quarta-feira, 21 de janeiro de 2015







PARADOXO & MAIS
William Lagos

PARADOXO I – 5/12/02

Pior é a dor quando sei te encontras perto
e não te posso ver, que estás distante.
Respirar é bem mais fácil no deserto,
que nessa estrada que percorro, viandante,

e que de ti me afasta...  a cada passo mais...
Até prefiro conhecer que foste embora,
do que saber-te perto e que, jamais,
conseguirei rever-te, nesse agora

em que teus olhos profundos refletiram
o meu olhar intenso e preocupado
com o teu bem...  Pois vejo, ao coração,

que somente quando os olhos infletiram
para dentro de mim, te vejo ao lado,
cegos meus olhos por tal separação...

PARADOX – 6/12/02

Worst is the pain when I'm near
and cannot see you, whatever reason
rends us asunder, like a sharp incision
heart to heart mercilessly shall shear...

Easiest to breathe, when the road keeps
me far from you and every step I take
further and further deepen shall my ache,
though all the distance still my thought leaps.

And I perceive, when my eyes are closed,
and blinded for tears as well by separation:
That is when I most clearly see.

For in my inner eyes you are reposed,
and you're beautiful, farther than creation,
when souls enthralled to each other shall flee.

PARADOXO II – 02 JAN 2015

Pois quando, de repente, assim me fitas,
é como se cegasse para o mundo;
então me afogo em teu olhar profundo
e para a perdição de mim me incitas.

Eu me perco nessas vistas tão bonitas
e sou puxado para dentro, num jocundo
entregar-me ao atoleiro em que me afundo
e a descer mais e mais tu me concitas.

E dessa forma, no momento da visão,
eu tenho os olhos escamados dessa luz
que de teus olhos brota e assim me cega

e então me guarda, vazia de compaixão,
com os demais objetos que seduz,
que nem quer ver, mas aos quais ainda se apega.

PARADOXO III

Assim não sei, de fato, se desejo
que nos teus olhos eu possa ora fitar,
pois quando os fito, os deixo de enxergar;
se não os fito, não sofro em tal ensejo;

as vezes que os fitei formam cortejo,
mas tantas houve em que não os pude contemplar,
os olhos baixos, o rosto a desviar,
nessa recusa altiva de seu beijo...

E se não os vejo, então posso contemplar
o contorno do rosto e do perfil,
quando a nuca me nega sua aquiescência;

e quando os vejo, termino por cegar,
meus olhos lastimados de esmeril,
porém que insistem, sem encontrar clemência...

PARADOXO IV

Mas quando ela se faz, de fato, ausente,
consigo tê-la em minha própria criação
e então a encontro, véu de imaginação,
muito mais perto do que quando está presente;

nos devaneios, jamais está impaciente,
sempre um sorriso nos lábios em botão,
com os dedos me acarinha em profusão,
bem ao contrário do que quando estou consciente.

Será então melhor que longe esteja,
pois dessa forma, mais perto a sentirei
que na insistência inútil dessa corte

que até mesmo o imaginar aleija,
em que meus olhos abertos perderei
e até ao mais doce devaneio darei morte?

CESURA I – 5/12/02

Estranha coisa é a fuga à morte e à vida,
que tantos impulsiona ao desviver...
Nada se deixa após a humana lida,
senão a lápide, em breve descrever:

Nasceu, morreu, seus filhos têm saudades;
a esposa, os pais, irmãos, os familiares...
Nada mais resta de tais atividades
em que gastou seus dias, aos milhares....

Muito melhor é a algo dedicar-se:
à ciência, à arte, ao povo, à religião...
Deixar algo de si que não pereça,

antes que o crânio comece a esfarelar-se...
Que já não reste qualquer recordação
e todo o amor que a alguém sentiu, esqueça...

CESURA II – 03 JAN 2015

Amor aos mortos é algo bem estranho;
mais do que tudo, vasto ato de fé,
pois se acredita em sobrevivência até,
para aceitar um sentir de tal tamanho;

sempre há certeza é de haver o arreganho
da morte em tal visão que toma sé
num ataúde ou se tal notícia é
irrefutável da guerra em arrebanho.

