descem em voos inauditos
esses minutos de rapidez aflitos,
já ali deixados à derradeira sorte.

GIROSCÓPIO I (2002)

É isso que acontece: uma pintura
ali está para ser vista inteira,
tão completada quando uma escultura
que as mãos do cego percorrem derradeira.

Um livro ou uma poesia é mais difícil
comunicar: estão parte no espaço,
parte no tempo em que tua mente físsil
se apoia sobre eles, passo a passo,

percorrendo suas frases inquietantes...
O teatro, porém, no tempo é que transita,
igual que a música, tal qual uma ampulheta,

de grãos de areia escoando delirantes,
que apenas por instantes se conecta
quando ao passado o presente precipita...

GIROSCÓPIO II – 23 NOV 14

Também a ópera é peça transitória,
parte apenas se encontra no presente,
com sons harmônicos em ressonar fremente
e a orquestração de leve ou peremptória.

Logo a abertura perdeu-se para a história,
no ralo impuro do estridor frequente
dessas palmas, a interromper a mais dolente
cavatina em intromissão objurgatória...

Correm as notas em branco suicídio,
cada uma morta antes de seu compasso,
as barras de divisão são guilhotina,

cada fermata resistência ao homicídio
da voz humana brotada do regaço,
que sobe ao alto e então desce peregrina.

GIROSCÓPIO III

Mas no teatro é bem maior a interação,
sem ter apoio da orquestra ou do regente;
o antigo “ponto” não apoia mais a gente,
se bem que exista (raramente) a projeção,

caso um ator esqueça o seu bordão,
contra o alto do proscênio, escusamente;
mas a peça é revivida, realmente,
tal qual sobe da plateia sua emoção.

Quando há calor, a vida se transmite
e às dramatis personae emulsifica,
o expectador faz parte do cenário,

mas onde apenas a frialdade agite,
para a melhor atriz sobe a desdita
e o torvelinho só lhe traz triste fadário...

GIROSCÓPIO IV

Mas como gira sob nossos pés o verso!
Restabelece o equilibrar a cada instante,
quando a prosódia se faz periclitante
ou quando a prosa percorre ideal inverso.

Num giroscópio de caráter mais constante,
impõe a cesura firme o ritmo disperso,
a métrica a bailar em passo terso,
enquanto a rima impõe o seu descante!

Quer seja clepsidra ou ampulheta,
areia ou água pingando sem descanso,
forja-se o tempo, equilibradamente,

enquanto gira a interação secreta
e o passado calcifica em seu remanso,
por mais que a fúria atual se mostre ardente!

SORVEDOURO I (2002)

Existe um ralo no centro de meu peito,
por onde escorre a vida, lentamente...
O futuro me assalta, no inclemente,
veloz avanço a que se dá o direito...

Nunca permite que tome de minhas mãos
o momento que passa, por feliz
que seja...  E até parece que me diz
que o instante de tristeza, ou esses vãos

segundos que me escorrem, sem valor,
sejam de bem ou de mal, muito depressa
ao ralo torvelinham...  E, então, vingança

eu tomo do porvir, porque esse ardor
eu processo por mim, zombando à beça,
enquanto mudo meu futuro em esperança. 

SORVEDOURO II – 24 NOV 14

Talvez o ralo se ache diante de meus pés
e seja eu que minha vida desperdice,
meu sangue multicor, como já disse
a derramar nesse anel a meus sopés.

Uma cruz divide o círculo das fés
para impedir que, em laivo de tolice,
me precipite inteiro, igual que visse
o meu porvir mais além das ênias sés.

Talvez, em um momento de tristeza,
em cinza inteiramente me virasse
e demandasse os esgotos por ali...

E nem é que esse ralo se importasse
comigo, em tal momento de incerteza,
porque sua boca aurinegra me sorri...

SORVEDOURO III

E se nunca a mim mesmo já cremei,
no calor inusitado de algum banho,
em água ígnea desventrado meu tamanho,
é que me impôs o ralo a própria lei.

Caso eu escorra, então o entupirei
e não haverá mais lugar para o rebanho
de flocos de sabão por entre o estanho
dos canos que com cinza cobrirei.

Esse ralo do banheiro tem defeito,
sendo ligado a tubulações demais,
com gaxetas e junções presas a esmo;

porém o ralo que existe no meu peito
só eu posso vedar e ninguém mais
e assim escoo para dentro de mim mesmo.

SORVEDOURO IV

Assim, das válvulas que trago nas minhas veias,
lançarei mão contra o assalto do futuro;
nas artérias erguerei um forte muro,
não de colesterol, porém de ameias...

Dos capilares eu tecerei minhas teias,
para impor aos minutos travo escuro,
cada veia a se atar em nó mais duro,
que fique o tempo imóvel nessas peias...

