segunda-feira, 5 de janeiro de 2015







ALVÉOLOS I – 01/12/2002

Agora, ela está perto...  Mas por tanto
esteve longe, sem me olhar, de amarga,
que me sinto inseguro, no entretanto...
Quem amanhã reencontrarei, na larga

galeria de mulheres que me veem,
pelos seus olhos largos de gazela,
que tanta imagem minha em si contêm,
de tantos anos em que vivi com ela...?

E, assim, fico irrequieto...   Hoje me ama,
me abraça e me contempla com ternura,
mas, e amanhã?  Que mágoa ou que rancor

trepidará em seu peito, com que gama
de olhares maus retribuirá a doçura
com que sempre lhe mostrei o meu amor? 

ALVÉOLOS II – 11 DEZ 14

Não é questão de idade.  Sempre foi
corça arredia em seu prado individual;
qual caçador me encara, é natural,
na desconfiança que seu peito rói;

sua presença-ausência, como sói
sempre me deixa inseguro ante o fanal
de seu olhar, que às vezes me quer mal,
mas que quando me indifere, ainda mais dói.

Em cada alvéolo, deveria haver favo de mel,
mas em muitos só há abelhas em botão
e seu gosto é depurado como fel;

como saber, no escuro sem razão
qual deles se derrete, como gel
e qual já pode me cravar ferrão?

ALVÉOLOS III

Não sei se é máscara que aos outros aparenta
de ser gentil, alegre e compreensiva
ou para mim uma outra máscara se ativa
com que expressão amarga me contempla;

não é ciúme que assim me descontenta,
mas sim incompreensão de sua furtiva
demonstração de desdém, que me cativa,
para prender-me em seus lábios, firmemente.

O fato é que, talvez, nem percebi
que em momento algum queria escutar,
seja o que for que eu tivesse a lhe dizer,

mas apenas concordar com quanto ouvi,
sem querer minha opinião ou contestar,
como um bom servo a cumprir o seu dever.

ALVÉOLOS IV

Destarte me iludi e lhe falei
o que eu mesmo amava e pretendia,
mas só sorriu, em constante desvalia,
por desprezar o quanto mais gostei;

contudo, em sua colmeia penetrei
e nela busco essa alma que queria,
entre as centenas que nesse mundo via
e certas vezes, até mesmo a encontrei.

Mas por qualquer motivo que nem sei,
ela fugiu para ponto mais profundo
ou talvez sementes fossem de romã (*)

que a conservassem além do que a busquei,
a me cobrirem de seu sumo rubicundo
em que tanto derrapei no meu afã.
(*) Foram sete sementes de romã que prenderam Perséfone no Hades.

EFLÚVIOS I – 01/12/2002

Eu me vejo a empreender nova ousadia:
se fico inda a seu lado, se me afasto...
Se acolho o amor que a própria mente cria,
com tanto ardor.  Ou se escapo a esse nefasto

afastamento envolto em depressão.
Se volta para mim o olhar marcado
pela aflição, a angústia, na expansão         
do que lhe agita o peito e tem deixado...

Assim percebo agora e vejo, incrédulo,
que me parece em bênção contemplar...
Como será amanhã?  Que rosto voltará

a contemplar o meu, que permaneço sédulo
à antiga devoção, que me conservará
seu rosto a percorrer, buscando adivinhar...

EFLÚVIOS II – 12 DEZ 14

Contudo, nestes anos mais recentes,
cada vez mais vejo a angústia a dominar
e no abismo dessa mágoa se afundar,
apesar de meus esforços mais ingentes,

algumas vezes com manotaços aparentes,
um pouco a repelir, um tanto a me agarrar,
como faz um nadador a se afogar
e consigo arrasta amigos ou parentes.

Devo chegar por trás, pelos cabelos
e impedir até que mova os braços,
cabeça erguida, mas sem fitar-lhe os olhos,

pois então me afogaria em tais desvelos
e morreria envolvido nos abraços,
até os dois se estraçalharem nos escolhos.

EFLÚVIOS III

De suas próprias narinas sobe o olor
dessa pena de morte que a condena;
são eflúvios da certeza dessa pena,
que terá de sofrer em seu rigor;

ela transpira, às vezes, de rancor,
não contra mim, mas por falta da verbena
que a levaria à praia mais amena
e que esperasse receber de meu amor.