Porém crer que existe vida mais além
requer um esforço de imaginação
que no primeiro momento não nos vem;

surge de dentro essa tal convicção,
certezas íntimas que somente tem
quem as reveste com algum teor de religião.

CESURA III

Mas não existe qualquer povo que não tenha
forte ou mais fraca essa tal percepção,
independente de civilização
ou da cultura em que sua vida se contenha;

há muita imagem diversa que nos venha:
os indo-europeus praticavam a cremação;
por meio dela a sair em flutuação
não só as cinzas e a resina dessa lenha,

mas sombra, espírito, qualquer tipo de alma,
subindo aos céus ou descendo a algum lugar,
Hades ou Orco ou celestial Valhalla,

talvez o Svarya hindu ou a mansa calma
desse Nirvana de celestial flutuar
ou o Paraíso muçulmano de um Allah!...

CESURA IV

Também ocorre que povos primitivos
os cadáveres conservem, ressequidos,
e se dirijam a tais entes queridos,
conselhos esperando, igual que aos vivos;

outros ainda os corpos põem nos crivos
de suas fogueiras, assados ou cozidos
e os devoram em rituais, compadecidos:
sejam os mortos em seus ventres redivivos!

Sem esquecer as mumificações
desses povos entre os quais a lenha é escassa:
no Egito antigo, cada corpo em faixa,

nos Altos Andes, em elaborados potes,
com cobertores e alguns preciosos dotes,
para guardá-los por muitas gerações...

CESURA V

Entre os judeus e através da Palestina
predomina também o enterramento;
pira de lenha seria ali um portento:
raros gregos e romanos com tal sina!

Mas lá no Ganges, tanto ancião como menina,
após cremados, são lançados sem lamento;
o rio é santo e os leva em sacramento,
qualquer que seja a razão que os assassina!

Entre os aztecas, cada deus possuía um céu
e recolhia consoante o passamento,
sem um registro de boas ou más ações...

Mas quem da morte natural sofria o arpéu,
ficava à mercê dos demônios, num momento,
que o devoravam sem mais considerações...

CESURA VI

Por que, então, suicídio praticar,
se a vida continua após a morte?
Castigo ou recompensa como sorte
ou puro e simples retorno, ao reencarnar?

Se noutra vida iremos reencontrar
dos que viveram a sua completa corte,
no amor ou ódio ou intermédio porte,
de nossas emoções a relembrar...?

Por isso, tantos há que até queriam
que a morte toda a vida terminasse:
muito mais simples se chegasse então o fim!

Fugindo ao medo que os cristãos nutriam
de vasto Inferno que seu Dante registrasse,
a própria morte temendo tanto assim!...

ORQUESTRAÇÃO I – 5/12/02

THREE VERSES DELETED
e o rosto que me volta para o beijo...

TWO VERSES DELETED 
Mulher inteira e pronta ao sacrifício
da liberdade, pela semente desse ensejo.

NO VERSE DELETED
É assim, afinal, que mais se entrega,
nesse ritual arcano e misterioso,
em que se acopla o ventre ao agressor.

Que o útero, no fim, inteiro rega
e lhe derrama na alma o bem precioso,
que justifica ao mais infame amor.

ORQUESTRAÇÃO II – 04 JAN 2015

TROIS VERSES EFFACÉS
ritual antigo que lhe impõe a Natureza.

DEUX VERSES EFFACÉS
Na metabólica saga do hormonal
que mitocôndrios mistura em incerteza

PAS DE VERSES EFFACÉS
Nas misteriosas leis da mutação
o vasto exército branco vai à morte
em sua senda uterina avermelhada,

até que um só tome o cone de atração
e se desfaça na almejada sorte,
a sua coorte inteira dizimada!...

ORQUESTRAÇÃO III

TRES VERSOS BORRADOS
que deus ou anjo redige a partitura?

DOS VERSOS BORRADOS
Existirá por aqui democracia
ou nepotismo de demência pura?

SIN VERSOS BORRADOS
De que modo essa esfera escolha faz,
quais as enzimas que sem nariz percebe,
quais as faces conhecidas nesse escuro?

Qual a frecha que busca em tal carcás,
nessa atração em que esforços não se mede,
no compromisso total de seu futuro?

