sexta-feira, 2 de janeiro de 2015





O RATINHO VIAJANTE
(História adaptada [com intercalações] de trechos de três contos infantis de Antonio Barata,
Versão poética de William Lagos, 10 dez 14

O RATINHO VIAJANTE I

Era uma vez um jovem marinheiro
que teve folga para descer à praia;
lá se foi ele, de uniforme branco,
usando um gorro de lã em sua cabeça;
mas de repente, o vento deu-lhe um tranco
e o gorro voou de seu poleiro,
girando pelos ares em gandaia;
o marujo foi atrás, na maior pressa,
mas o gorro se escondeu, assim parece;
correu o rapaz por ali, num sobe e desce,
mas ninguém o ajudou, por mais que o peça!

O gorro fora empurrado pelo vento
para o meio de duas tábuas, bem ligeiro;
passou por cima, sem poder ver nada
e depois de meia hora, desistiu...
Ficou ali a pobre roupa abandonada,
mas protegida da chuva e do relento;
uma ratinha então buscava um paradeiro
e entrando ali, depressa o gorro viu:
era de lã e assim serviu de ninho,
para ter seus filhotes no quentinho,
até que uma dúzia de ratinhos se reuniu!

Eram todos cor-de-rosa, peladinhos,
até menores que os dedinhos de tua mão;
a ratazana aos doze amamentou;
então cresceram e os mandou embora!
“Vão procurar comida!” – lhes mandou.
“Já têm três meses, estão bem taludinhos!”
E lá se foram, com uma certa hesitação,
encontrando buraquinhos sem demora;
como era um porto, havia mais de um armazém
e dependendo, até se deram bem,
mas para alguns, soou depressa a hora!

Os que entraram na casa das pessoas
foram bem rapidamente perseguidos;
um ratinho caiu em uma ratoeira;
uma ratinha pereceu a vassouradas;
a maior parte a gataria, ligeira,
caçou contente e fez refeições boas;
os mais espertos acharam túneis escondidos
e se uniram às multidões “rateadas”
que faziam festa sob os armazéns,
subindo à noite para saquear os bens
nas jarras e sacolas ali guardadas!...

O RATINHO VIAJANTE II

A rataria gostava mesmo era de queijo,
mas devoravam arroz, milho e cereais,
roíam charque, mudas e sementes
e como eram muito numerosos,
causavam grande prejuízo para as gentes;
sempre que um ratão  e uma rata faziam festejo,
ela buscava uma toquinha, assim no mais
e tinha doze ratinhos bem curiosos,
que logo saíam, roendo por demais,
tornando os homens inimigos naturais,
vendo nos gatos adversários perigosos!

Então montavam muitas armadilhas,
fumigavam os túneis com veneno
ou os enchiam de água com mangueiras
e nas saídas com cachorros esperavam!
Mas sempre alguns escapavam das ratoeiras,
roíam os fios que acionavam pilhas
e se escondiam no furinho mais pequeno;
e tão depressa se multiplicavam
que o combate virava real guerra;
contudo, estavam presos nessa encerra
e cedo ou tarde, os gatos os pegavam!...

Alguns abriram novas canaletas
e fugiram para baixo da cidade,
onde encontraram muito mais espaço
e nas despensas também havia alimento;
iam às calçadas caçar cada pedaço
de pão ou de sanduíche e, nas sarjetas,
havia sorvetes e pipocas à vontade,
que mastigavam sem grande impedimento
ou arrastavam para dentro dos esgotos,
até aqueles pontos mais remotos
em que montavam seu assentamento.

Havia um ratinho chamado Ratiberto,
que nascera entre as tábuas, lá no cais;
atravessara a rede de armazéns,
morando embaixo de um rico restaurante;
nem precisava roubar humanos bens,
era só procurar no lixo aberto
e ali comia até não poder mais,
bebia cerveja e ficava bem falante!
Até um charuto fumado pelo meio
Ratiberto pitava, sem receio:
tinha uma vida bastante interessante!