Bem sei que muito mais existe mágoa
no meu futuro do que consolação,
mas em minha crença eu a batizarei

e cada lágrima, em sua salgada água,
será esperança de renovação,
com que minha própria alma iludirei!...

REGRAS DA VIDA XXI

Aceita a vida agora, enquanto ela te assiste...
Ela passa ligeiro e não para um instante.
Os minutos esvoaçam, em tal delirante
corrida acirrada que incessante persiste.

Pois chegam a dizer que tal voo consiste
para o final adeus tão só preparação...
O quanto mais frequente nos bate o coração,
mais vivaz se apressura e para a morte insiste.

É impossível deter do tempo a marcha assim.
Mas não é necessário assistir na impotência.
Não é um filme que passa – se escoam nossos dias...

E planejar a vida é salvação, enfim:
Marcar objetivos e alvos, com frequência,
transformando em conquistas as loucas tropelias...

REGRAS DA VIDA XXII

A roupa faz o homem – qual antigo
ditado que expressou a popular
sabedoria, em seu conselho amigo
e bem intencionado, a te indicar

a forma de viver em sociedade,
de tal modo a melhor impressionar,
na feira das vaidades barganhar
a venda de ti mesma e, sem piedade,

comprar passagem na nau dos insensatos,
onde o que importa é a aparência externa
e não o que tu guardas em teu peito

ou em tua mente...  Os olhos são ingratos
e a meiga alma não desperta terna
avaliação de amor, sequer respeito...

EMBATES I (25 NOV 14)

Para mim é difícil atitude [postura, adoção]
pensar no efeito que causa [perde, ganha]
minha aparência, pois me ilude [mostra e tapa]
o brilho de um olhar, quando em mim pausa...
[soa, afunda]

Para mim vale mais é ter carinho, [amor e luz]
ser gentil e compreensivo a cada dia, [lua e sol]
manter na mente o esplendor do vinho [sal e azeite]
e conservar constante essa alegria [pura e nua]

que me caracteriza, quer feliz [amargo, meigo]
ou frustrado me encontre  É interior [som e cor]
e pouco tem a ver com o exterior. [poeira e amálgama].

E é isso que busco ver em ti. [estrela-guia]
Não um trajar opulento em frenesi, [vão e falso]
mas um cérebro pulsante de vigor... [asa de ave]

EMBATES II

Procuro sempre ver o interior [bem, mal]
de qualquer que comigo contracena; [fala, escuta]
toda aparência apenas envenena, [tortura, engana]
malícia esconde sob véu de amor. (dó, sol]

Poucos se animam a mostrar o seu valor, [ódio, ideal]
mas antes fisionomia mais amena. (espelho, imagem]
Somente a quem o convívio assim condena
[marca, prende]
é que rangem os dentes em furor. [desdém, malícia]

E justamente àqueles que mais amam [fingem, abatem]
é que se acham no direito de mostrar [abrir, fechar]
os pequenos demônios do seu peito [cérebro, aura]

e quando outros em troca a si conclamam,
[atraem, incitam]
mais ofendidas se querem demonstrar [roer, rasgar]
nos outros vendo o seu próprio defeito. [raiva, rancor]

EMBATES III

Junto da pele encontra-se armadura [acúleo, casca]
com que buscamos as mentes esconder. [velar, dobrar]
Não desejamos aos outros compreender [luzir, amar]
mas que nos vejam com plena ternura. [aceite, abraço]

As agressões a receber com alma pura. [subserviência]
O que se diz é fácil esquecer. [ocultar, fingir]
O que se ouve é que vai permanecer. [apodrecer]
Ser compreensivo é tarefa muito dura! [o egoísmo rói]

Porém entendo que a malignidade [desdém, descaso]
corrói cem vezes mais o seu autor [de si verdugo]
como doença quase terminal. [mágoa de câncer]

Mas sem rancor, com magnanimidade, [mais para mim]
os meus demônios governo em bom-humor, [calma, paz]
sem permitir que me dominem, afinal!  [luta diária]

EMBATES IV

A minha aura de paz se acha tarjada, [pingos de luz]
pouco me tocam as alheias agressões [medo, afinal]
e assim não busco machucar os corações [mágoa total]
de quem por raiva se acha controlada. [pena de si]

É uma doença, afinal, e dominada [fome e júbilo]
pelos Monstros do Id em emoções, [projeção, fuga]
que deixa livres em muitas ocasiões, [pesadelos, acessos]
enquanto estes a mantêm aprisionada. [serva impotente]

Não que me sinta vítima inocente, [cordeiro pascal]
apenas sei conservar o meu domínio [carinho, tara]
e por vingança, demonstro-lhe paciência. [amor à ré]