ORQUESTRAÇÃO IV

TRÊS VERSOS APAGADOS
são, no total, milhões de tentativas.

DOIS VERSOS APAGADOS
em lama branca, tropa com bandeiras,
correndo pelas trompas tão esquivas...

NENHUM VERSO APAGADO
E quantas vezes nem um só soldadinho
alcança o alvo no final de seu caminho,
mas se resseca e morre sem razão?

E dizer que foi um ato de carinho
que provocou hecatombe em profusão,
no altar profundo da erótica ilusão!...

CONSISTÊNCIA I – 5/12/02

Existe uma mulher, cuja elegância
preenche a vista e me polvilha o olhar.
Não basta o seu vestir --- tal adejar
meus olhos cauteriza de fragrância...

Porque a mulher que, realmente, é bela,
é bela por inteiro e a meus sentidos
atinge totalmente, malferidos,
inesperadamente, porque dela

dimana o gosto que me assalta o ouvido;
explode o brilho que percebe o tato;
retine o som na língua e no nariz...

E seu perfume ondula, num gemido,
tão sólido e ridente que, de fato,
demonstra ser tão bela quanto a quis...

CONSISTÊNCIA II – 05 JAN 14

Contudo, se possuir essa mulher,
pelos caprichos da natureza humana,
não mais terei a maravilha que dimana
de meu imaginar em malmequer...

Sei muito bem que a vida faz mister
de bordar um bastidor que a mente engana;
se tal mulher perfeita fosse, quão insana
deixaria a humanidade em seu sofrer!

Somente os mais ingênuos podem crer
que ela seja o esplendor da perfeição
e nessa teia totalmente se envolver;

e ela sorri, em sua constante mutação,
pois não são estes, de fato, que ela quer,
mas arredios que despertem sua paixão!

CONSISTÊNCIA III

Que se compreenda, então, que não a busco,
salvo talvez com a constância de um olhar,
com que a possa, eventualmente, perturbar,
na hipnose ofídica em que a ofusco.

Se a mim se achega, geralmente arrisco,
numa cortina de galanteios me ocultar;
tão só inuendos, gentil a lhe falar,
perdida minha intenção em lusco-fusco...

Porque, de fato, não a quero conquistar
a muito menos a pretendo torturar:
quero um pretexto para a minha poesia;

tomando o corpo, sua sombra vai flutuar
e já não posso descrever a nostalgia
que de outro modo, tanto iria me inspirar!

CONSISTÊNCIA IV

Porém não serve para tal qualquer atriz,
no cinema ou nos palcos a flutuar;
sinto-a intangível demais para tocar
e assim não posso me negar o quanto quis;

quero-a perto, perdendo-a por um triz;
o seu odor na brisa a me magoar,
a sua visão nos olhos a queimar,
que possa pô-la em pedestal de imperatriz!

Só assim penso no que podia ter sido
e desta forma descrever o que não foi:
a sua cintura se torna a minha caneta,

nesse amor cálido que não foi jamais vivido,
tanto mais triste quanto menos dói,
tão mais real a paixão, por ser secreta!...

GALOPE DE LUZ I – 06 JAN 15

Num relâmpago ela passa e deixa apenas
O fragor de seu sorriso, o terremoto
De seu perfume incontido de ignoto,
Breve corisco de riso e de açucenas...

Com a atração das pernas me envenenas:
Sou forçado a seguir, destino roto,
Esquecido o dever, lançada ao esgoto
Qualquer obrigação, pois me condenas

A tal humilhação de peregrino
Que não sabe sequer qual é o santuário
Em que se encontra a relíquia desejada,

Ensurdecido a tudo, salvo o sino
Destes saltos repicando, em relicário,
Por sobre as tijoletas da calçada...

GALOPE DE LUZ II

Os passos soam ao longe e me perseguem,
Antes mesmo que te consiga ver
E muito menos que por ti possa sofrer,
Sob o veneno dos beijos que me neguem...

Ouço os tacões, tal como se me preguem
Retalhos da audição nesses prazer;
Saltos tão finos que mal posso perceber
Como em tropeço seu corpo não entreguem...

Será que, realmente, ela caminha
No pedestal desses cinzéis de gelo
Ou a criei em meu próprio labirinto?