O RATINHO VIAJANTE III

Mas escutava as conversas dos clientes,
que falavam sempre no Rio de Janeiro
e encasquetou que se mudaria para lá,
onde acharia um milhão de lancherias;
churrascarias e bons clubes também há,
belo lugar para ratos inteligentes
e empreendedores fazer um bom dinheiro
para forrar o ninho das “gurias”
que sendo rico, poderia conquistar
e pelo mundo com elas viajar,
comendo os restos das hospedarias!

Uma noite, portanto, Ratiberto decidiu
e embarcou no carrinho de um padeiro
que ele pensava dirigir-se até o Rio!...
Mas que só ia entregar na padaria,
que ficava em outro bairro, a sua fornada!
Furou um pão e escondidinho ali dormiu.
O padeiro levantou-se, bem ligeiro,
ligou o motor e pela rua já partia,
mas como um pouco demais ele dormira,
por uma estradinha um atalho descobrira
e uma velhinha encontrou, que ali seguia...

A senhora estava no meio da estradinha
e o padeiro se pôs a buzinar!
Ela saiu devagarinho para o lado
e então pediu uma carona ao motorneiro...
Mas ele estava já meio atucanado
e foi grosseiro com a pobre da velhinha:
“Estou com pressa e não posso me atrasar!”
Deixou a coitada plantada no terreiro,
comendo poeira... Mas ela fez um sinal
e a porta dos fundos se abriu e é natural,
foram os pães caindo bem ligeiro!...

Dentro de um, caiu o nosso Ratiberto
e nessa queda foi jogado para fora!
“Mas já cheguei até o Rio de Janeiro?”
ele indagou, depressa, à tal velhinha.
Ela sorriu: “Mas nem perto, seu matreiro!”
Foi o ratinho para um matinho perto,
seguindo em frente, devagar, a boa senhora,
no mesmo passo lento que mantinha.
Ratiberto sobre um galho se empinou
e quando um outro veículo ali passou,
deu um pulo e caiu na carrocinha!...

O RATINHO VIAJANTE IV

Era um leiteiro da roça, que só tinha
uma carroça puxada por um burro.
Ratiberto entre os tarros se enfiou
e bem depressa, alcançaram a velhinha!
Mais uma vez, ela carona suplicou...
Disse o leiteiro: “Minha pobre carrocinha
está cheia!”  O animal soltou um zurro!
“Escutou só?  A minha boleia é estreitinha,
não há lugar para sentar duas pessoas!
Depois, vovó, para que tem duas pernas boas?”
E seguiu rindo ao longo da estradinha...

Mas a velhinha fez um certo sinal
e logo adiante, ele deu um solavanco
e os tarros se espalharam pela estrada,
derramando todo o leite que levaram!
Ratiberto caiu de cambulhada;
o leiteiro recolheu as vasilhas, mal e mal,
o próprio burro já ficara um tanto manco...
Ratiberto e a velhinha se encontraram:
“Como é, cheguei até o Rio de Janeiro?”
“Você não está nem perto, seu matreiro!”
O ratinho e a velhinha se encararam...

Ratiberto saltou de novo para a beira
da estradinha e a velhinha prosseguiu.
Daí a pouco, chegou outra carrocinha,
que puxava um cavalo bem cansado,
com uma carga de grandes melancias...
Chegou a velhinha e já pediu, ligeiro
uma carona e o verdureiro riu:
“Até lhe dava, mas o cavalo, coitado!
Com as melancias e nós dois, derruba!...
Mas a gente faz assim: a senhora suba
e eu sigo a pé, caminhando do seu lado...”

Podia-se ver que era mais pobre ainda
que o leiteiro, mas seguiram conversando
e Ratiberto aproveitou para pular;
ele contou que tinha mulher doente,
mas sem dinheiro para consultar;
como sua horta dera melancia linda,
ia vendê-la e, o dinheiro dando,
algum remédio compraria, realmente...
Mas a velhinha lhe deu dois pacotinhos:
“Estas sementes trazem sorte e dinheirinhos
e este remédio cura qualquer gente!...”