Não sou só eu, porém outros comentaram
como ela se tornou bem diferente,
no seu quase trescalar de feia agrura,

que antigamente nunca nela perceberam;
talvez por influência de outra gente,
caiu em valo ainda mais fundo de amargura.

EFLÚVIOS IV

Sempre afirmou não ser influenciada
(decerto nunca aceitou minha opinião),
porém é falsa tal afirmação:
talvez ela não perceba o imponderável

eflúvio e influxo que aceita em ocasião
de certas visitas, de aspecto agradável
ou até mesmo de comercial bem condenável
que martela na tela a sua televisão.

Porque é certo que os eflúvios nos percorrem,
vindos de fora, como coisas vivas
e nos preenchem, se não os combatemos

e especialmente das bocas más escorrem,
para fazer-nos partilhar mágoas ativas
caso a influência inermes aceitemos...

SIBARITAS I – 01/12/2002

Nas séries perseguidas de tantos meus sonetos,
por vezes, nem sequer de leve reconheço
a vaga inspiração com que os entreteço:
se veio do exterior, se emana dos afetos

idealizados e tênues, dos idílicos objetos,
enraizados nas mínimas demonstrações de apreço,
de um olhar cintilante, de um perfume que então meço
com a ponta de meus dedos, como sinais completos

de um amor que espero, amor que desconheço
o que espera de mim, no simples movimento
dos ombros, mais descrente da ventura

que dessa inspiração com que o amor despeço,
em troca da endorfina, que abraço, no momento
em que versos congelo o instante da ternura...

SIBARITAS II – 13 DEZ 14

Certamente abraçarei mil influências,
quando os influxos eu possa incorporar,
outras a repelir, que não possa aceitar;
em cada verso incorporo dez tendências...

Certas palavras me trazem redolências
que na mente se expandem sem parar;
um simples tema consegue me elevar
a uma série de formosas consequências.

Ideias crescem no terreno, fertilmente,
de cada mente disposta à aceitação,
mas também crescem espinhos e urtigas,

que com foice e gadanha, firmemente,
submeto à mais firme podação,
guardando apenas as flores mais amigas.

SIBARITAS III

Havia um porto na velha Ásia Menor,
que hoje compõe o território da Turquia,
chamado Síbaris, a que o comércio permitia
uma grande luxo e um ócio ainda maior,

em que só escravos realizavam o labor
a que até mesmo seu amo constituía
em seu gerente e que a escrita lhe fazia,
sem receberem grande paga nem louvor.

Por isso os senhores viviam no seu luxo,
em banquetes e nos vícios preferidos
de onde deriva o termo “sibaritas”

que até hoje sobre nós conserva influxo,
para indicar os prazeres escolhidos
como exclusivas atividades favoritas...

SIBARITAS IV

E assim são tais malignos pensamentos,
que só querem em nossa mente se instalar,
para seu ócio e seu prazer ali gozar,
escravizando a nossos próprios julgamentos;

mas os submeto a esclarecimentos,
mais do que à poda e os vou desarraigar
e para longe da mente arremessar,
sem dar qualquer atenção a seu lamentos.

Mas ai de nós! – em geral, não faleceram
e gravitam ao redor de outras pessoas,
procurando uma vigia ou portinhola,

escondidos nos cabelos, touca ou gola,
na tocaia da primeira chance boa
de dominar os que não os perceberam!

SIBARITAS V

E quando ingressam em qualquer alheia mente,
logo se esforçam para ali frutificar,
igual a câncer a se metastatizar,
o organismo a conquistar rapidamente

e no instante em que se faz presente
vai tal hegemonia transformar
o indivíduo em estufa, quente lar
para suas mudas e rebentos, diariamente.

E assim eles se espalham pelo olhar,
pela saliva, até mesmo por ouvidos,
comunicados pelo suor das mãos

ou pelo puro e simples respirar
e como esporos do mal são distribuídos
a transmitir-se para novas plantações.

SIBARITAS VI

E chega um ponto de total sociopatia,
em que o indivíduo totalmente dominado
só quer seu mal nos outros instalado
e assim o transmite, fingindo simpatia;

sua malignidade então transplantaria,
à corrupção dos outros dedicado,
que nem percebem quanto brota de seu lado,
nem como a própria alma sofreria...