Pois sua catarse lhe nego inteiramente, [cruel é o bom]
enquanto exerço um certo latrocínio [maldade pura]
ao lhe negar o dom da violência! (em manso golpe)

FEIRANTES I (26 nov 14)

se alguma coisa eu sei que não Existe
é a mulher se apaixonar pelo Intelecto
e pura e simplesmente dar Afeto
a alguém cujo exterior pouco Consiste.

não é em bela aparência que ela Insiste:
o que interessa é algo mais Dileto,
que lhe garanta um material Objeto,
bem mais que um grão de ressecado Alpiste.

mais que dinheiro, o que importa é a Segurança,
que do homem saiba poder Depender
e demonstrar-lhe assim plena Confiança;

que suas tristezas possa Compreender,
as suas raivas transformando na Esperança
que do perigo ele a possa Defender.

FEIRANTES II

existe ainda sentimento bem Contrário,
se lhe desperta o instinto Maternal:
que o possa então proteger no Material,
como a criança que nasceu do seu Sacrário.

ainda que aja de jeito Atrabiliário,
é como filho a quem, mesmo agindo Mal,
demonstra sempre amor Incondicional,
quer ele seja assassino ou Perdulário,

pois dele fez a sua Propriedade,
faz parte de seu ninho Permanente,
quer educá-lo e o anseia por Perdoar

e num descarte de toda a Humanidade,
a ele domina e repreende Firmemente,
sem que o permita por seus dedos Escapar.

FEIRANTES III

destarte, se a mulher demanda à Feira,
quer escolher o alimento que lhe Agrada
e para um homem sua rede é então Lançada
(ou uma mulher, se terminou Solteira).

pois é uma caça, afinal, Interesseira
e inteligência não se enxerga de Visada;
vê-se o sucesso na presa Cobiçada
ou o corpo apenas, de forma Seresteira.

e são as mil escolhas assim Feitas,
enquanto os homens se iludem de Escolher,
pois as feirantes são, de fato, Femininas

e a tal competição se acham Sujeitas,
querendo a inveja e o ciúme Conceber
em suas rivais, pelas conquistas Masculinas.

FEIRANTES IV

porém no fundo eu sei que é bem Verdade:
não importa, de fato, a Inteligência,
não interessa a bênção da Bondade,
se contraposta ao peso da Aparência.

claro está que mais bela é a Opulência,
aos olhos das mulheres, que a Maldade
subjacente a ela e, com Frequência,
não têm no coração qualquer Piedade,

nem sequer por si próprias, quando Veem
a chance material, Felicidade
somente monetária e Reluzente.

e pouca avaliação seus olhos Têm
ao contemplarem a Sensibilidade,
em caráter mais profundo e Permanente.

SOLITÁRIO I – 27 NOV 14

ARMEI FOGUEIRA EM QUE QUEIMAR MEUS DENTES.
PRIMEIRO AS PRESAS, DEPOIS OS INCISIVOS,
MOLARES, PRÉ-MOLARES INDECISOS
E MESMO OS SISOS EU CREMEI, DOLENTES...

DESDENTADO FIQUEI COMO AS SERPENTES,
TODO O VENENO ESCONDIDO EM MEUS SORRISOS;
MEUS ATOS SÃO CONTIDOS, POUCOS RISOS,
NÃO SINTO EXULTAÇÃO, NEM DEPRIMENTES

MOMENTOS, POR PIOR QUE SEJA A CAUSA,
ANOS EXISTEM EM QUE NÃO SOLTO GARGALHADA
E NÃO RECORDO MAIS QUANDO CHOREI,

POIS SÓ NOS VERSOS AS EMOÇOES, SEM PAUSA,
DEIXO ESCORRER AO LONGO DA JORNADA...
E NEM SEQUER NOS VERSOS ME MOSTREI.

SOLITÁRIO II

DESIGNAM DOS DIAMANTES O MAIOR
PELO NOME DE SOLITÁRIO, ESSE OBJETO
DE COBIÇA E DE VAIDOSO AFETO:
DIZEM SER PROVA DE UM SINCERO AMOR.

CERTAMENTE POSSUI GRANDE VALOR
EM UM ANEL, NO ESPLENDOR DILETO,
A TORNAR UM CORAÇÃO FUGAZ E INQUIETO,
EMBORA SEJA FRIO E SEM CALOR...

TALVEZ POR ISSO O CHAMEM “SOLITÁRIO”,
SEM OUTRA PEDRA A LHE MOSTRAR CARINHO,
PRESO NO ENGASTE, SEM PODER SAIR,

TRISTE E CLIVADO DO ACOMPANHAMENTO VÁRIO,
SUA ANTIGA GANGA ABANDONADA NO CAMINHO,
PARA MELHOR EM SUAS FACETAS RELUZIR!...