O RATINHO VIAJANTE V

Enfim, chegou a carrocinha até a feira;
a velhinha agarrou, muito depressa
a Ratiberto dentre as melancias,
que assim dela nem pôde se escapar!...
O verdureiro nem notou essas magias...
A velhinha dobrou a esquina, bem ligeira:
“Então, arteiro, espertalhão à beça,
deste um jeito de até aqui chegar...?”
“É aqui que fica o Rio de Janeiro?”
“Claro que não, ratinho aventureiro,
mas, se quiseres, eu posso te levar...”

Ratiberto aceitou, muito contente
e foi montado no ombro da velhinha,
até chegarem à praia, junto ao mar,
quando ela se transformou, magicamente:
em vez de roupas, escamas a brilhar,
com uma cauda de verde opalescente...
“A senhora é fada ou uma sereiazinha?”
“Sou uma sereia,” falou ela, bem contente,
e seguiu pela areia caminhando...
“Mas a senhora tem pernas, estou notando!”
“Tenho é duas caudas,” falou naturalmente.

“Caso eu tivesse uma cauda somente,
como os humanos costumam me pintar,
sobre a terra mal poderia me mexer!
E como vê, há um par de barbatanas
em cada cauda, para me locomover...
Mas como sabe de sereias, realmente?”
“Eu vi num livro e também ouvi falar...”
“Em terra eu finjo ter pernas humanas,
mas em geral, caminho devagar
e só costumo de afastar do mar
quando premida por razões bem soberanas!”

Dizendo isso, ela penetrou no mar,
com o ratinho em seu ombro, empoleirado.
“Vai me levar para o Rio de Janeiro?”
“Você não prefere ir morar comigo?
Tenho um palácio de jade lisonjeiro;
há muitos peixes para você brincar,
caranguejos e estrelas em todo lado...”
“Porém há ratos no seu formoso abrigo?”
“Claro que não, vocês não são do oceano...”
“Então não quero descer a tal arcano!
Vou me afogar, se mergulhar consigo!...”

O RATINHO VIAJANTE VI

“Já caí dentro de um balde, certa vez,
engoli água e quase me afoguei!...
Não quero outra vez passar por isso!
Eu quero é ir para o Rio de Janeiro!...”
“Não me quer bem? Nem sei a razão disso,
mas vou colocá-lo em terra, meu freguês...
Depois não diga que não o avisei!
Lá encontrará mil perigos, bem ligeiro!...”
“Está certo, mas me afaste desta água,
estou com medo e verdadeira mágoa:
levar-me ao Rio me prometeu primeiro!...”

Assim a sereia, um pouco despeitada,
até a terra mais próxima o levou.
“É aqui que fica o Rio de Janeiro?”
“Não, é uma ilha.  Arranje outra condução!”
Logo nas ondas mergulhou, ligeiro,
ficou o ratinho na margem, abandonado
em uma ilha!... O Rio assim não alcançou,
mas caminhou em uma certa direção
e logo encontrou um marinheiro,
a quem seguiu, escondido, mas certeiro,
esperando melhorar de situação!...

Logo chegaram a um ancoradouro,
em que havia um trapiche de madeira
e uma prancha que até barco levava;
o marinheiro foi subindo, calmamente,
mas Ratiberto, é natural, hesitava,
pois vira um gato, que achou de mau agouro,
dentro do barco, da prancha bem na beira:
precisava de passagem diferente...
E viu então uma corda ali estendida,
amarrada a um pilar, meio escondida,
e foi correndo por ali, contente...

Logo encontrou um buraco arredondado,
junto da corda, para si bastante espaço,
correndo então, seguro, até o porão,
sentindo o cheiro de outras ratazanas,
que lhe disseram: “Somos a tripulação,
você é um clandestino desgraçado!...
Não há comida para você, madraço!...”
Mas por essas coincidências soberanas,
uma das ratas logo o reconheceu:
“Mas você é o Ratiberto!” E o acolheu.
“És meu irmão, que partiu há três semanas!”