Milhares desses há entre nós vivendo:
lança uma capa azul sobre a aura pura,
faz uma foice correr ali constantemente,

a essa melíflua influência desfazendo,
que para eles retorne a sua amargura,
para que brote tua alegria novamente!...

IMPACTO I – 01/12/2002

Meu verso é para ti, mulher de estrelas,
transmogrifada na poeira dos faróis,
mesmerizante no fulgor de um par de sóis
que habitam em teu rosto, em que revelas

a ambição de mim.  Por mais que mintas
que não me queres bem e que me abale
a oscilação de ti, jamais se cale
no peito meu a certeza de que sintas

a multidão de meus sonhos tão diversos...
E quando em ti reprovo o azedume,
não é que assim espere comover-te.

Pois canções são só isso: apenas versos...
Mas cada vez que lembro o teu perfume,
me assombra o terror simples de perder-te.

IMPACTO Ii – 14 DEZ 14

Mas permanece em mim a busca antiga,
sou vagalume a girar sobre a lanterna;
que crie o azeite a chama sempiterna
e pela estrada oriente bem o auriga...

Que em torno dessa luz assim consiga,
mesmo ao sentir quando a emoção aderna,
manso calor que provém da flama interna
e em mim conserve essa ilusão amiga.

Não tenho ânsia de buscar outro farol,
sou pirilampo e pisca-pisco verde luz,
não mariposa a que só o lampião seduz.

Teu brilho busco, mas tenho próprio sol,
que assim um no outro se alimente
por ver a flama a palpitar contente.

IMPACTO III

Onde há calor, para fora se irradia
e outro calor lhe serve de alimento,
ao mesmo tempo que lhe dá provimento:
calor de amor que a outro calor se alia.

E mesmo quando ali amor não existia,
calor de amor provoca o nascimento:
a chama salta, mas sem queimar o assento,
a chama cresce quando a outrem mais cedia.

Calor de amor em impacto assim vibrante
qual faísca de luz eletromagnética,
que se propaga e dança pelo ar,

numa retroalimentação equidistante,
chama minúscula no início, mas profética
do incêndio cálido que após há de provocar...

IMPACTO IV

Pois sei bem que assim é, nesse apesar
que te causou infiel manipulação;
a chama vive e dança no tufão,
e se conserva tremulante a cintilar...

Porque a flama, em sua leveza singular,
ainda é mais forte que o vasto turbilhão,
que te arrasta para igual aceitação
na mesma tromba d’água a amargurar...

E portanto insistirei em meu impacto,
contra o rigor do alheio redemoinho
e manterei a promessa de meu pacto,

quando chegar o final de teu caminho
e a chama te consumir em amplo rapto,
enquanto assisto, na mágoa do carinho...

VIVEIRO V – A PEGA I – 20/7/2006

A quem compararei o meu amor?
À pega ladra, que prefere o brilho,
Que rói os cacos, que procura o estilho,
Cintilante, mas falso, do fulgor...

A pobre pega, que deseja a jóia,
Mas a confunde sempre com a centelha,
Que se espatifa na imagem que lhe espelha
O vidro transparente e a claraboia...

Negros cabelos são suas negras penas;
Como se lança, em tal sofreguidão,
Empós os lumes falsos do capricho...

Qual muda de pendor; e busca, apenas,
O rebrilhar intangível de um esguicho,
Nesse inconstante ardor do coração...

A PEGA II – 15 DEZ 14

Destarte a pega constrói o coração
com fragmentos alheios de fulgor;
quem se vê atraído em tal brilhor,
se apaixona por espectro de paixão,

porém não pelo profundo da emoção;
o que ela guarda em si não é calor,
mas estilhaços captados de outro ardor,
escapulários que não tiveram sagração.

Que restará, quando tirarmos dela
cada faísca que em si acumulou?
Será que sobra cinza ou só o carvão?

Ou com o tempo já ali nasceu estrela,
pela esmeralda gerada que brilhou,
por seu vazio anunciando compaixão?

