terça-feira, 16 de dezembro de 2014





LABIRINTO VERMELHO
William Lagos, 28 jul 2010

labirinto vermelho I

quando te digo "eu", não sou eu que te digo:
não quero simplesmente impor pensamentos,
não fico somente a expor sentimentos,
eu sou nós, eu sou tu, somos um, meu amigo;

quando te digo "eu", espero assim consiga
desvendar uma parte de iguais julgamentos
que percorrem tua mente, esses vastos intentos
que tens no coração e nem vês, minha amiga;

contigo sou um, não sou tal qual rousseau,
que olhava o coração em suas "confissões"
e diverso se dizia de todos os outros homens;

mas como você é, ou és tu, também sou:
o que conto de mim, tens iguais emoções
e o que digo de nós... são todas as tuas fomes.

labirinto vermelho II

quando falo de ti, eu desvendo meu peito,
pois isso que sentes, são coisas que sinto,
porque isso que pensas, são coisas que pinto
e de tudo o que sofres, tenho pleno direito;

dos teus julgamentos, partilho o conceito,
que nunca estás só, tua presença pressinto,
que nunca estou só, sou mútuo, não minto,
pois te acordas comigo e contigo me deito;

solidão não existe e a própria morte é vã,
porque existe entre nós um liame profundo,
partilhas meu mal e eu partilho o teu bem,

já que a vida é assim, meu irmão, minha irmã:
somos todos iguais nas entranhas do mundo
e onde quer que te encontres, eu me acho também.

labirinto vermelho III

quando falo de amor, seja meu, seja dela,
meu amor é só teu, teu amor é só meu;
se nunca nos vimos, contudo, sou teu;
se alguém vejo nas ruas, a ti vejo à janela;

se és velho, se és moça, rapaz ou donzela,
fazes parte de mim, quer cristão, quer judeu;
africano que sejas, islamita, europeu
nós todos bebemos da luz de uma estrela;

todos células somos de um só grande nexo,
num místico corpo de espantosa noção,
tu és nós, somos tu, somos todos daqui;

e o amor que te dou ultrapassa teu sexo,
não importa qual seja tua crença ou paixão,
porque amo a mim mesmo se amor mostro por ti.

labirinto vermelho IV

se é dela que falo, a ti mesmo refiro,
se é dele que lembro, a ti mesma descrevo;
se falo de mim, é o teu sonho que levo,
quando falo de mim, sou derviche em teu giro;

por isso não penses que quando suspiro
eu me queixo somente e em tristeza me cevo;
ao contrário, é por ti que em suspiro me atrevo:
teus pulmões eu preencho no mesmo respiro.

meus pais e meus filhos, as mulheres que tive,
são teus pais e teus filhos, teus homens, talvez,
e se nunca os tiveste, sempre foste criança,

em berço dormiste, no mesmo em que estive,
na mesma pobreza e na mesma altivez,
na mesma incerteza e em igual esperança.

labirinto vermelho V

se retorno a mim mesmo, ali vejo teu mundo,
esse mundo que é meu e que a mim me rodeia,
essa mesma visão que teu globo incendeia,
universo só teu em meu imo profundo;

se teu mundo é o meu e é meu teu jocundo,
uma só é essa teia que a ti e a mim enleia,
nessa rede de assombro, no croché dessa teia
vivem o imundo inocente e o manso iracundo;

tu retornas a ti e me mostras teu peito,
na mente e no cérebro, eu-tu, multidão;
na dor e alegria, nós-vós, emoção,

que todos os homens, no mesmo trejeito,
partilham do sangue de um só coração
de vício e de engano e contudo, perfeito.

labirinto vermelho VI

por isso, não vejas em meu verso uma queixa,
um pedido de ajuda ou de auxílio, quiçá;
é somente lembrança a mensagem que está
escondida na voz quando o peito me deixa;

não é uma súplica que à mente te vá,
nem sequer no momento da máxima endeixa;
tampouco enrugada qual passa de ameixa,
mas só remembrança a buscares por lá,

nesse escrínio em que guardas tuas próprias tristezas:
as queixas são tuas e somente as recordo,
mas sem a intenção de querer reavivá-las;

apenas invoco as razões da tristeza
e sobre esse pano da vida eu as bordo,
com longanimidade, a fim de aceitá-las.

