DORILÉGIO
& MAIS, 18-27 MAIO 2018
Novas
séries de William Lagos
DORILÉGIO I – 18 MAIO 18
Para que servem minhas dores, afinal,
senão lirismo para mais poemas?
O reumatismo transforma-se em
verbenas,
dor de ciático em doce madrigal!...
Das dores dos quadrís faço um coral,
pés doloridos um dueto de açucenas,
uma enxaqueca a ser cordel apenas,
dores no peito rubro drama triunfal!
Os tornozelos viram alexandrinos,
dores nas costas em sonetos revivi,
as queimaduras a transformar em
hinos,
Sai da tosse contínua uma cantata,
da miopia longo oratório construí,
a dor de dentes transformei numa
toccata!
DORILÉGIO II
Já aconteceu que o que faço comentasse
com uma amiga, a se queixar das suas,
que me fitou com expressões bem cruas:
“Que minhas dores em poemas transformasse?”
“Quem sofre dores que a um amor se abrace.
mas essas dores agudas como puas,
dos calos de meus pés, penúrias nuas
diversas são da que a alma me perpasse!
“Entendo bem que tuas penas morais
sejas capaz de transformar em arte:
pungentes penas são as espirituais;
“ou que sejam quaisquer mágoas mentais
que dêem origem as versos de tua parte,
de forma alguma as dores corporais!...”
DORILÉGIO III
Não quis mais discutir com a doce amiga,
especialmente agora, que não sente
qualquer dor física mais impertinente,
talvez alguma espiritual ainda consiga.
Maugrado meu, é preciso que aqui diga
que só a encontro com o olhar da mente.
Seguiu o destino comum de toda gente,
com uma réplica não é justo que a persiga.
Eu só espero que, das dores corporais
estando libertada noutro plano,
não sofra agora de outras mais espirituais.
Como avaliar as dores que sentiu?
Ou comparar às minhas, dote arcano...
Somente posso lamentar o que a feriu!
DORILÉGIO IV
Com mais de um livro
chamado “Florilégio”
já deparei. Alguns deles mesmo li;
bem diversos tais
poemas descobri,
não me possui
semelhante sortilégio;
mas nesta idade, as
dores em arpeggio,
com frequência
assaltar-me percebi;
quando uma passa,
sua amiga surge ali
e por que não fazer
delas “Dorilégio”?
E enquanto em versos
as decanto, uma a uma,
cada mágoa vira
sonhos de latão,
cada tristeza
flutuando como pluma!
E quando as dores do
corpo fortes são,
mais as transmuto de
poema em ruma,
por mais que doam as
costas de minha mão!
LUNILÉGIO I – 19
MAIO 18
A Lua desce no
banheiro, qual fantasma,
em cintilante
cromado amortalhada,
sem impertérrita
visão de alma-penada,
nenhuma inquietação
sequer me pasma!
Estende os dedos,
etérea, um quase nada,
qual ilusão a
produzir-me no quiasma,
numa figura esguia,
que me orgasma,
por um instante de
loucura apaixonada!
Quase suspeito seja
mesmo selenita,
a estratosfera
cruzando, a me encontrar,
madeixas frias os
seus raios de luar;
como alumínio, um
dedo seu se agita,
para à frente dos
demais se apresentar,
numa visão monótona e
infinita!...
LUNILÉGIO II
Não esperem de mim
que hoje a descreva
como a dama gentil
dos namorados,
metáfora comum, sem
dons alados...
Só a imagino como
estando presa
nesses ladrilhos e,
com certa gentileza,
tanto apanhar do
chão dedos gelados,
para deixá-los nos
meus acalentados,
pobre avatar
bramânico de uma deva!
Se satisfeito
estivesse esse luar,
ao debruçar-se em
telhados e calçadas,
por que viriam em
meus ladrilhos se arrastar
essas alpacas de
estanho maculadas,
riscas de luz ante
mim estilhaçadas,
como a pedir perdão
por me afagar!
LUNILÉGIO III
Já no passado tantos
descreveram
esse luar que molha
o coração
com sua estranha e
fria compaixão;
e quantos outros ao
luar temeram!