A PEGA III

Pois que essa pega que por brilho tem paixão
e conserva cada jóia no seu ninho,
por alguma razão mostra carinho
pelas centelhas que recolhe, em ambição;

há em seu peito lugar de gestação
para ser recoberto de azevinho;
desde o começo há um brilho pequeninho
que quer resposta de outra alumiação...

Não é por avareza e nem em vão
que ela cata da alegria os fragmentos:
algo responde e anseia por doçura

e na sua caça ressoa ainda o peão,
(hino de guerra dos antigos regimentos),
no incessante combater de sua amargura.

A PEGA IV

Por isso à pega mantenho o meu buscar;
embora tenha já falhado em longo cio
de preencher inteiro o seu vazio,
ainda insisto neste meu tentar...

Eu vejo ardente e à espera esse lugar,
vermelho e tremulante como um rio,
cuja torrente me expele com seu brio:
à sua nascente não pude ainda chegar...

Talvez, de fato, tenha sido engano:
pensei ser âmbar a distante luz do sol
e me enfurnei no oco do carvalho,

buscando o ninho em um esforço insano,
até apagar-se o piscar, rubro farol,
no ocaso triste de meu ato falho...

A PEGA V

Porque, afinal, não há pegas por aqui:
as velhas lendas nos vieram lá da Europa;
do Santo Graal roubaram mesmo a copa;
de asas negras só graúna e corvo eu vi,

porém sem terem o mesmo impulso em si;
nos ninhos da graúna só se topa
com os ovinhos; e o corvo só se dopa
com as carniças que encontra por aí...

Seria o meu amor tão só a graúna,
ou o açum preto que não podia cantar
até que seus dois olhos perfurassem?

Uma ação que, de fato, me repugna,
mas bem pior seria imaginar
que meu amor a um corvo comparassem...

A PEGA VI

Talvez o meu amor fosse o mainá
do Extremo Oriente, que até sabe falar,
segundo dizem, mais que apenas imitar
os sons ouvidos, como por entre nós se dá

o papagaio, a caturrita e até o sabiá,
que alguns afirmam poder ensinar;
mas nenhum deles cachos negros a ostentar:
será que os pintam, qual mulheres o fazem já?

Ou quiçá a mesma pega viu o brilho
que trago ao coração e mo roubou,
julgando fossem pedras de diamante

e o rejeitou depois, no mesmo trilho,
pois a faísca que no meu peito enxergou
não era mais que um verso delirante...

METROS GREGOS VI --- 20/7/06
IÂMBICO IATROGÊNICO I

Encontro neste ritmo perdão
dos desalinhos da mais falsa alegria,
dos capitosos ribombos da poesia,
das mágoas estridentes da emoção;

que o jambo expressa fácil a paixão,
denota claramente o que eu sentia,
no momento em que versos escrevia,
no sangue doce de meu coração;

no sangue amargo do negado amor,
na mente impura, que palavras mói,
na dor acesa do intenso desamor,

na frustração, enfim, que tanto rói,
meus sentimentos obrigando a expor
e tão completamente me destrói...

IAMBO IATROGÊNICO II – 16 DEZ 14

Seria masculino o verso assim,
quando sua sílaba forte cai no pé
e se afirma a energia no sopé
de cada frase que redija, enfim;

mágico o verso, lamparina de Aladim,
uma história a que nos versos não dei fé;
já está batida por tanta estranha sé
que nada sobra de novo para mim;

porém jâmbico será meu coração,
de cada vez que entoar uma elegia
ou simplesmente minhas penas versejar,

por mais que tola seja essa emoção
que nas linhas do poema dançaria:
caixa de música para mais corda lhe dar.

IÂMBICO IATROGÊNICO III

Mas fica a alma em seu real sobrenadar,
enquanto as vagas velozes superpõem;
pranchas de surfe a que alguns supõem
ser suprassumo do perfeito marinar;

para outros a Rede é a sede do surfar,
porém nos versos meus dedos se dispõem
a relatar as sensações que contrapõem
ao que os demais podem só imaginar.

Ao começar, nem sequer eu pensaria
compor coortes em meu ritmo ancilar,
esses milhares de versos a brilhar,

que qualquer fonte em mim inspiraria
ou que adotasse este helênico cantar
que tão fácil de meus dedos pingaria!...