A orquestra simples, aos poucos, se avizinha
E em moinhos de oração, louvor singelo,
Desvendo ao vento apenas quanto sinto!...

GALOPE DE LUZ III

Talvez devesse recordar alguns camelos,
Como esses de algodão, que a Avó fazia,
Justamente em tom oposto – nunca ouvia
De suas patas na areia sons ou selos...

Talvez devera nesta data outros desvelos:
Mais três Reis Magos que a rainha que luzia,
Mas os seus passos ainda assim escutaria,
Embora surdo, em revérberos belos!...

E vão tais sons gerando apenas ecos
Dos passos da mulher que não conheço
E que só posso imaginar como seria,

Da garganta a soltar soluços secos
Dessa emoção controlada, que não cesso
De imaginar com que prazer provocaria!

goon show I – 07 JAN 2015

são as férteis que eu quero; essas mocinhas
não me despertam desejo; nem sequer
em adolescente; sempre busquei mulher
adulta e ativa entre trigais e vinhas.

sei que homem e mulher vivem em rinhas,
quando o sangue é derramado por qualquer
esporão ou por bicadas, que ela quer
dominar pelas causas mais mesquinhas...

mas não me importa tal confrontação.
são as férteis que eu quero, já maduras,
pois já sofreram e sabem como amar;

mesmo que a rixa venha a continuar,
as razões de suas raivas são mais puras
e raramente – até mostram compaixão!

goon show II

a atração que sinto por meninas
é de ordem bem diversa, esse frescor
que se encontra em madressilvas, o pendor
da grinalda em brancuras tão prístinas.

eu vejo nelas as gotas peregrinas
da humanidade em seu primeiro odor;
serão mulheres um dia, em esplendor,
verde atração das graças femininas!

mas que pena que crescem! bem queria
poder plantá-las em meus vasos de argila
e que ali para sempre florescessem!

pois quão depressa esse viço se esvazia!
já adolescentes, nos desfiles fazem fila,
já a malícia a nutrir antes que crescem!

goon show III

e como nas baladas já se expõem
e presa fácil se tornam dos perversos!
antigamente, eram os lares bem mais tersos,
mais perigos a evitar, que tanto soem;

ou sobre véus e grinaldas as depõem
em matrimônios, desde os primeiros versos,
contos de fada repetindo já nos berços,
aleitando bebês que os peitos roem.

mais do que amor, sinto pena e simpatia:
eu a narrar contos de fada gostaria,
para mentir sobre os príncipes encantados!

mas essas jovens de prematura zombaria
em preferia ver de corpos intocados,
junto a unicórnio que só virgem domaria!...

FORENSICS I – 08 JAN 14

Em minha memória existem cisnes de algodão,
Seus esqueletos armados com arame;
A minha avó, sem fazer qualquer reclame,
Molhava em cola para os moldar com devoção.

Havia dezenas de obras de sua mão,
Camelos, elefantes e um derrame
De ciprestes e arbustos, num recame
Do presépio de tão velha aquisição.

Vejo as figuras de gesso na memória,
Mas sobre sua choupana de sapé
Havia dois anjos com asas, mas sem pernas,

Abrindo a faixa que proclamava a glória
Para o Deus que nas alturas ainda é
E ainda será em mil glorias sempiternas...

FORENSICS II

Estranha coisa que, só finda a epifania,
Saia a lembrança com dois dias de atraso;
Quiçá ao contrário em adiante, nesse acaso
Que quatro dias de avanço geraria

No calendário, pela equinócia correria,
O ano a retardar em seu ocaso,
Mais noventa e seis horas nesse vaso
Que se derrama depois que se anuncia...

Pois havia noventa e seis criaturinhas,
Todas feitas de cola e de algodão,
Na maioria, ovelhas e pastores,

Queimadas todas no incêndio, pobrezinhas!
Após guardadas com tanta devoção,
Findado o tempo, afinal, de seus labores...

FORENSICS III

Por isso, hoje as menciono em nostalgia,
Qual se fizesse a própria autópsia mental;
Durante décadas eu conservei o ritual
Em que nosso vasto presépio se estendia

Ao redor das raízes, em que dormia
Aquela velha araucária de Natal,
Que qual fora bonsai, cresceu bem mal,
Dentro do vaso de cimento que a prendia.

