segunda-feira, 25 de março de 2019




DON CERVANTES DE LA MANCHA
Glosa de WILLIAM LAGOS, 17 maio 2018



DON CERVANTES DE LA MANCHA I

Todos conhecem Dom Quixote de La Mancha
ou, pelo menos, o episódio dos moinhos;
para crianças mostrado em resuminhos,
de filme e óperas encontrou a cancha
sem mancha.
Porém poucos a história reconhecem
desse que foi um ótimo escritor,
talvez lembrado apenas pelo amor
ao Don Quijote, que raramente esquecem
e desvanecem.
Don Miguel de Cervantes Saavedra
foi por mais de cinco anos um escravo,
foi um soldado e marinheiro bravo,
nunca a fortuna no seu pátio medra,
sorte de pedra!

Teve uma vida de muitas aventuras,
sobreviveu, mas não saiu ileso;
sem ser um malfeitor, acabou preso,
foi assaltado por muitas desventuras
das mais duras.
Ele nasceu em Alcalá de Henares,
em mil quinhentos e quarenta e sete;
o destino muitas vezes se intromete,
também Shakespeare concluiu os seus pesares,
rudes azares,
dez dias depois da morte de Cervantes,
em mil seiscentos e dezesseis, durante Abril,
a Três de Maio, igualmente sem ceitil,
igual que tantos literatos dantes,
fados constantes...

Dizem alguns que há maré na história
e juntos surgem homens especiais,
que literatos e cientistas houve mais
de quem se acha hoje boa memória
e mesmo glória;
então viveram Rubens e Velazquez
e outros tantos pintores prestigiosos,
Camões e Milton, poetas tão famosos
e a astronomia de Kepler já estudastes
e recordastes
ser autor das Leis da Mecânica Celeste,
de Miklay Kopernik digno sucessor,
heliocentrismo defendendo com ardor;
até que dúvida alguma hoje nos reste,
foi luta agreste!

Embora fruto de nobreza antiga,
a sua família estava empobrecida;
Cervantes todo o início de sua vida
passou em casa de lavoura amiga,
sem grande intriga;
tinha um irmão que herdaria a propriedade,
mas de algum modo cursou universidade,
tendo o grego e latim da antiguidade
aprendido com firmeza e boa-vontade
e claridade;
provavelmente alguém de meios financiara
os seus estudos, ao vê-lo interessado
por ler qualquer papel na rua achado;
se aos vinte anos como poeta se iniciou,
então não publicou.

Foram poemas sem ter sido encomendados
pela morte da esposa de seu rei,
Dona Isabel de Valois, de nobre grei,
filhos deixando não muito equilibrados,
bem lamentados.
Felipe Segundo era então o rei da Espanha,
sucedendo a Carlos Quinto Imperador,
quando da Áustria tornara-se o senhor,
a quem sempre invejara tal façanha
de grande manha...
Mas este filho acabou por falecer,
segundo dizem, em briga de taverna,
homenagem, mesmo assim, granjeando terna,
grandes exéquias vindo a receber
sem merecer. 

DON CERVANTES DE LA MANCHA II

Ora, o então Papa temia o crescimento
do poderio do grande imperador
e ao falecer, recusara o seu favor
para o trono da Áustria, nesse evento,
que descontentamento!
Na realidade, a Espanha já possuía,
além de Portugal, também a Holanda,
feudos na Bélgica, na Alemanha... e manda
também na Itália províncias de valia:
rival seria!
E a um outro pretendente deu razão,
deixou Felipe bastante despeitado,
que por tal decisão fora humilhado,
mas com o Papa não queria ter questão
nessa ocasião...

Um novo Papa pretendia apaziguá-lo
e quando o príncipe estróina faleceu,
núncio papal à Espanha remeteu,
ao ofendido querendo então honrá-lo,
fechando o abalo.
Fora o Cardeal Acquaviva o enviado,
mas foi na corte recebido com frieza,
bem mal dissimulada, com certeza,
buscando nobres trazer para o seu lado,
com belo agrado;
entre estes, Cervantes teve a sorte
de manuscritos mostrar a tal cardeal;
se bem não viu, tampouco encontrou mal,
para sua publicação dando o aporte,
soma assaz forte!