No plenilúnio muitos
se envolveram,
cálido gelo
provocando queimação,
níveo palor arcano
de emoção;
quantos ainda nele
se perderam!
Porque há perigo
sobre aléia deserta,
quando o luar se
escorre lentamente,
numa tocaia que
ninguém aguarda!
Consigo leva quem lhe
mostre a alma aberta,
as suas crateras a
preencher, contente,
pois quem a adora
para sempre guarda!
LUNILÉGIO IV
Tampouco assim se
sente satisfeita,
é tão fácil deglutir
alma tristonha
ou alma ingênua de
paixão bisonha
que facilmente sob o
luar se deita!
busca voar, devorada
nessa feita,
toda esquecida já
dessa medonha
rejeição desse amor
com que mais sonha,
quando às gavinhas
da Lua se sujeita!
Telhados cobre como
luzes de alumínio,
só os gatos sentem a
dor desse amianto,
uivam os cães
perante o lenocínio,
sempre que a Lua
seus raios prostitui,
a preço apenas de
mil gotas de pranto,
no melancólico
fulgor que à noite flui.
LUNILÉGIO V
Mas essa Lua Cheia
que se esgueira
pelas lajotas e
capachos do meu chão
não me pretende
beber o coração,
nem armadilha me
prepara sorrateira;
se espalha leve,
nessa invasão ligeira,
enviesada num
sarcasmo de emoção,
qual sacrilégio a
prateada confissão,
um raio apenas, em
que se entrega inteira!
Não é a lua sutil
dos namorados,
nem a luz patibular
dos enforcados,
está completa e
desvestida nesse fio,
nessa metálica folha
protetora,
fina demais para
fazer-se sedutora,
pálida chama débil
no seu cio...
LUNILÉGIO VI
Ao se esticar,
alfombra de meus pés,
a Lua erguida há
tantas gerações,
alume em lascas de
mil gradações,
musa perdida na mica
dos atés,
acrisolada em sabor
de canapés,
electro sólido,
escrava das prisões,
demarcada pela noite
em mutações,
sem mais poder-se
firmar nas velhas fés,
a Lua viva, um
escorço de lamento,
querendo apenas
tornar-se permanente,
infiel à adoração de
qualquer crente,
a sublimar-se em mim
nesse momento,
que assim tornasse
humana a deusa eterna,
em mim brilhando
qual límpida lucerna!
RITMO METAFÍSICO I – 20 MAIO 18
Algumas vezes, as paredes me sorriem,
em seus gestalts a
formar faces pequenas,
imaginárias estruturas às centenas,
que das fendas do reboco nos espiem;
para outros, talvez até dentes afiem,
para mim não. Quiçá
despertem penas,
quando muito. Raramente
algumas cenas
tais marionetes ao interpretar aviem.
Mas nunca chegam a mostrar-me movimento,
somente junto às riscas das paredes,
algumas manchas de mofo irregulares,
satisfazendo qualquer arcaico sentimento,
a solidão sendo afastada por tais redes,
ou talvez monotonias mais vulgares.
RITMO METAFÍSICO II
Há certas coisas que herdamos desde o berço,
alguns padrões em primitiva cruz,
em que o olhar da mãe reflita a luz,
nariz e boca num acanhado terço;
nessa primeira infância em sonho imerso,
cada um de nós semidesperto se conduz;
do rosto humano a compreensão se induz
só lentamente, num esculpir inverso,
logo apagado por um reconhecimento
ainda um pouco obscuro e misturado,
quando outros rostos temos contemplado,
partilhando igual esquema em sonho lento,
olhos, ouvidos, bocas e cabelos,
emaranhados da mente em mil novelos!
RITMO METAFÍSICO III
Um ritmo só se forma calmamente,
em que cada fisionomia já se encaixa,
que sobre a beira do bercinho baixa,
diferenças a descobrir em toda gente;
mas há um modelo geral e permanente,
horizontais as sobrancelhas numa faixa,
o queixo e as faces comprimidos numa caixa
em que a boca alegre ou triste se apresente.