O verso iâmbico, jâmbico, iambo ou jambo possui um pé poético de sílaba breve e longa, ou átona e tônica, adequado ao português.  Iatrogênico, naturalmente, se refere a uma doença causada pelo médico, aqui a dor provocada pelo próprio poema ao ser redigido. Bill.

ZÉFIROS ARISCOS I – 17 DEZ 14

Chegou de novo para mim a estação
a que prefiro não chegasse realmente,
mais pelo medo do calor pendente
do que de fato por real sufocação;

é mais temor que me assalta em turbilhão:
lembro o verão passado que, inclemente,
martirizou a todos ferozmente,
até mesmo a essa fuleira multidão!...

Sempre é possível que no Polo Sul
se derretam, enfim, quaisquer geleiras
e virem chuva, a contrariar o Sol,

mais rico o cinza do que o céu azul,
por essas nuvens a vadear, arteiras,
como um escudo contra a fúria do arrebol...

ZÉFIROS ARISCOS II

Por enquanto, não há real abafamento,
mas Éolo e Zéfiro tiraram seu feriado;
talvez tenham com a Brisa combinado
ir visitar da Viração o acampamento,

que tirou férias, em descontentamento
e foi à praia por um tempo continuado,
ver os Ventos veranear lá do seu lado,
a nós deixando no maior açodamento!...

Talvez registre contra os Zéfiros ariscos
alguma queixa em qualquer delegacia:
sou amigo do Delegado Regional!...

Mas não quero que de prisão corram os riscos,
caso contrário, chegaria a Calmaria
e aí seria o calor mais triunfal!...

ZÉFIROS ARISCOS III

Não sou apenas eu que assim detesto
esses dias mais fortes de calor:
igual desgosto tem meu computador,
cujo trabalho, então, bem menos lesto

se torna.  Não sua, mas de resto
empaca, se aborrece, seu humor
é cada vez mais raivoso nesse ardor
do que o meu, se a reclamar me apresto...

E assim ficamos, além dessa impaciência
que sempre me causou qualquer verão,
pois é preciso aguentar os seus caprichos,

aplastados os dois, feito dois bichos
e eu forçado a mostrar maior paciência
com essa máquina que nem tem coração!...

SONS IMÓVEIS I – 18 DEZ 14

ENQUANTO ESPERO, ESPERO QUEM ESPERA,
ENVOLTO EM ESPERANÇA ENQUANTO ESPERO
E NESSE MEU ESPERAR, ASSIM EU QUERO
VER QUE ESPERANÇA A MINHA ESPERA GERA.

E ENQUANTO GERA MINHA ESPERA O QUANTO GERO,
QUERO A ESPERANÇA QUE MINHA MENTE GERA,
QUE NESSA MERA ESPERANÇA NÃO SE ALTERA
A MINHA ESPERa PELO ESFORÇO MERO

DE DEDICAR MINHA POESIA A ESSA ESPERANÇA
QUE NÃO ESPERA POR MIM, NEM SE DEDICA,
PORÉM QUE ESPERO COM DEDICAÇÃO,

PARA ESPERAR, COM ALMA DE CRIANÇA
AQUELA QUE ESPERANDO POR MIM FICA,
NA MERA ESPERA DE SEU CORAÇÃO...

SONS IMÓVEIS II

ASSIM ESPERO PELA HUMANIDADE,
QUE COMO UM CORPO INTEIRO SE RENOVE,
NA NOOSFERA DE CHARDIN, QUE TUDO INOVE, (*)
NA INTELIGÊNCIA DA COMPLETA LIBERDADE;

ASSIM ESPERO QUE A CIÊNCIA DESTA IDADE
FAÇA MOVER-SE O QUANTO NÃO SE MOVE,
CONTRA OBSTÁCULOS FACILMENTE SE RENOVE
E ASSUMA SEU LUGAR NA INTEGRIDADE.

ESPERO A LUZ PROVINDA DA HARMONIA,
QUE SURJA, ENFIM, ESSA FRATERNIDADE
SONHADA HÁ SÉCULOS PELOS HUMANISTAS

E QUE SE ENTOE A MAIS SIMPLES MELODIA
DE SETE NOTAS A TOCAR-SE EM IGUALDADE,
NA DERRADEIRA DE TODAS AS CONQUISTAS!
(*) A ESFERA FORMADA PELO CONJUNTO DO HUMANO PENSAMENTO,
SEGUNDO O FILÓSOFO E ARQUEÓLOGO PADRE TEILHARD DE CHARDIN.