labirinto vermelho VII

tampouco as percebo qual uma promessa
ou oferta de amparo ao teu sofrimento,
que igual ao meu é, teu igual movimento:
a busca do bem consequente não cessa;

tua mágoa é a minha, por mais seja espessa
e assim não te passo qualquer julgamento;
o mal vago não passa de pressentimento,
tampouco do bem a espessura ainda meço;

promessa não faço, porque já tens tudo,
no fundo recôndito de teu coração,
o quando eu conheço, tu sabes também;

que a mente é uma só e em nada te iludo:
bem dentro de ti estará a solução,
bastando que escutes essa voz que contém.

labirinto vermelho VIII

talvez te confunda o labirinto vermelho
descrito em meus versos de plena irmandade,
quer seja fraterna igual sororidade,
quer seja manchado esse fundo de espelho,

que formam as bolhas e ondas, num velho
copiador de teu rosto com fragilidade,
refletor de tua vida e da comunidade,
mil cantos de espelho rachado por relho;

maldito por chronos é o espelho do tempo,
no qual não somente teu rosto se torce,
mas que o mesmo degrada e a imagem distorce;

mas flores que surgem na prata contemplo,
nas tiras de fios que o fundo percorrem,
nos meandros dos dias que a vida me escorrem.

labirinto vermelho IX

vermelha é tua vida, labirinto encarnado,
encarnada tua alma em meandro furtivo,
artérias e veias, teu sangue é esquivo
como o sangue que pinga do astro dourado;

tua vida é o sol em teu corpo encerrado,
tua vida é a lembrança da mente no arquivo;
em teus capilares, há um mapa cursivo
do universo fractal, em que tudo é mostrado;

deste modo, tuas veias retraçam caminhos
percorridos de estrelas, por cometas causados,
retratam a seiva que às plantas conforta;

caminhos pisados por entes mesquinhos,
estrelas luzentes dos humanos passados
e a linfa que a vida igualmente comporta.

labirinto vermelho X

se um dia tua alma escolher navegar
ao longo do corpo, em curiosa inspeção,
ao tomar uma artéria que leve à tua mão
ou então de uma veia a torrente enfrentar,

se um dia perder-se no seu palmilhar,
nos fios capilares que estreitos mais são,
talvez nunca se encontre no teu coração
a vereda final para ao porto chegar;

há muitos segredos na trama das veias,
há drusas e sonhos em compartimentos
que ao longo da vida se busca encerrar;

tal qual um castelo cercado de ameias
e se a alma se perde em tais andamentos,
talvez nunca mais a consigas salvar!

labirinto vermelho XI

o mapa do corpo é o mapa da mente,
novelos e dédalos nas redes neurais;
quem nelas se perde talvez nunca mais
recobre a consciência e se torne demente;

outros meandros também há no corpo da gente:
há alvéolos e ilhas e trilhas demais;
conhecer essa carta dos fios naturais
está fora do alcance da alma consciente;

se célula viva tentasse, ao contrário,
percorrer de tua mente o maior labirinto,
ainda mais árduo seria o trabalho,

que o bosque da alma é extraordinário:
emaranha a paixão e a emoção que hoje sinto
nas galácticas sendas em que ideias espalho!

labirinto vermelho XII

do corpo esse mapa reflete o da raça:
o meandro que é meu é o teu labirinto:
o rubro que vês é o vermelho que sinto,
encarnada essa luz que teus olhos perpassa;

fecha os olhos apenas e o sol te retraça
mais um labirinto escarlate assim tinto;
nas pálpebras surgem os quadros que pinto,
por mais que a visão em teus olhos se embaça;

igual que as hemácias, corremos nas veias
dos humanos que vivem ou que nascerão,
dos mortos milhares de antanho, que vão

traçar em teu rosto os coriscos das teias
que riscaram no meu, em pendor natural,
que as rugas que mostras, também mostro igual.

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com



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