Mesmo o nariz sendo mais
proeminente
Em vertical é um tanto disfarçado
pelos lábios, pela boca, algum bigode;
barba, se houver, nova moldura assente,
um cão ou gato aos poucos destacado,
mas um padrão encontrar sempre se pode.
RITMO METAFÍSICO IV
Não é de admirar que se divise,
em três ou quatro pontos da parede,
nos ladrilhos do chão que a vista mede,
em um momento de distração ou crise,
qualquer rosto singular que ali se gize,
que por momentos ao imaginar acede,
que companhia primordial concede
a face ao lado ou essa outra que se pise!
À qual se dá uma atenção casual,
sem esperar que um olho pisque ou a boca
nos dê um aviso ou um simples cumprimento,
embora algum, desfaçatez tendo mental,
possa escutar, numa esperança louca,
voz diabólica ou de anjo em tal momento!
SIMILARIDADES I
– 21/5/2018
A cada vez que
encontro semelhança
De um país
estrangeiro na paisagem
Com a existente
em meu pampa selvagem,
Uma estranheza
em meu olhar se lança,
Que até o ponto
que minha mente alcança,
Há imensa
variedade na pastagem
Deste Brasil
acarinhado pela aragem
Que do Amazonas
e dos Andes nos balança.
Por que seria a
paisagem do estrangeiro
Mais parecida
com estas que conheço
Do que as outras
paragens do Brasil?
Da memória
fímbrias a estimular ligeiro,
Enquanto em
trilhos ou estradas eu me apresso,
Nas tempestades
ou sob um céu de anil.
SIMILARIDADES II
Já nas cidades a coisa é diferente:
Os monumentos são outros e as mansões
Que servem de cenário às multidões,
Muito diversas nessa terra em que me assente,
Foram erguidas por bem díspare gente,
Na variedade das imaginações,
Há ruas amplas em suas dimensões,
Outras vielas, de retorcer frequente.
É bem verdade que marés existem,
Novo estilo arquitetônico a copiar,
Para as moradas antigas desmanchar,
Em que às vezes muito poucas só persistem,
Nessa ânsia louca pela modernidade
Que algumas vezes assola a humanidade!
SIMILARIDADES
III
E chega o ponto
de ser irreconhecível
Qualquer
modernizado quarteirão
E então nos move
estranha sensação,
Meio obscura,
mal e mal perceptível,
Isso que chamam déjà-vu, esse impossível
Reconhecer em
tal nova situação,
Que nunca vista
teria sido até então,
Alguma coisa de
semi-cognoscível.
Mas com
frequência, de fato já encontramos
Prédios iguais,
iguais ruas e calçadas,
Que algures
foram por outros já copiadas
E um labirinto
para nós mesmos fabricamos
Na busca ingênua
de algo familiar
Que em seu
conjunto não nos venha ameaçar!
SIMILARIDADES IV
Bem ao
contrário, na natureza achamos
Paisagens
totalmente semelhantes
Àquelas
encontradas muito dantes,
Mas uma igual
sensação não deparamos,
Ao perceber
nisso que experimentamos
Semelhanças
reais, sempre constantes,
Sem ameaças ao
inconsciente delirantes,
Que apenas no
interior de nós formamos.
Não obstante,
alguma vez tal déjà-vu,
Ao invés de
consolar, nos incomoda,
Em situação que
mesmo seja familiar,
Se suspeitamos
nossa presença ali,
Nesse futuro que
escorre à nossa roda
E por instantes
nos vem avassalar!
SIMILARIDADES V
O mesmo ocorre eventualmente com estranhos,
Que nunca vimos, mas parecemos conhecer,
Tão semelhante entre nós o parecer,
Muito pouco divergentes os tamanhos;
Um meio metro, em geral, entre os tacanhos
E os mais altos que se possa ver,
Enquanto os cães, para um exemplo fornecer,
Tão diferentes são em seus amanhos!