O presépio de gesso mais antigo
Dei como herança a meu filho mais velho,
Mas nunca soube se o montava na sua casa.

E meus soldados de brinquedo ainda consigo
Distribuir entre meus filhos, bom conselho,
Antes do incêndio que tudo o mais arrasa!...

O LIVRO DOS NOMES MORTOS I – 9 JAN 15

NAS MINAS DA NOITE CINTILAM LEMBRANÇAS
DURANTE A CANÍCULA SÃO MAIS ABAFADAS
DURANTE MINHAS SESTAS TALVEZ DESPERTADAS
MAS LOGO COMPOSTAS EM VASTAS MUDANÇAS

PELOS SONS QUE ME ASSALTAM OU ODOR EM ANDANÇAS
E O BRILHO DO DIA EM MEUS OLHOS VAZADOS,
NO LENÇOL OU NA COLCHA MEUS DEDOS TRANÇADOS
OU DA PRÓPRIA SALIVA EM SUTIS ESQUIVANÇAS

AS LEMBRANÇAS CORROMPEM AS CEM PERCEPÇÕES
ENTENDIDAS A MEIO E O SONHO RETORCEM
NÃO É O QUE RECORDO, MAS SÓ O QUE REFINO

NAS MINAS DA TARDE AS MIL VARIAÇÕES
QUE IMAGENS MAIS DURAS DA VIDA ME ENDOSSEM
NAS TRÊS DIMENSÕES DE UM SUTIL DESATINO!

O LIVRO DOS NOMES MORTOS II

NAS MINAS DA NOITE MAIS FUNDO ME ENTRANHO
OS CARVÕES DESSE ESFORÇO TÊM PESO TAMANHO
QUE VIRAM DIAMANTES POR PURA PRESSÃO:
TRANSFORMO O CINÁBRIO EM PRATOS DE ESTANHO

TRANSMUTO O BOLOR EM HISTÓRIAS DE AÇÃO
ENCONTRO AS PESSOAS E LUGARES QUE ESTÃO
GUARDADOS EM TROUXAS E SACOS DE ANTANHO
DESFAÇO SEUS NÓS COM O FIO DO PICÃO

E ALI OS ENCONTRO, OS NOMES ANTIGOS
COLADOS NOS ROSTOS DE SONHOS DE OUTRORA
OS NOMES DOS LIVROS E OS NOMES DAS RUAS

E OS POSSO ABRAÇAR, CONHECENDO OS AMIGOS
QUE IGUALMENTE ME ABRAÇAM NO FLUIR DESSA HORA
E OS NOMES DESFILAM NAS LÁPIDES NUAS.

O LIVRO DOS NOMES MORTOS Iii

PORÉM QUANDO ACORDO, ESTRANHA QUIMERA!
MAL POSSO LEMBRAR O LUGAR EM QUE ESTIVE
JÁ OS ROSTOS NO OLVIDO DE QUEM ALI VIVE
NA NOITE VINDOURA ENCONTRADOS À ESPERA!

NAS MINAS DA NOITE MIL MOLDES DE CERA
DO PÓLEN DA FLAMA QUE NA MENTE CONTIVE
AS MÁSCARAS MORTAS DE QUE O DIA ME ESQUIVE
ABELHAS EM ÂMBAR DE GENTIL PRIMAVERA

NAS MINAS DA NOITE, PICARETA E ENXADA
A ABRIR OS CAMINHOS DAS CIRCUNVOLUÇÕES
CANAIS DE VISITA PARA O OLVIDO DOS PORTOS

E QUANDO ME ACORDO, NÃO LEMBRO MAIS NADA
ALFARRÁBIOS EM TRAÇAS DE MIL GERAÇÕES
NEM SEQUER NAS PUPILAS OS NOMES DOS MORTOS.

PERGAMINHOS DE SONHO I – 10 JAN 15

Em que quadrícula se estampa o meu desejo?
Ou é planta afinal, no papel azulado
em que um arquiteto o seu plano marcado
sedulamente insistia em grafar cada ensejo?