E tendo se agradado do escritor,
para Roma o levou quando partiu;
aos vinte e um anos, Cervantes já se viu
gozando em Roma de tão alto favor,
grande valor!
Dois anos depois, porém, firme tratado
com a República de Veneza se assinou
e a Espanha ao Papa igualmente se alinhou;
para os Turcos combater no preito achado,
bem empenhado,
então Cervantes deixou o cardinalício
palácio para alistar-se na marinha
que  a Espanha organizara em grande linha,
abandonando seu conforto pelo ofício
de mais bulício...

E dessa forma, tomou parte na batalha
de Lepanto, junto ao Golfo de Corinto,
em águas gregas, porém aqui não minto
que a Andrea Doria a fama maior calha
e não lhe falha.
Desse combate participaram as galeras
em que cristãos se achavam acorrentados,
uns prisioneiros, os demais escravizados,
remando presos, como bestas-feras,
longas esperas;
entre as bancadas corria um pontilhão
e capatazes ferozes nele andavam,
aos prisioneiros sempre chicoteavam,
como castigo por sua lentidão
ou sem razão.

Caso a galera afundasse, iriam com ela,
agrilhoados firmemente, os infelizes;
no tombadilho os soldados, sem deslizes,
aos inimigos combatiam na procela:
navios a vela
predominando entre os portugueses;
quaisquer galeras também tinham os espanhóis,
seus presos turcos a remar de sóis em sóis;
os Venezianos os mais hábeis nessas vezes
por longos meses
em que por meio do comércio, bem depressa
aprenderam a velejar contrário ao vento;
doze mil europeus escravos no momento,
cheios de angústia que atormentar não cessa
sua dor espessa.

DON CERVANTES DE LA MANCHA III

Caso os Turcos vencessem, o cativeiro
continuaria por um tempo indefinido,
mas se o combate fosse antes resolvido
em favor dos Cristãos, um fim ligeiro
no mar certeiro,
que afundariam as galeras no combate,
todos eles afogados a morrer,
os remadores preferindo obedecer:
se essa batalha ao lado oposto abate,
mas não os mate!
No dia da batalha, Cervantes acordou
ardendo em febre e queriam dispensá-lo,
porém se recusou: “Sou fiel vassalo
do meu rei!”  Mesmo doente, levantou
e armas tomou!

Esse combate, de fato, foi terrível:
quase trezentas galeras haviam trazido
os Turcos Muçulmanos; em alarido
primitivos canhões, mira sofrível
porém temível.
Segundo foi realmente registrado,
mesmo doente, Cervantes combateu
como um leão; foi ferido e não morreu,
sua mão ferida e o peito retalhado,
tendo sangrado:
“Porém era tão grande minha alegria
em combater os inimigos do meu rei,
que com as feridas em nada me importei;
na mão direita a espada se prendia,
grande honraria!”

Mais tarde, novamente acrescentou:
“Perdi do braço esquerdo o movimento,
para ao direito dar engrandecimento!”
E até hoje essa glória conservou
e alimentou;
dizem alguns que a mão foi amputada,
outros que só cauterizaram a ferida,
igual que aquela no seu peito havida,
mas doravante se quedou paralizada,
bem pouco usada...
Mas a vitória foi ali excepcional,
oitenta das galeras afundadas,
uma centena no prélio abandonadas,
mais outras cem, que renderam-se, afinal:
glória real!