Um Chihuahua ou Caniche fraldiqueiro,
Que se é capaz de segurar na mão,
Mal se concebe que da mesma espécie são
Que o São Bernardo, das neves pegureiro
Ou esse imenso cão Dinamarquês,
Vinte vezes maior que um Pequinês!
SIMILARIDADES VI
Torna-se fácil
assim traços confundir,
Ao caminharmos
por outras cidades,
Tão semelhantes
suas humanidades,
Mas olho em
volta e fico a perquirir
Por que na
França ou Turquia descobrir
Rostos e portes
dessas similaridades
Tão evidentes
com antigas amizades
Ou com parentes
na memória a me dormir?
Ao mesmo tempo,
sabendo que não são
Esses que vivem
dentro da lembrança,
Sem que me abale
então o déjà-vu;
Só se reforça em
minha percepção
De serem frutos
de uma ideal pujança,
Que ali se
encontra, igual que a vejo aqui.
PRECAUÇÕES I – 22 MAIO 18
Esguicho OFF ao redor de meu divã,
esperando os mosquitos pôr em off,
que seu transtorno para mim afofe,
sem perturbar-me em seu agudo afã.
Não me protege um cobertor de lã,
calor aumenta que do descanso mofe,
mas veloz ventilador canta uma estrofe,
guinchando às vezes, num coaxar de rã!
Tenho cartões repelentes na tomada,
diz o invólucro ser um vaporizador,
seu acre odor na peça perfumada
e a brisa espanta essa assassina alada,
mosquiticídio reforçando com ardor,
na esperança de evitar qualquer picada!
PRECAUÇÕES II
Antigamente se vendiam mosquiteiros,
em transparente muralha de filó;
bem entalados, nem um mosquito só
achava abrigo sob os travesseiros;
se bem que alguns se mostravam cavorteiros,
voando esquivos como um leve pó;
batíamos palmas, de uma forca o nó,
quais os floretes de antigos mosqueteiros.
Sempre encontrei nesse nome uma estranheza,
desde menino, em romances capa-e-espada,
abeberei-me nesses duelos varonis,
nessas mil fintas e embates, com certeza,
mosquete algum em escaramuça apresentada,
só usando espadas contra os guardas vis...
PRECAUÇÕES III
Antigamente, também menos doenças
os mosquitos transmitiam, mais nas matas,
febre amarela e malária com suas patas
e seus probóscides de sovelas tensas;
na Amazônia se achavam nuvens densas
e nas cidades suas legiões ingratas,
já combatidos desde antigas datas,
fumigações para afastar as suas ofensas.
É bem verdade que venceram os Romanos,
tantos deles por malária dominados
que não podiam mais nas tropas combater
e precisaram mercenários dos Germanos
contratar, para as guerras tão treinados,
que o Império inteiro foram depois submeter!
PRECAUÇÕES IV
Contudo, hoje há doenças africanas;
dos escravos, a Dengue foi vingança;
em sua viagem perdida já toda esperança,
mas em seu sangue bactérias soberanas
que desde o século dezoito, em cruas ganas,
os mosquitos propagando sua matança,
no povo inteiro essa endemia avança;
na doença amos e escravos sempre irmanas.
Mas nos chegaram a Chikungunya e a Zyka
e até novos mosquitos importamos,
esses descritos lá no Egito em seu começo,
ofensa bem maior se algum te pica,
microencefálicas crianças
lamentamos,
mais que suas mães pagando um alto preço!
PRECAUÇÕES V
Não ponho em dúvida que foram os ilegais,
escondidos dos cargueiros nos porões,
ou nos trens de aterrissagem de aviões,
que nos trouxeram doenças tão mortais.
Ali ocultados por motivos naturais,
sem passar por exame ou inspeções
em muitos deles, através de gerações,
resistência já formada aos vírus tais.
Talvez trouxessem, quais crueis mascotes,
nos mesmos compartimentos de cargueiros
ou nos trens de aterrissagem, sorrateiros,
esses mosquitos, para novos convescotes,
tomara Deus não chegar Febre do Nilo
ou a Ebola, protegidas nesse asilo!