Em qual letra morta se inscreve um adejo
de sonho esquecido em lugar isolado,
não sabido e incerto, como era afirmado
nos velhos jornais, pura falta de pejo

do paradeiro perdido de algum malfeitor
no espanto e no grito dessa esfarrapada
desculpa simplória para a ineficiência?

Eu lia os jornais com empenho e vigor,
em vão esperando notícia encantada
que em cantos tornasse a prosaica cadência...

PERGAMINHOS DE SONHO II

Bem cedo aprendi como um quadro ampliar,
em esforço cuidado, cada ponto a copiar
de um quadriculado, sem a facilidade
que hoje minha tela me dá, sem cansar...

Pergaminho de plástico, pós-modernidade
que só quer garantir como perpetuidade
as leis que hoje fazem para amanhã desmanchar,
a ciência e a técnica a chamar falsidade...

Mas antigamente muito mais me prendia
no trabalho aplicado em que assim me esforçava,
satisfeito ficando ao ver resultado...

Enquanto hoje, contudo, outro qualquer o faria
e até, dentro em breve, a tridimensão levava,
dando corpo ao desenho tal qual desejado...

PERGAMINHOS DE SONHO III

Os monges escrivães nos velhos pergaminhos,
com suas penas de ave e o tisne do fogão,
letra após negra letra a desenhar com paixão,
deixando às iniciais seus escaninhos,

para que outros, com especiais carinhos,
as esculpissem em iluminuras de ilusão;
quem ampliava, o fazia em devoção,
caros os couros, afinal, nada mesquinhos...

E havia outros que, ao contrário, os apagavam,
sem o menor sinal de compunção,
dando lugar para seus palimpsextos...

Eram escritos dos pagãos que condenavam,
substituindo-os por louvor à religião,
para os reduplicadores de seus textos.

PERGAMINHOS DE SONHO IV

Porém bem mais ampliei dentro da mente
esses mil textos que não fui apagar;
alguns poemas que cheguei a decorar,
qualquer ciência que ao povo se apresente,

já que é nos pergaminhos do inconsciente,
que de animais não preciso retirar,
que redigi o quanto fui capturar,
para depois consultar conscientemente.

Ou quem sabe?   Ganham vida os pergaminhos,
nos escaninhos da mente a copular,
assim gerando mais poemas nos seus giros,

que para fora ainda abrem seus caminhos,
para mim, mais que a todos, espantar,
nos hieróglifos destes meus papiros...

SORVEDOURO I – 11 JAN 2015

As palavras me escorrem entre os dentes
por mais aperte da boca as comissuras;
por minhas bochechas trapaceiam puras
as frases duras de esplendor frequentes;

pelo palato me vêm, subjacentes,
pelas gengivas como espadas duras,
na superfície da língua em amarguras,
os lábios abrem, falazes e pungentes...

Não são aquelas que eu pretendia dizer,
pois quando as digo, não encontro acolha
mas realmente não tranco essa comporta

de um oceano de calma a recolher,
marés antigas em salgada rolha
que entre a úvula e as amígdalas se entorta.

SORVEDOURO II

Dizem que é sempre externo o atoladouro
no qual podemos pisar, em distração,
em que o incauto se perde em tal sucção,
primeiro os pés, até a boca em matadouro...

Assim em vão se buscará planta de ouro,
os olhos a atrair, morna ilusão,
para o corpo inteiro tomar nessa ocasião,
sugando a vida para seu total desdouro...

Mas o que sinto é o meu abismo interno,
que me suga para as faldas do infinito:
dentro de mim existem tantos mundos,

tantas galáxias, tanto sonho eterno
que me sussurram, em silencioso grito,
até prender-me em cometas furibundos!

SORVEDOURO III

E deste modo, meu sorvedouro é inverso,
pois se esforça para ao mundo borbulhar,
tal qual um gêiser em fervente derramar,
como um espelho que se olha do reverso;

assim dos lábios, às bolhas, brota o verso
que a ninguém mais do que a mim pode queimar;
muito mais dói o que canto que o escutar
da zombaria e do desdém, por mais perverso.

Destarte, sempre a mim eu sorverei:
escorre o cérebro em cada melodia;
se te machuca, a mim fere muito mais!

Por mais que aperte, os lábios abrirei,
o grito a derramar-se em elegia
por tantos outros que não direi jamais!...



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