O RATINHO VIAJANTE VII

“Ratifonsa!  Mas você estava na cidade!”
“Pois é, mas me casei com o Ratonei,
que é marinheiro neste lindo navio...
Está cheio de comida este porão
e meus filhotes vão nascer longe do frio...”
“Ratifonsa, vi um gato, na verdade!...”
“Ah, nós sabemos, porém nunca o encontrarei,
ele tem medo da nossa tripulação...
Nós somos muitos... Ele só ataca no momento
em que algum idiota sobe até o alojamento...
E até merece esse destino, o bobalhão!...”

“Porém me diga, Ratifonsa, este navio
vai viajar até o Rio de Janeiro?...”
“Acho que não, porém faz cabotagem (*)
e certamente vai até o continente!... 
De lá, você completa a sua viagem...”
Assim Ratiberto navegou, com muito brio,
desceu no porto em que chegou primeiro
indo foi pedir informações, urgente,
e lhe disseram: “Vá até a Ferroviária,
não vá tomar a composição contrária,
só aquela que ao Rio viaja realmente!...”
(*) Comércio entre portos ao longo da costa.

A muito custo, correu até a estação;
aquele porto tinha muito movimento,
mas a cidade era de fato pequeninha...
Ele ficou observando os passageiros...
Ler não sabia, que coisa mais mesquinha!
Não têm os ratos direito à educação?
Mas se escondeu naquele entroncamento
a escutar os viajantes, interesseiro,
dizendo os lugares a que pretendiam ir
e foi assim que conseguiu ouvir
os que ao Rio se dirigiam primeiro!...

Subiu na plataforma e se escondeu
e no momento em que o trem abriu as portas,
entrou depressa, entre os passageiros,
para encolher-se, embaixo de um assento,
os ouvidos bem abertos, bem arteiros.
Alegre o trem por seus trilhos correu;
fez ninhozinho com umas folhas mortas
e de repente, cessou o movimento!...
“Estação Rio!” – gritou o Chefe do Trem.
Com os passageiros se esgueirou, também
e lá estava na plataforma, num momento!...

O RATINHO VIAJANTE VIII

Porém ficou muito desapontado:
onde se achavam os grandes restaurantes?
Os clubes noturnos, as churrascarias?
Eram seis ou sete quadras mal calçadas,
além de matilhas de cães, às correrias!
Ora, o Rio é pouco mais que um descampado,
venho de pontos muito mais interessantes!
Voltou à estação, de orelhas aguçadas,
buscando ouvir o nome do lugar
de que viera e ao qual queria voltar,
até que ouviu as palavras pronunciadas!...

Assim que conseguiu, entrou no trem
e se escondeu embaixo de um assento.
Não demorou e viu parar a composição,
ouvindo o nome que tanto desejava!...
Sem perder tempo, acompanhou a procissão
(que, na verdade, pequena era também!)
e reconheceu a sua terrinha num momento.
Logo a seguir, pelos túneis se enfiava,
até chegar ao lugar de que saíra,
achando o povo de que se despedira:
como um herói triunfante retornava!...

Matou a fome em uma lata de lixo
e foi depois com os parentes conversar;
lembranças de Ratifonsa transmitiu
e a seguir descreveu a sua viagem:
“Meus amigos, quem o Rio de Janeiro viu,
Pode dizer que é lugar bastante micho!
É bem menor do que costumam afirmar,
valeu a pena só pela paisagem,
mas não é um lugar tão importante;
nossa terrinha tem vantagem bem flagrante
e aquele povo só passa na vadiagem!...”

É claro que se referia à cachorrada
e nunca percebeu que só chegara
a um lugarzinho chamado Rio de Fevereiro,
que era a estação mais perto de sua terra...
Mas como fora o único aventureiro,
tornou-se aceito como autoridade de nomeada
e a rataria plenamente o aceitara...
Com os tempos, narrou até uma guerra
que tivera de travar e outras proezas,
os ratinhos a escutar, de orelhas tesas,
as maravilhas que seu relato encerra!...

MORAL DA HISTORIA:
Em terra de ratos, quem pega um trem é rei!...

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com



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