PRECAUÇÕES VI
Mas ninguém pense que aqui haja preconceitos,
tem a África já excesso de habitantes,
lá não existe canibalismo como dantes,
nem as guerras tribais de antigos feitos;
de tratamentos e vacinas os direitos
jamais lhes negaria, mas constantes
crescem as populações e os elefantes
são caçados para à mesa dar proveitos!
Pois que eles venham conosco trabalhar,
em especial de Moçambique ou Angolanos,
Guiné-Bissau e onde mais falem português.
O que me oponho é a mosquitos importar,
que já os temos suficientes e os afanos
para matá-los em qualquer cidade vês!
Persistência I – 23
maio 2018
Há onze anos que um
maldito gato
Mordeu-me a mão e nela
encontro ainda
Vestígios da mordida
tão mal-vinda,
Inchada em parte no
decurso desse fato.
Eu só espero que num
porão ou mato
Se encontre seco o
autor de tal infinda
Marca de ferro, na mão
ferida linda,
Que me incomoda ainda,
sem boato!
A minha destra realizou
tantos trabalhos,
Para a saúde recobrar
não foi difícil,
Não tive raiva e nem
tetanização,
Mas de tanto martelar,
quebrei os malhos,
Perdido o gosto da
tarefa físsil,
A mangra ainda no dorso
desta mão.
Persistência II
E como isto contraria
minha certeza
Do transitório das
coisas permanentes,
Retorno eterno das
quimeras infrequentes,
Do passamento da
alegria e da tristeza,
Sepultadas em mil
cofres de impureza,
Substituídas por mil
coisas diferentes,
Poucas memórias de fato
persistentes,
Só memórias de memórias
sobre a mesa
De meu altar, que
apelidei de vida,
Sem jamais nele
celebrar a eucaristia
Que algo perpétuo viria
a garantir,
Sem nem saber se por
mim foi escolhida
Esta mochila por mil
fatos preenchida
De um outro eu só no
antanho a existir.
Persistência III
Com tudo isso, ainda se
encontra a cicatriz,
Traz três ou quatro
manchinhas ao redor,
Sem similares brotando
ao derredor,
Somente aquelas que sem
prazer refiz,
Esmaecida a memória que
me diz
Estar igual o gilvaz
desse penhor
Que me deixou o gato em
seu pendor,
Na escaramuça que eu
mesmo nunca quis!
E eu bem queria no
“quis” Z conservar,
Pois me parece tal
querer interrompido,
Por esse S minha
vontade a desvirtuar!
E gostaria, mais ainda,
de apagar
Essa Marca que da Besta
tem sofrido
Minha mão direita, sem
podê-la descartar!
METEMPSICOSE I – 24
MAIO 2018
Quem sabe, possa
alguém imaginar
que se achem nas
paredes incrustradas
riscas escusas de
vidas já passadas
desses antigos
habitantes do lugar!
Vibrações pode algum
médium te indicar
dessas pessoas da vida já afastadas,
nem sequer um corpo
astral, quase pegadas,
que sua presença ali
pôde deixar!
Neste escritório
somente morei eu,
muito embora tenha
tido visitantes...
Vibrações teriam
deixado aqui perdidas?
Mas um vestígio
preferia fosse meu:
que contemplasse os
rostos deslumbrantes
dessas mulheres que
tive em outras vidas!
METEMPSICOSE II
Ou, quem sabe, noutras
vidas fui mulher,
talvez por isso goste
tanto de crianças,
talvez por isso
conserve em esperanças
que a raça alcance
evolução qualquer;
talvez por isso eu
cumpra o meu mister
de intérprete
alternativo das variâncias
que essa alma
feminina, em mil instâncias,
nos transmite, em
constante mal-me-quer!
Por certo em mim há a
sensibilidade,
que chamam feminina,
para a arte,
para a paz, para o
suave, para o belo,
mesmo que minha total
sensualidade
sempre se volte para a
humana parte
que o futuro alimenta em
leite e zelo...
METEMPSICOSE III
Não me cabe garantir reencarnação,
mas nego firme essa
metempsicose !
Seu próprio nome já
sugere psicose:
que em animal se
enquadre flutuação
da alma humana na
seguinte encarnação!