Uns dois terços dos pobres prisioneiros
receberam liberdade e retornaram
para seus lares, enquanto outros se alistaram
nas tropas quais valentes mosqueteiros
ou arcabuzeiros;
o poderio foi dos Turcos quebrantado,
mas Felipe Segundo tornou vã essa vitória,
enciumado que de Veneza fosse a glória,
quebrando a profícua aliança do tratado
que havia firmado...
Fora tomado por violento preconceito:
nessa época a se expandir Protestantismo
e decidido a reimpor o Catolicismo
nos seus domínios, perdeu esse proveito
por seu despeito.

E mandou massacrar com violência
os camponeses que nos domínios seus
se haviam convertido; e aos judeus,
igual que antecessor, não deu clemência,
mas virulência.
Porém Cervantes não fora descurado:
Don Juan de Áustria, da Espanha o comandante
e o Duque de Sesa, por igual brilhante,
deram-lhe cartas, em que foi recomendado
a ser honrado;
que o rei da Espanha ao posto de capitão
o nomeasse, pois bem sabia comandar
e suas tropas levaria a pelejar
para maior importância da nação
e com razão!

DON CERVANTES DE LA MANCHA IV

Mas o destino lhe foi sorte madrasta
e tanto ele, como o irmão, Rodrigo
de piratas enfrentaram o perigo,
tão logo da esquadra a sua nau se afasta,
tristeza vasta!
Pois os piratas argelinos a abordaram,
para uma fácil vitória ali alcançar
e os prisioneiros então escravizar:
muitos feridos então ao mar lançaram
e se alegraram;
 igual destino teria então Cervantes,
porém Rodrigo, que parecia moribundo,
afirmou-lhes que um resgate bem rotundo
seria pago pelo maneta em tais instantes
tão delirantes.

Movido assim pela esperança do resgate,
poupou-lhe a vida o capitão dos Argelinos,
nem seu irmão a sofrer iguais destinos
dos demais pobres feridos nesse abate,
revela o vate.
Carinhoso, a sua saúde Miguel restaurara,
não foi lançado para os tubarões,
ambos somados assim às multidões
de escravos europeus que conquistara
a tropa amara,
muitos milhares aprisionados em Argel,
executando as tarefas mais pesadas,
mas não tanto quanto as almas desgraçadas,
pobres galés acorrentados sem dossel,
terrível fel!

Algum dinheiro Cervantes escondera,
com o qual adquiria o alimento;
muito escasso vinha do amo o provimento
e a seu irmão sempre o melhor dera
e concedera,
mas vendo a fome dos outros prisioneiros,
na medida do possível, repartiu
e a boa vontade desse amo conseguiu,
como escrivão e contador, ligeiros
dotes certeiros;
e foi deixando circulando livremente,
na condição de escravo de confiança
e bem mais fácil a proteção alcança
para estender aos demais frequentemente,
infeliz gente!

Mas quando tentaram fugir uns prisioneiros,
Cervantes afirmou ser responsável;
foi castigado de maneira miserável,
sob o chicote de seus carcereiros,
talhos inteiros!
Mas a seguir, Murad Pashá, o seu senhor,
mandou tirá-lo das grades da prisão
para de novo exercer a profissão,
após jurar não fugir, “por mi honor!”
justo penhor.
E do pashá recobrou plena confiança,
em nome dele controlando seus escravos:
se algum fugisse, bem mais terríveis travos
seriam aos outros aplicados numa dança
sem esperança.

Desse trabalho obtinha algum proveito
e esperava algum dia achar resgate;
peças de ouro a chegar em açafate,
para a um outro da alforria dar direito,
por esse preito.
Por meio dele, o pashá comunicou
que se tentassem aos escravos libertar,
inicialmente ordenaria enforcar
a esse Andaluz, segundo ele afirmou
e ainda mandou
aos Espanhóis as cartas que Cervantes
trazia ainda em sua recomendação,
para afirmar do prisioneiro a posição,
retornos a esperar interessantes,
lucros bastantes.