SONS IMÓVEIS III

A HISTÓRIA HUMANA UM LENTO NASCIMENTO
QUE NOS CUSTOU TANTAS DORES JÁ DE PARTO;
QUE O NÚMERO FINALMENTE ESTEJA FARTO
DE TANTA MORTE E DE TANTO ALEIJAMENTO.

ESPERO APENAS QUE SURJA O SENTIMENTO
DE UM “SORRISO PLANETÁRIO” E NÃO DESCARTO,
APESAR DAS DISSENSÕES DE QUE ME APARTO,
QUE A PRÓPRIA GAIA PARTILHE ESTE MOMENTO.

MAIS QUE ENTRE OS HOMENS, QUE HAJA UMA IRMANDADE
COM OS ANIMAIS E O VERDEJAR DA FLORA,
EM QUE CADA MONOCÉLULA ASSIM CANTA,

NO SOM SILÊNCIO DA INDIVIDUALIDADE,
UMA CANÇÃO, INAUDÍVEL MUITO EMBORA,
QUE ESSA FINAL SONORIDADE NOS GARANTA!

SONS IMÓVEIS Iv

E QUE APESAR DOS SINTOMAS EM CONTRÁRIO,
AINDA SE POSSA ESPERAR CONTRA A ESPERANÇA,
TRAZER A TERRA À LUZ, FEITO CRIANÇA,
FRUTO DO VENTRE DESSE POVO ATRABILIÁRIO,

QIE SAIBA, ENFIM, ACENDER SEU LAMPADÁRIO
COM O ÓLEO SANTO DA MAIS PURA BONANÇA,
CADA ANIMAL E VEGERAL QUE A MATA ALCANÇA
AO MINERAL UNIDOS EM FADÁRIO!...

RENASCIDA A HUMANIDADE AO NASCIMENTO
DE UMA COMPLETA CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA
QUE NOS PERMITA DOMINAR DESTINO FERO

E ASSIM POSSA INICIAR SEU LANÇAMENTO
ÀS MIL COLÔNIAS DE SORTE MULTIFÁRIA
EM SEU DOMÍNIO CÓSMICO QUE ESPERO!...

CORAÇÃO  ARREPENDIDO 1 – 19 DEZ 14

Mandei meu coração à tua janela,
Bater com os dedos da aorta no postigo;
Talvez pudesse achar ali um pouso amigo:
Longe do corpo e sob o vento se congela.

Insistiu o coração ante a procela,
Chovendo forte para seu perigo,
Porém teimava em se encontrar contigo,
Sem conseguir erguer a tua cancela...

Ficou na chuva, aos poucos desbotando;
Corriam filetes de líquido encarnado,
Depois um rosa-choque de atrevido...

E finalmente, um simples rosa destilando
O coração, já murcho e esfiapado,
De sua audácia inicial arrependido...

CORAÇÃO ARREPENDIDO 2

Quando se achava mais ou menos congelado,
Finalmente, dessa encerra desistiu;
O amor que tanto amava só dormiu
E não quer de modo algum ser acordado!

Por sorte, permaneceu ainda ligado
Pelas artérias do sonho e resistiu
A esses golpes que a pua desferiu,
Montou a cavalo e tornou para meu lado...

O bagual era de fígado formado,
As patas nervos a marchar com certa pressa,
A crina e o pelo de um vermelho-acastanhado,

Sem contudo possuir qualquer cabeça,
Era preciso pelo coração ser orientado:
Que mesmo fraco, seu destino não esqueça!

CORAÇÃO ARREPENDIDO 3

Aos poucos, foi sendo o fígado levado,
Com rédeas capilares, à querência;
Chegou ao galpão, meio que em penitência;
Pelo mugido das vacas foi saudado!...