Há uma doutrina que o
Cristianismo pose,
determinando uma
exclusiva osmose
entre a alma e um só
corpo: a Comunhão
dos Santos, que advoga
essa partilha
de toda e qualquer
recordação ,
não apenas de alguns
antepassados,
mas de todo que na
raça se perfilha,
mesmo que ainda não
tenha a ocasião
de nossos passos
seguir atribulados.
METEMPSICOSE IV
Grande serpente a
percorrer a eternidade,
desde os nossos
limitados ancestrais
aos nossos
descendentes, até os finais
dessa epopeia que se
chama humanidade.
Com Ouroboros guarda similaridade,
o grande verme do
espaço-tempo nos fanais,
que morde a própria
cauda, sem jamais
ter começo, nem
fim, na eternidade.
Porém de fato
apreciaria ter certeza
de que já estive aqui
em tempo arcano
e de que retornarei
uma e mil vezes,
meus fragmentos a
compor toda a beleza,
cada experiência
humana, sem engano
reconhecendo na
multidão dos meses!
ÂMAGO I – 25 MAIO 18
a vida é de abandonos sucessão,
nosso tempo desgastamos diariamente,
largamos sonhos em multidão dolente,
dias moemos no cadinho da ilusão;
a infância e a adolescência que lá vão
deixamos para trás, conscientemente,
não somos mais os mesmos, é evidente
dessas décadas de ontem que aí estão;
perdemos as surpresas, sentimentos,
a luz da estrela e todo o solar brilho
dos dias antigos, enquanto nós vivemos,
memórias restam em difusos pensamentos,
compondo os fragmentos de vidrilho,
longo colar das coisas que perdemos!
ÂMAGO II
toda a tristeza do
passado se esgotou,
não são as mesmas as
lástimas de hoje;
toda a alegria de ontem
se nos foge,
nova alegria nosso
cérebro forjou;
todo alimento ou bebida
se gastou,
todo esse ar que nos
pulmões se aloje,
todo o desgosto que o
coração enoje,
nosso organismo cada
célula mudou;
e tal como abandonamos mil
de Nós,
cada ser a quem amamos
já se foi,
são novos Deles que
beijamos neste dia,
cada momento a tropeçar
empós
desse futuro que a
nossa ânsia rói
na inexorável marcha da
agonia.
ÂMAGO III
e que nos resta de
tanto que deixamos?
tão somente as memórias
das lembranças,
descoloridas até
tornadas mansas
violentas emoções que
experimentamos;
e até mesmo tais
lembranças descartamos,
igual que o coração, em
firmes danças,
para trás deixa mil
batidas, longas tranças:
para onde foram as
visões que contemplamos?
e quanto mais as coisas
materiais:
se as conservamos, são
puras ilusões,
não são as mesmas,
ainda sendo iguais;
gotas da alma na senda
abandonadas,
rastros do sangue
filtrado nos pulmões,
mil e uma mortes para
trás deixadas!
ÂMAGO IV
o que se encaixa no âmago do ser,
senão o brilho de mil bijuterias,
as jóias mesmo quebradas nessas vias
que ainda trilhamos em constante percorrer,
cacos somente de nossas alegrias,
lascas apenas do luto a se escorrer
estilhas de rancor a perecer
no lusco-fusco das melancolias...
em qual canto da mente tais memórias,
substituídas mesmo as células neurais
dão-nos lembrança das coisas que deixamos?
ou diariamente se rescreve histórias
que julgamos serem nossas bem reais,
enquanto as verdadeiras já cremamos?
desarmonia 1 – 26 maio 2018
em certos sonhos descubro que
o banheiro
está alagado ou não tem
adequação,
não acabaram ainda a
construção,
ou ainda o encontro ocupado
por terceiro!
o que fazer, quando alguém
chegou primeiro?
mas esse é um sonho de fácil
solução,
real premência a sentir nessa
ocasião
de que abandone depressa o
travesseiro!
assim me acordo para tal
necessidade,
de preferência a passar uma
vergonha,
na minha idade, passaria por
pamonha,
caso os lençóis umedecesse sem
vaidade!