SOLITÁRIO III

ASSIM MEUS DENTES A GANGA JÁ NÃO TÊM
E NEM SEQUER O TÁRTARO CONSERVAM;
FORAM MOÍDOS E NADA MAIS EXTERNAM
SENÃO OS OCOS E VAZIOS QUE AQUI SE VEEM.

FORAM-SE OS DENTES EM EMOÇÕES, ALÉM
DO VESTÍBULO EM QUE VOZES SE ALTERNAM;
LÁ NÃO SE ENCONTRAM PARA QUE OS DISCERNAM
NEM QUEM ME ODEIA E NEM QUEM ME QUER BEM.

ASSIM, SORRIO PARA OS MEUS ANSEIOS
E OS MEDOS TRATO COM CONDESCENDÊNCIA,
MINHAS TRISTEZAS A ENVOLVER EM BOM-HUMOR,

OS MEUS RANCORES E PENDORES FEIOS
ENTRONIZADOS NOS ALTARES DA IMPOTÊNCIA,
ENQUANTO EU BRILHO A SÓS, MAS SEM TEMOR.

SOLITÁRIO IV

E COMO TAL VALOR DÃO AO DIAMANTE
QUANDO OS CRISTAIS FORAM DELE ESFACELADOS,
EM FRAGMENTOS TÃO SÓ ESMERILADOS,
MAS AINDA CAPAZES DE SER LIXA DESGASTANTE,

VALOR SE DÊ À SOLIDÃO EXPECTANTE
QUE SE VIU RECORTADA DOS PECADOS
E CUJO NÚCLEO TRAZ AMORES ISOLADOS,
ENQUANTO A DOR O TORNA MAIS VIBRANTE,

MEREÇA MAIS VALOR QUEM ESTÁ SÓ,
EM SUA QUIETUDE QUE NÃO PODE SER RISCADA,
NÃO MAIS QUE O PODE A LÁGRIMA ANELANTE,

QUE TE REFLETE O ROSTO COM SEU DÓ,
SÓLIDA E LÍQUIDA, SEM PODER SER RECORTADA,
NA SOLIDÃO QUE A DEIXOU MAIS TRIUNFANTE.

PURPURINAS 1 – 28 NOV 14

Sempre dizem que é discreta a violeta,
Toda escondida sob úmida folhagem,
Transmitindo suavemente sua mensagem
Que no ar se evola em compaixão secreta.

Por isso dizem que essa flor é a mais discreta,
Na palidez heliotrópio de sua imagem,
Como as olheiras, após longa viagem,
Noite de amor ou desgastar de atleta.

Também eu vivo assim, modestamente,
Sob as hastes de outras plantas altaneiras,
Porém minhas flores têm função completa,

Roxo perfume a lançar, pungentemente,
Ainda no anseio de esperanças sobranceiras:
De ser potente com a simples violeta!

PURPURINAS 2

Destarte eu vivo, sem ter paixão secreta,
Sem ambição de sobre o mundo dominar,
Meu canto leve no ar a dispersar
De um olhar para outro, igual que atleta.

Meu canto é frangipani e violeta,
Um no perfume e outro no pintar,
Um na beira do caminho a se encontrar,
Outra escondida em pétala completa.

Meu canto é o orvalho roxo da alvorada,
Um borrifar no vento, multiforme,
Qual um perfume que te entra pelo olhar.

Meu canto é como a noite iluminada
De manso odor, que se espalha, desconforme,
Como sabor de saudade ao paladar.

PURPURINAS 3

Minha violeta não é a púrpura dos reis,
Mas uma simples fímbria contra o verde,
Um traço meigo que se esmaece e perde,
Um debruar que jamais compreendereis

Se não fruirdes de parelhas leis:
Modéstia e olor são dotes que se herde,
Radícula e sépalas redes que se cerde
E que somente no escuro tecereis.

Não me refiro ao reluzir carnavalino,
Faíscas falsas sobre a maquiagem,
No debrum rápido da experiência do momento,

Mas ao eclesiástico tecido peregrino
Que se dilui, crepuscular paisagem,
No calmo entardecer do sentimento...

PURPURINAS 4

Minha emoção também na sombra vive,
Sem grande exposição ao áureo sol;
Dorme nas palhas do defunto girassol,
Cuja semente em vão o solo crive.

Que minha emoção nenhuma pompa ative;
Basta o frescor umbroso ante o crisol,
Pétalas roxas refugiadas do arrebol,
Que do calor folha mais larga esquive.

A minha púrpura é leve e se desmancha
No rutilar do lírio em cada vale,
Gota de orvalho no arroxeado xale

Que então em teu olhar, breve, se engancha,
A tua atenção por momento a seduzir,
Até que o verso recolha-se a dormir.

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com




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