DON CERVANTES DE LA MANCHA V

Quando a notícia chegou até sua serra,
os seus parentes o quanto tinham juntaram,
as suas irmãs seus dotes entregaram
e o irmão mais velho, ainda mais que o cofre encerra,
vendeu sua terra!
Mas quando lhe trouxeram essa soma,
o Mouro desprezou-a, às gargalhadas:
“Meu maneta não darei por esses nadas!”
O poeta resolução valente toma,
que ao amo doma:
“Muito menos valor tem meu irmão,
por ele digne-se aceitar tal pagamento,
eu ficarei para servi-lo a seu contento...”
“Esse favor lhe farei por atenção
da boa ação...”

Assim Miguel ficou e foi Rodrigo,
o qual foi visitar alguns parentes
de outros prisioneiros ali presentes,
as cartas deles a levar consigo
ao pátrio abrigo
e de algum modo, a notícia transmitiu
de que os aristocratas haviam fretado
um bom navio, de tropa aparelhado,
que da Espanha para Argel partiu,
logo se viu!
Mas para garantir a liberdade
Cervantes ampla caverna descobriu,
quando as ordens de seu amo transmitiu
a Azan, cádi da praia da cidade;
e então se evade!

Acompanharam-no cinquenta prisioneiros,
que na vasta caverna se esconderam;
por vários dias ali permaneceram,
mal e mal alimentados por terceiros
e os jardineiros,
que também eram escravos e cristãos,
todos esses a confiar-lhe inteiramente
na inteligência e coragem tão potente,
passando fome mas de honrados corações
em orações!
A embarcação aproximou-se, finalmente
e os prisioneiros foram saindo, com cuidado;
as buscas feitas para um outro lado,
falsas pistas deixadas realmente
por boa gente.

Mas quando pela praia se arrastavam
e os botes já pretendiam abordar,
sentinela conseguiu-os divisar
e logo os guardas dali se aproximavam,
gritos soltavam.
E o capitão do navio se amedrontou
e mesmo sendo para a missão bem pago,
não esperou, nesse momento aziago:
para o mar alto logo se aportou,
a praia abandonou!
Da caverna não saíra a maioria,
Mas os que foram então capturados,
ante ameaça de morte apavorados
revelaram dos demais a estadia
e logo a tropa ia!...

Ao perceber que haviam descoberto
o seu esconderijo, Miguel Cervantes
mandou calar-se os companheiros, como dantes
e os soldados afrontou de peito aberto:
destino incerto!
E declarou-lhes: “Não culpem os Cristãos,
fui eu somente que os trouxe para aqui,
para fugirem de Argel os convenci,
toda a culpa se acha apenas em minhas mãos:
protestos vãos...
Eles foram empurrados a chibata
e levados à presença de Murat;
Cervantes novamente, ante o pashá
assumindo toda a culpa nessa data,
tarefa ingrata!

DON CERVANTES DE LA MANCHA VI

« É bem curto o teu « honor », caro andaluz...
Não me juraste nunca mais fugir?”
“Foi demasiado difícil persistir,
sabendo perto da liberdade a luz
da Santa Cruz...”
Murad Pashá estava acostumado
com o seu amanuense e contador;
pensou somente em lhe incitar pavor:
Esse maneta é realmente um bom soldado!
Foi respeitado,
mas aos outros cinquenta condenou,
na maioria, foram torturados,
alguns outros apenas enforcados,
um infeliz até mesmo ele empalou:
seu estômago furou!

Guardou somente os de família nobre,
seu resgate eventualmente a aguardar,
mas as orelhas lhes mandou cortar,
que esperança de disfarce não lhes sobre
e sua vontade dobre...
Quanto a Cervantes, duas vezes fez subir
ao patíbulo, com a corda no pescoço,
já no final perdoando ao pobre moço;
também o fez nos torturados incluir,
para o iludir,
mas o manteve ileso na prisão,
nas condições em que pudesse trabalhar,
papel e tinta sempre a lhe mandar,
bom alimento recebendo por razão
da firme mão.

De Cervantes a boa fama conhecia:
fizera ler as cartas que trouxera,
de um bom resgate ainda tinha espera
e novamente a sua escrita ele fazia,
bela caligrafia;
mas ordenou que escrevesse para o rei,
pedindo que apressasse o seu resgate,
mas o infortúnio ainda não o abate:
“ Pois bem, ao Rei Felipe escreverei,
sigo sua lei.”
Mas ao invés de pedir por liberdade
ao rei da Espanha que era fácil, escreveu
tomar Argel e instante intercedeu
por vinte e cinco mil escravos dessa humanidade,
pura verdade!

Havia homens, mulheres e crianças!
Porém Felipe só pensava em outra empresa,
com Argel não se importava, com certeza
e nem sequer avivou-lhe as esperanças
de enviar lanças.
Desistindo de esperar o soberano,
Cervantes apelou ao governador
de Oran, que dominava com vigor
como alcalde de Espanha nesse ano...
Para seu dano!
Pois afirmava ser capaz de sublevar
de Argel a numerosa escravaria
quando a tropa de Oran acudiria...
E o portador foi preso ao viajar
a missiva a transportar!

Essa carta entregaram ao pashá,
que desta vez, quase mandou matá-lo;
entretanto, a cobiça o fez poupá-lo,
mas nenhuma liberdade mais lhe dá
e o agrilhoará
por cinco meses no seu calabouço;
entrementes, escreveram para o rei:
Por trezentos ducados, poderei
finalmente libertar a esse moço,
tão bravo e louco!
Mas o mandou servir numa galera,
em que tinha de remar com um braço apenas!
Os galeotas pereciam às centenas
e a própria morte certamente ali o espera,
em sorte fera!

DON CERVANTES DE LA MANCHA VII

Para Constantinopla a galera seguiria
e Cervantes na viagem iria morrer,
mas Murad viu algum ouro receber
e mandou retirá-lo da agonia
em que sofria.
“Mas trezentos ducados não me bastam:
só vou guardá-los como garantia
que seu rei outros duzentos mandaria;
veja, as forças do maneta se desgastam
breve se afastam!”
E o emissário do rei, nesse dilema,
foi os pedir emprestado aos mercadores,
comprometendo-se a pagar a tais senhores
quase outro tanto de juro em pura pena:
usura plena!

Só dessa forma recobrou a liberdade
o bom Miguel, depois de tanto sacrifício;
agradecido por tão grande benefício,
lançou-se à praia nessa oportunidade:
grande saudade!
Ali beijando as areias e o cascalho,
pois cuidava que após seu heroísmo,
do rei teria amplo favoritismo,
já da boa fortuna a escutar o malho,
pobre paspalho!
Pois o rei com frialdade o recebeu,
sem desejar escutar a narrativa
dos sofrimentos de tal gente cativa
que ainda em Argel permaneceu:
nada lhe deu!

Nem um emprego, sequer uma pensão:
Cervantes encontrou-se na miséria,
sem receber uma atenção mais séria
a sua proposta da argelina expedição,
morta ilusão!
Ele escreveu vários contos e comédias,
porém sem obter grande sucesso;
finalmente a um emprego teve acesso,
premonitório de mais outras tragédias,
tragicomédias,
pois deveria ser de impostos cobrador
e recolher, à força, provisões
para essa empresa de grandes proporções
que o rei organizava com vigor:
triste favor!

Nesse período, chegou mesmo a se casar,
tendo esperança de melhorar de vida;
esposa humilde, sincera e comedida,
mas sem um dote que pudesse lhe levar
para ajudar...
O Rei Felipe decidira conquistar
a Inglaterra, vencendo os Protestantes,
para ao Papado submetê-la como dantes,
nas fogueiras aos hereges castigar:
vivos queimar!
E empregou do reino mil recursos
na construção dessa Invencível Armada,
com a qual a Inglaterra seria derrotada,
após tomarem de combate os cursos,
com fimes pulsos!

Na verdade, só por procuração,
com Mary Stuart, Felipe se casara,
a qual o trono da Inglaterra cobiçara,
sem ascender a tal grande condição
nessa ocasião;
e após Mary ter sido executada,
ele propôs casamento a Elizabeth,
que recusá-lo teve até mesmo o topete,
sua vaidade sendo assim espezinhada,
sua cobiça malfadada!
O que ele tinha realmente era a obsessão
de destruir o Anglicanismo inglês;
por isso os planos para a Armada fez,
para poder esmagar essa nação,
sem compaixão!

DON CERVANTES DE LA MANCHA VIII

Ele esperava bom reforço ter da Holanda
e os Portugueses empenhou na construção,
mas o vice-rei dos Países Baixos, na ocasião
tinha das tropas uma igual demanda:
coisa nefanda!
Queria matar os holandeses protestantes
e pelo almirante tinha inimizade;
os Portugueses, com muito boa-vontade,
afirmaram que borrascas importantes
chegavam antes,
mas ao rei dominara o fanatismo
e ordenou a partida dessa Armada,
sem temor de que fosse dispersada,
que a Deus servia só o Catolicismo,
não o Luteranismo!

A lenda diz que foram tempestades
que destruíram a Invencível Armada,
Elizabeth de feiticeira apelidada:
chamara os ventos e suas potestades,
ímpias maldades!
Mas foi Sir Francis Drake, na verdade,
com outros valorosos marinheiros,
barcos de Espanha afundando bem ligeiros,
em escaramuças de tenacidade:
ferocidade!
Já os Portugueses agiram com prudência,
mil pretextos para então não velejar;
dos Paises Baixos ninguém veio ajudar,
mesmo assistindo a batalhas de potência
nessa pendência.

Drake incendiou um navio capturado
e o enviou na direção dos Espanhóis,
sendo os barcos inflamados como sóis,
o poderio de Felipe quebrantado
no tempo azado!
Só depois é que chegou a tempestade
E os Ingleses retornaram a seus portos;
Os Espanhóis que não haviam sido mortos,
ao Mar do Norte arrastou a velocidade
com potestade!
Somente alguns conseguiram atravessar
as ilhas escocesas lá do norte,
chegando à Irlanda com terrível sorte,
massacrados ao tentar desembarcar,
por puro odiar!

Mesmo Católicos sendo os Irlandeses
e tendo morto em tortura os Protestantes,
aos Espanhóis desprezavam como dantes,
saqueando os barcos numerosas vezes
por vários meses...
A Invencível Armada destruída,
aumentou do Rei Felipe o fanatismo
e ao Mosteiro do Escurial em tal modismo
se refugiou em penitência perseguida
por toda a vida!
Cervantes procurara se alistar,
por sua deficiência recusado,
em Portugal, porém, foi engajado,
do combate a querer participar,
honras ganhar!...

Contudo, conhecendo bem o mar,
os Portugueses com a esquadra não partiram;
logo as notícias da derrota os atingiram,
sua atitude claramente indo levar
a justificar!
Assim Cervantes, outra vez, pela má sorte
foi atingido e precisou desembarcar,
do rei a ira temendo provocar,
mas Felipe já abandonara a própria corte,
sem outro aporte;
em resultado, Cervantes viveu mal;
o reino tinha seus recursos esgotado,
o seu trabalho muito mal recompensdo,
dos camponeses apanhando no final,
triste caudal!

DON CERVANTES DE LA MANCHA IX

Pensando que a má sorte o perseguia,
pediu em vão nas colônias um emprego;
talvez fizesse até fortuna no degredo,
sem conseguir colocação que ali pedia,
tudo fugia!
Alguns biógrafos se atrevem a dizer
que se não fosse o que pensara ser má sorte,
jamais sua obra de tão grande porte,
o “Dom Quixote”, chegaria a conceber
ou escrever.
Com seus filhos as despesas aumentaram
e de dinheiro emprestado precisou
e como os juros demasiados nao pagou,
por dívidas os credores o aprisionaram
e não soltaram!

Naquele tempo, permitia a lei
que fosse preso sem ser criminoso
um devedor relapso ou faltoso
numa prisão terrível que mal sei
se aqui descreverei...
Os prisioneiros não recebiam alimento,
um grande pátio cercado os recolhia;
só a família sua refeição traria,
com chuva e sol ficavam ao relento,
triste tormento!
Finalmente, com o apoio de um amigo,
Cervantes foi em cela recolhido;
tendo papel e tinta recebido,
foi redigindo Dom Quixote nesse abrigo,
quase um jazigo!

Quando a primeira parte desta obra
foi publicada, tinha cinquenta e oito anos,
Cervantes ainda preso, sem enganos,
o fruto do trabalho o credor cobra
e enfim se dobra.
Para a época já bem avelhantado,
enfim Cervantes foi solto da prisão,
mas da pobreza permaneceu na condição,
até se ver desta vida separado,
sem mais cuidado.
Já a parte final do Dom Quixote
só viu a luz apenas poucos meses
antes da morte, como tantas vezes
aos gênios reconhecem, por escote,
após seu bote...

Estando já em seu leito de morte,
Cervantes escreveu ao benfeitor,
que, com frequência, mostrara-lhe favor,
que já não lamentava ter o corte
de sua má sorte:
“O tempo é breve e minhas ânsias crescem
e já se extinguem minhas esperanças,
porém aceitarei como bonanças
esta visita de que todos padecem
e então falecem.
“Se Deus decreta o fim da minha vida,
seja cumprida a decisão dos céus;
não sou desses que se rebelam contra Deus
e em sua casa celestial acho guarida
na despedida.”

“O que lastimo é não poder-lhe retribuir
tanta bondade que na vida me mostrou;
com seu favor Vossa Excelência me ajudou
a minha obra finalmente redigir
e concluir.
“Mas queria uma ocasião para o servir,
pelos favores com que tanto me brindou,
pois da terrível prisão me libertou
e além da morte com minhas preces o assistir,
se Deus o permitir.”
Não há certeza de quem seja o “benfeitor”:
só existe cópia deste “testamento”
nos papéis de Cervantes; longo intento
em vão foi feito para achar este senhor
de nobre amor.

DON CERVANTES DE LA MANCHA X

Alguns afirmam ter sido o capitão
sob as ordens de quem ele serviu;
Don Juan de Áustria também se garantiu
ou o Duque de Sesa o foi então,
bondosa mão,
porém o original não foi achado,
talvez o tempo o tenha destruído
ou em algum cofre até hoje está escondido;
há quem diga que nem sequer foi enviado
o humilde agrado.
É de pensar que, caso fosse mais risonho
esse destino com que Cervantes deparava,
se algum dia a grande obra completava,
mescla pura de filosófico e bisonho
e algo tristonho.

Mas conseguiu-nos deixar esse legado,
que sempre despertou tanto sorriso
e muita vez também serviu de aviso
contra qualquer disparate de apressado
ser consumado.
É bem verdade que hoje em dia só erudito
se dispõe a perlustrar o original,
tão resumido e desvirtuado no final,
morta a intenção do conselho mais bonito
que era seu fito.
Mas sempre existem livros de criança
a narrar seus episódios qual comédia,
sem mencionar do autor, que na  tragédia
nos redigiu certa mensagem de esperança
que nos alcança.

Que Dom Quixote, mesmo após tanta derrota,
não desistiu uma só vez do sonho,
sendo do livro o momento mais medonho
que a biblioteca que a loucura lhe denota,
em triste nota,
tivesse sido finalmente emparedada
e lhe mentissem ser tão só imaginação
a sua leitura dos tais livros que ali estão,
pobre vitória medíocre alcançada,
levando a nada...
E assim Cervantes, mesmo após tanta derrota,
não desistiu uma só vez dessa esperança,
tão cultivada em sua alma de criança,
que ao Sonhar até a morte se devota,
em gentil nota.



        

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