porém meu subconsciente é
caprichoso,
sendo educado de modo
primoroso!...
desarmonia 2
por sorte minha, eventos tais são raros,
surgem mais quando não quero me acordar,
a instalação hidráulica a clamar,
meus olhos sem abrir nesses reparos.
mas nos momentos que me são mais caros,
água do joelho provocam-me a tirar,
para qualquer sonho dourado recortar,
não há razão para acionar alheios faros...
até o presente, nunca fui a geriatra,
não me parece de tal necessitar,
caso fraldas tenha um dia de comprar;
se bem recordo, nem mesmo um pediatra,
por enurese me precisou recomendar,
após as fraldas infantis abandonar!
desarmonia 3
alguns afirmam que é questão
de insegurança
que leva alguns suas roupas a
molhar;
por sorte sempre pude me
apertar,
fui bem treinado desde “de
criança”!
só um problema então assim me
alcança:
após quatro ou cinco horas
sujeitar,
quando posso finalmente me
aliviar,
meu esfíncter se recusa com
pujança!
e então preciso, aos poucos,
convencer
este anel muscular a se
afrouxar,
lembrando velhos momentos de
prazer,
de a orgasmo urinário me
entregar,
para lépido e fagueiro então
correr,
sem ser preciso mais com a mão
me segurar!
Pendão do Sul I – 27
maio 2018
Bem no meio da planura,
nasce o ombu,
Sem que ninguém saiba
como, que semente
O trouxe para ali, que
não foi gente,
Nem passarinho, nem
rez, nem urubu.
Nasceu mais por acaso,
separado
De todo o pampa, valente,
mas sozinho,
Dando sua sombra sem
ganhar carinho,
Ante o ronco do
pampeiro desgarrado.
A mesma coisa aconteceu
com o Rio Grande,
Na Zona Sul em que o
minuano mais repica,
Vasta e vazia sob claro
céu de anil.
Igual que o ombu, já cresceu, não mais se expande,
Tão solitário como o
pampa fica,
Tão excluído do resto
do Brasil!
Pendão do Sul II
Madeira boa o ombu não
nos fornece
E nem ao menos dá-nos
boa lenha,
Somente a sombra em que
o haragano tenha,
Acampamento se o verão
demais aquece.
A sepulturas não
concede prece,
São grossas suas raízes
como penha,
Mas à distância se
ergue, como senha
Que em nossa direção o
amor não desce.
Mesmo na chuva é uma
escassa proteção,
Não é muito frondosa a
sua galhagem
E a água escorre sobre
tua cabeça
Que o vento sopra de
cada direção,
Isolado que se encontra
na paragem,
Sob o granizo e a geada
que não cessa.
Pendão do Sul III
Como símbolo se
apresenta do Rio Grande,
De certo modo, se bem
que inversamente,
Que os impostos são
mandados, certamente
E a cada ano a
exigência mais se expande,
Mas se pedir a Brasília
que algo mande,
Ao invés de auxílio,
talvez mande até mais gente,
Que lhe garanta a
cobrança mais frequente
Ou novas leis seu
exigir comande.
Boa madeira tem o meu
estado,
Embora exótica na sua
maioria,
Só mata ciliar ou
capões sobre a coxilha,
Cujo corte o Ibama tem
vetado,
Mesmo que eu mesmo não
o permitiria,
Cada árvore a amar do
pampa filha!
Pendão do Sul IV
Mas certamente tem
interesse limitado
No preservar de nosso ecossistema
Esse governo central
que nos condena
E qual colônia nos tem
considerado.
Mas o ombu, mesmo assim
desamparado,
Enfrenta a intempérie e
não se empena,
Hamadríade de raça e
pura gema,
Muito raro ser algum
desarraigado!
De modo igual, o meu
Rio Grande puro,
Mesmo sendo há gerações
considerado
Não como filho, porém como
enteado,
Resiste bem a seu
destino duro:
Da cepa antiga a lasca
sobrevive,
Na seiva audaz que o
cerne novo ative!