Foi pelos cuscos, contudo, até estranhado
E precisou de gritar com estridência,
Usando a guasca de veias com potência,
Até que o corpo lhe abrisse, estremunhado,

A porta do seu rancho e o recebesse,
Tremendo, a tiritar, quase gelado,
O fígado tropicando do seu lado;

Só então o corpo fez quanto pudesse,
Ferveu chaleira para o mate requentado,
Até que dentro da barriga os recolhesse!...

CORAÇÃO  ARREPENDIDO 4

Contudo, no sopé de tua janela
Ficou a massa vermelha e feita gel,
Ainda pedindo para receber quartel,
Pulsando, a pobre, por amor daquela

Que ainda tinha como pura estrela;
Não que dela ainda esperasse doce mel,
Pois nessa noite só ganhara o fel,
Que na garupa do seu fígado se atrela...

E de manhã, quando surgiu a aurora,
Ali estava o sangue, encolhidinho,
Já incapaz de dar sequer um giro...

E só então o acolheste, sem demora,
Numa guaiaca cheia de carinho,
Em que soltou seu último suspiro!...

ARCOS ERIÇADOS I – 20 DEZ 14

Quando lhe fui declarar o meu amor,
que já saltava de mim como centelhas,
ela soergueu as lindas sobrancelhas,
fingindo uma surpresa sem calor...

Com certeza já conhecera o meu ardor,
que em gesto e palavra, bem de esguelhas,
lhe havia demonstrado em cem parelhas,
porém queria alcançar mais esplendor...

Assim me disse, numa perfídia fina,
nutrir projetos bem mais elevados,
que rejeitara outros mais que a pretenderam...

“Pois não te iludas, minha gentil menina,
são muito raros os príncipes encantados
e esses que existem, seus tronos já perderam...”

ARCOS ERIÇADOS II

Fui ao telheiro e minhas botas calcei
que ali deixara, secando de enlameadas;
com cuidado, o pingo velho eu encilhei,
sem querer testavilhar pelas estradas...

Ela desceu ao galpão: “Não te magoei?”
“Claro que não, só me deste três puadas,
Não vou sangrar ao longo das canhadas,
Pois bem firme uma atadura coloquei...”

“Mas vais embora?  Toma mais um mate...”
Ela insistiu, com os arcos eriçados
das sobrancelhas negras de pecados...

“Um príncipe encantado não se abate
com a primeira recusa que encontrar,
mas um peão conhece bem o seu lugar...”

ARCOS ERIÇADOS III

As sobrancelhas saltaram de sua testa
e uma cortou-me o freio do cavalo,
outra trançou-se em minha bota, feito talo...
“Não sejas bobo...” – falou, em tom de festa.

Pondo de lado o pouco orgulho que me resta,
tirei a gadanha da ferida do meu calo
e desvencilhei o coitado do bagualo:
muito contente ficou a pobre besta!...

E eu, outra besta, voltei para o ranchinho,
de braço dado com a chinoca tão faceira,
já na testa a colocar as sobrancelhas...

Para dar-me a noite inteira o seu carinho,
cada pestana uma espora perdigueira,
emaranhada nas minhas mágoas velhas!...

ARCOS ERIÇADOS IV

São duas ameias entre três merlões,
nas duas fontes e no alto do nariz;
as ameias como aquelas que se diz
que colocavam no alto dos torreões;

em arco duplo, igual dois corações
sobre seus olhos, qual preta flor-de-lis,
a sugerir-me o seu sabor de anis,
em fundamento de minhas ilusões...

E cada vez que contemplo os eriçados
arcos que velam sobre meu destino,
fico peado, qual fosse ainda menino,

pois eles giram, deixando a horizontal,
os meus olhos inteiramente perfurados
por essas setas a brotar da vertical!...

RECORDAÇÃO XV – 20/7/06

Pois foi uma só vez: deu-me carona
E de seu nome nem me recordo mais;
Ao invés de levar-me para a zona
Onde eu morava, não parou jamais

Até um lugar escuro e abrigado,
Que, decerto, de outras vezes conhecia...
Parou de conversar e pôs de lado
Qualquer postura falsa ou fantasia;

Beijou-me sem parar, seu ventre móvel
Envolvendo-se no meu, expectante...
No fim das contas, senti-me tão vulgar!

Fazer amor no assento do automóvel,
Sentada no meu colo, delirante,
Não foi fazer amor – foi copular!...

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário