quinta-feira, 21 de março de 2019




O REI DO CORPO I – 7 MAIO 2018

Esta anedota já é bastante antiga,
mas não perdeu a sua atualidade,
alegoria também para a humildade
e importância de quem menos consiga

honra obter como o maior auriga (*)
na condição da corporealidade,
de modo idêntico que na sociedade,
para os pobres mais ou menos inimiga.
(*) Cocheiro, condutor.

Pois se reuniram os membros do organismo
a se queixarem do excesso de importância
que aos aparelhos se dá reprodutores...

“Está em tempo de agir com realismo
e escolher em perfeita concordância
quem reinar possa sobre tais senhores!...”

O REI DO CORPO II

Disse então, muito importante, o coração:
“Não existe dúvida de quem deva ser o rei,
meus batimentos proclamam santa lei,
governo a vida, a garantir locomoção!

“se, por minutos, houver a cessação
do diuturno trabalho que farei,
o corpo inteiro assim condenarei
à morte, sem haver ressurreição!...”

“Por isso não,” obtemperou o pulmão;
se,´por minutos eu parar de respirar,
o corpo inteiro irá se sufocar;

“Não pode haver qualquer objeção:
o rei do corpo eu devo me tornar,
pela importância que tem respiração!”

O REI DO CORPO III

“Eu não concordo,” o fígado falou.
“Eu que produzo das enzimas maioria;
sem meus hormônios nada funcionaria,
sem mim o corpo depressa se acabou!”

“Por isso não, mais necessário eu sou,
ou somos nós,” protestou com energia
um dos rins.  “Filtramos toda a porcaria
que ainda no sangue esse pulmão deixou!

“Deve haver uma dupla monarquia.
governaremos eu e meu irmão,
sendo perene nossa colaboração,

“já que a bexiga não protestaria:
como vizir terá nossa aceitação
e o corpo inteiro melhor funcionaria!”

O REI DO CORPO IV

E assim por diante. A visão se apresentou,
a pele alegou sua proteção,
mesma honra reclamando a audição,
cada órgão merecer mais afirmou!...

Então o ânus na disputa entrou:
“Sou eu que devo trazer firme na mão
o cetro do corpo e sua governação.”
Todo o organismo, a uma, protestou!

“Mas logo tu, seu bicho fedorento?
Serves só para eliminar o excremento,
não há trabalho mais nojento que esse teu!”

Disse o ânus: “Pois então, me fecharei!”
Houve um silêncio.  E unânime essa grei,
maugrado seu, ao ânus escolheu!

Disse São Paulo: aquele que dentre vós tiver
menos honra, receba esse a maior dignidade!

PODOLATRIA I – 8 MAI 18

Existe homem que se apaixona por um pé!
Até escreveu, em sua A Pata da Gazela,
Machadão de Assis, sem se saber se ela
do escritor foi paixão, semi-escondida até...

Podolatria é esse amor à pata bela,
“podos”, em grego, originando o rapapé;
eu cá prefiro fazer um cafuné,
melhor agrado causando à minha donzela!

Podologia é a mística ciência
de quem tratar dos pés é especialista,
(pedofilia a conotar outra tendência)

se bem que a pedicure, com paciência,
mexa nas unhas e se o chulé persista,
água em bacia diminui a sua potência!

PODOLATRIA II

Mas quem pensar que a pé-dofilia
seja o amor por extremidade feminina
a ledo engano seu pensar se inclina,
do mesmo modo que na pé-diatria;

E ainda existe essa pé-dagogia,
sendo menor o erro nesta sina:
conduz o pé-dagogo e a alma ensina,
sem recair em qualquer demagogia!

Mas ao careca chamaremos de pé-lado?
Fazer fogueira será alguma pé-tição?
Ofender a Santa Igreja é um pé-cado?

Badminton jogar será pé-teca?
E para completar a pé-roração,
uma bela sapinha é a pé-rereca!

PODOLATRIA III

Tem algo a ver podolatria com podar?
Talvez quando se for unhas cortar!
Ou a mulher a quem dá-se tal poder
talvez de comichão vá padecer!

Tem algo a ver podolatria com pomar?
Igual que frutas os artelhos a beijar!
Ou quiçá se relacione com porão,
quando no escuro se presta a adoração!

Certamente será a mulher empoderada
perante a qual alguém se curve com delírio,
sola lambendo até mesmo se empoeirada...

E até minha vida chegou a ser podolatrada,
sem me causar tal ação qualquer martírio,
pois certamente os pés beijei de minha amada!

DESCONHECIDA I – 9 MAI 2018

Aqui agradeço à mulher que me sorriu
na fila da lotérica, gentil,
tão delicada a curva do quadril
e aparecendo, sob a roupa que vestiu

as pernas bem torneadas.  Não me seduziu,
foi tão somente tratativa bem sutil;
de forma alguma a abordei de modo vil
e ela em nada para mim se introduziu.

Saí a ver se o sistema funcionava
e ao final da fila já voltava,
quando ela me chamou, discretamente,

para ficar de novo do seu lado:
“O seu lugar é aqui, foi bem guardado,
não há motivo para um ponto diferente...”

DESCONHECIDA II

E como dois ou três não discordassem,
retornei à posição que abandonara
e agradeci por  que me conservara,
embora outros já na fila se postassem.

E foi só isso.  Talvez outros mesmo achassem
que o convite algo mais significara,
mas tal mulher nunca antes encontrara
e  desde então não mais se deparassem

nossos olhares.  Foi incidente breve:
fiquei calado, com meu livro aberto,
volta e meia por mim alguém passava,

sem me pedir licença, nem de leve!
De derrubar meu livro passou perto
um “cavalheiro” que me acotovelava!

DESCONHECIDA III

Pois nao chegamos sequer a conversar;
aguardei no meu lugar, pacientemente;
já não mais jovem, percebia claramente,
no seu pescoço quaisquer rugas a notar,

quando o rosto, de perfil, vinha a mostrar;
sabe-se lá se algo mais ingente
poderia acontecer mais casualmente,
se começássemos apenas a falar...

Mas nada houve e nada entabulamos,
só o breve espaço ali compartilhamos;
fora minha idade a despertar sua gentileza,

que vinte anos ou mais nos separavam
e nem seus olhos pelos meus buscavam,
nem abordá-la os meus nessa incerteza...

DESCONHECIDA IV

Mas pelo próprio fato de existir
meu coração deixou acalentado,
por um instante apenas consagrado,
por ser mulher, que sabe seduzir,

sem intenção, somente no fruir
da educação como algo já esperado;
não percebi que houvesse suspirado,
num leve assomo de vaidade a reluzir.

Chegamos juntos nas caixas da lotérica;
saiu primeiro e, de novo, agradeci
a gentileza que na fila demonstrara;

de novo ela sorriu, visão feérica,
depois se foi...  Porém nao esqueci
esse momento em que no ombro me tocara.

PLURICÍDIO I – 10 MAIO 2018

Hoje há a mania do feminicídio,
qual se a mulher fosse de um genus diferente
e o triste homem apenas seu parente...
Matar macaco se chama pongicídio!

Eu só confesso o diptericídio,
muito mosquito assassinei, valente!
E com veneno, igual que muita gente,
matei formigas, num mirmecocídio!

Se um pedófilo é que molesta uma criança,
quem mata alguma comete pedocídio?
Toda mulher alberga a esperança

de que surja definitivo blatacídio,
que as baratas extermine, sem tardança,
muito melhor que um vulgar inseticídio!...

PLURICÍDIO II

Esta expressão denota mais modismo.
Bem mais antigo é o uxoricídio,
quando uma esposa é alvo de homicídio
pelo marido, por ciúme ou nihilismo...

Já foi descrito este crime em romantismo,
muita vez havendo após um suicídio,
como no Othello, talvez visto no seu vídeo,
intrigado por Iago a tal abismo...

Bem mais terrível será o matricídio,
outro crime cometido ao feminino;
matar um filho ou filha é um filicídio,

não importa se é menina ou for menino;
matar a sogra será socericídio,
talvez até comum este destino!...

PLURICÍDIO III

Ora, se existem tantos termos, quando o alvo
é uma mulher, para quê nova palavra?
De um assassino em série tem a lavra,
de sua tara, no geral, o homem é salvo.

Como chamar a morte de homem calvo?
Logo haverá diverso termo se for magra
essa mulher ou se adiposa se consagra!
Descreveremos a morte de um papalvo (*)
(*) Bobalhão, ignorante.

por palavra diversa de homicídio?
De fato, nem ficaria admirado,
se a agricultra já é acusada de ecocídio!

E um pescador, comete um ictericídio?
E quem destrói, afinal, sonho encantado
será enquadrado num oniricídio?

PLURICÍDIO IV

Claro que existe já o etnocídio,
para um massacre por questão racial;
será então bastante natural,
de um afrodescendente chamar melanocídio!

No fim de contas, talvez cometa um versicídio,
por mais que siga o modelo bem normal,
mas proclamar uma república, afinal,
se qualifica como um regicídio?

Quiçá me acusem de um soneticídio,
versos usando para argumentar
e não a prosa ou discursos costumeiros,

pois é de fato politicamentecorreticídio
contra exageros que desejo condenar,
cometidos por terceiras ou terceiros!

FINAL ABRUPTO I – 11 MAIO 2018

Algo de trágico na vida humana existe,
sempre que ocorre a inesperada reversão;
que os pais morram é a natural visão,
antes que um filho seu final aviste...

Já um aborto natural é coisa triste,
mais lamentável que haja aceitação
de pôr um fim à vida, em decisão
deliberada, quando em provocar consiste.

Por muitos séculos, a infantil mortalidade
foi bem comum, sem deixar de ser desgraça,
por doença ou da fome a iniquidade.

Diziam alguns que o exigia a Natureza,
outros que Azrael ou Lilith é que perpassa,
as jovens vidas ceifando em sua crueza.

FINAL ABRUPTO II

Falso consolo nos dava a religião,
proclamando ser de Deus doce vontade
levar um anjo para a eternidde,
sem ter sofrido a social corrupção...

Fraco consolo nos médicos de então,
a medicina a afirmar com autoridade:
“A natureza o bem não quer, nem tem maldade,
somente os fortes alcançam a criação!

Mesmo sendo difícil sustentá-los,
durante os tempos da agricultura familiar,
eram bem-vindos com suas pequenas bocas;

após um ano ou dois a ampará-los,
já qualquer leve tarefa a executar,
mesmo chorando com suas vozinhas roucas.

FINAL ABRUPTO III

Mas iniciada a permanência nas cidades,
em que a vida se alongava muito mais,
ao invés de serem ajudantes naturais,
traziam gastos de especificidades.

E muito mais por adversidades,
quando a pobreza exigia por demais;
eles morriam quais pequenos animais,
ao esgotarem-se as possibiliddes...

Com o progresso da civilização
e o portentoso avançar da medicina,
ficou mais fácil essas vidas conservar;

baixos os níveis de mortalidade são,
caso os preceitos que a higiene ensina
essa família se disponha a observar.

FINAL ABRUPTO IV

Contudo, as guerras exigiram muitas vidas
ou eclodiram entre nós epidemias,
os pais seguindo do cemitério as vias,
as esperanças de décadas falidas!

E em nossa época, doenças suprimidas,
localizadas as guerras que temias,
a morte chega em novas agonias,
por acidente ou pelas drogas distribuídas.

E quantos jovens são assassinados,
Talvez por tênis apenas ou celular!
Os pais, de fato, nunca descansados,

se à noite voltarão para seus lados,
independentes em seus planos airados
ou até mesmo depois de trabalhar!

FINAL ABRUPTO V

E quanta vez, após perder um filho,
mesmo sabendo não o poder substituir,
vai essa mãe de algum modo conseguir
iniciar da gravidez um novo trilho!

Igual que filhos meus sonetos eu empilho
para que um dia sejam lidos me iludir,
que se espalhem pelo ar sem impedir,
cem outros tenho, amarrados com atilho!

Porém me assombra contemplar jamais,
por doença, acidente ou assassinato,
o passamento de quaisquer filhos carnais;

embora creia nos dons espirituais,
é meu desejo ser um dia cremado,
pelos meus sobreviventes naturais!

DRÁGEAS I – 12 MAIO 18

Personalizo os comprimidos de um tubinho,
como se fossem tristes prisioneiros,
esperando ser devorados por terceiros,
num capricho de cruel canibalismo!

Algumas vezes encontrei, no meu caminho,
as descrições de episódios verdadeiros,
um a um a transportar os carcereiros
para a morte ou tortura, por sadismo!

Por entre grades a assistir fuzilamentos
ou escutar no pátio as marteladas,
o patíbulo a erguer de enforcamentos;

pior ainda, terminados os alimentos,
tirando a sorte por quaisquer cartas marcadas,
para escolher que proverá os nutrimentos!

DRÁGEAS II

E se essa ideia te parece doentia,
recorda as vezes em que o dinheiro escasso
tiveste de escolher, em triste laço,
para atender à excessiva zombaria

de imposto e taxa que o governo exigiria,
entre os calçados desgastados pelo passo
e os alimentos exigidos pelo abraço
de tua família, a quem tua mão nutria!

Ou se foste de tal miséria preservada,
como escolher atenção a qual despesa?
Pagar primeiro as contas do cartão

ou adquirir aquela bolsa desejada,
ou ir comprar novos produtos de beleza,
até o dinheiro se acabar, sem previsão?

DRÁGEAS III

De modo inverso, atender a um compromisso
ou escutar música enquanto um livro ler,
quando esse tempo que supões te pertencer
derrete breve, como um sorriso omisso?

Pobres minutos, à espera de ser gastos,
um no trabalho, um outro no lazer,
mui breve o tempo que podes escolher,
em que gastá-lo, mil eventos vastos!

És prisioneiro dos segundos de tua vida,
que se podem escoar em desatino;
talvez atrases, com cuidado, a despedida,

a empregá-los de forma precavida,
muito embora o carcereiro do destino
todos degole, sem anistia concedida!

MEU COLEGA I – 13 maio 2018

a hora chegou de ao cérebro agradecer
pelo trabalho que realiza diuturno;
de bater meu coração assume o turno,
por mim respira, se distraído me esquecer!

talvez o cerebelo tais funções a preencher,
mas um poema, alegre ou bem soturno,
ele executa num perpassar noturno
ou a cada simples momento do viver!

há muitos anos, uma historinha li,
em que um cérebro, apelidado Miolinho,
saía da cabeça, com vantagem,

para ajudar da história o personagem.
o meu, de fato, jamais eu conheci,
porém me ampara como um bom vizinho...

 MEU COLEGA II

de fato o cérebro sou eu ou só resido
desses túneis neurais no emaranhado?
em que lobo ficará localizado
esse fulcro de meu ser assim contido?

muito experimento modernamente conduzido
alguns segredos dali tem desvendado;
o centro da visão foi encontrado,
o centro duplo da visão já perceido;

mas muito além das cocleias e o quiasma,
se encontra o centro da locomoção,
de hormônios fonte a controlar-nos a emoção;

sobre a origem dos comandos não se pasma,
saem elétricos impulsos comandados,
por eles órgãos a ser bastante controlados.

MEU COLEGA III

já se conhecem escaninhos da memória
e os mil comandos que acionam as praxias,
já desvendadas as numerosas vias
a que a carne obedece, peremptória;

mesmo os instintos que vêm da pré-história,
no hipotálamo sobrevivendo o que sentias
e o poder de compreender as sinfonias
não se discute em ação contraditória.

mas tudo isso são meus atributos,
dos ancestrais guardo recordações,
do meio-ambiente as lições que se aprendeu,

envolvimentos mais gentis ou brutos,
a compreensão do tempo e de estações,
mas nisso tudo, onde me encontro eu?

MEU COLEGA IV

será que ali sou apenas habitante
 ou honrado hóspede a ser bem-recebido
ou esse cérebro, que é por mim nutrido
é um servo meu fiel e bem constante?

e nesse caso, o esforço delirante
que em mil poemas tenho contraído
devo alforriar do labor longo concebido
em seus meandros de formação gigante?

ou sou o escravo, imaginando que dirijo,
para que o verso possa germinar;
o meu cérebro sou eu ou é companheiro

e nesse esquema de produção tão rijo,
que diariamente vejo rebrotar,
minha alforria eu já recebo por inteiro?

ALTERNÂNCIA I – 14 MAIO 2018

JÁ MUITAS VEZES MENCIONEI O SONHO
COMO ELEMENTO MOTRIZ DE MINHA VIDA,
MAS POR QUE LEMBRO ESTA VISÃO PERDIDA
QUE A MIM MESMO, SÓ A DORMIR, IMPONHO?

ENTRE OS ANTIGOS, SEU PENSAR SENDO BISONHO,
PREMONIÇÃO PELA MENTE CONCEBIDA
OU, TALVEZ, PELOS DEUSES CONCEDIDA,
DA IMINÊNCIA DE UM ATAQUE ATÉ MEDONHO!

PASSOU-SE O TEMPO, NÃO A INTERPRETAÇÃO,
A SER AVISO AFIRMANDO OS SACERDOTES,
DA MÃO DIVINA A MANIFESTAÇÃO,

DO SANTO ESPÍRITO UM CONSELHO AMIGO,
CONFIRMAÇÃO DOS MAIS CELESTES DOTES,
A FIM DE O CRENTE PROTEGER DE ALGUM PERIGO.

ALTERNÂNCIA II

MUITOS SONHOS EU RECORDO INTEIRAMENTE
E TAL FENÔMENO, COM FREQUÊNCIA, MENCIONEI,
GRANDES CIDADES A QUE MUITO REGRESSEI,
TANTAS PESSOAS QUE ENCONTRO NOVAMENTE,

SEM NADA VER COM OS SONHOS QUE SONHEI,
QUE DESEJAVA VER CUMPRIDOS, REALMENTE,
SEM PERSEGUI-LOS DE FORMA MAIS INGENTE
OU AQUELES EM QUE, DE FATO, ME EMPENHEI,

DOS QUAIS FORMEI MEUS PLANOS E PROJETOS,
QUE DE MANHÃ, ANTES DE LEVANTAR,
FICO PENSANDO EM QUAL TRECHO A REALIZAR,

DE CERTO MODO, TODOS INCOMPLETOS,
MAS QUE INSISTO EM EXECUTAR A CADA DIA,
SALVO UM EVENTO QUE MOS IMPEDIRIA.

ALTERNÂNCIA III

MAS TUDO ISSO SE ENCONTRA NA CONSCIÊNCIA,
CADA SUCESSO A COORDENAR, CADA FRACASSO,
DE QUE MANEIRA CONDUZIR MEU PASSO,
CIRCUNVENTANDO AS MALHAS DA IMPOTÊNCIA?

MAS ESTES SONHOS QUE REFIRO TÊM VALÊNCIA
MUITO DIVERSA DE TAIS PLANOS QUE FAÇO
OU DOS PROJETOS QUE NO DIA ABRAÇO,
COM MAIS OU MENOS PAZ OU VIOLÊNCIA.

POIS ESSES SONHOS SÃO COISAS MULTIFORMES,
COM UMA LÓGICA PLENA DE SENTIDO,
MAS BEM DIVERSA DAQUELA QUE DETENHO,

SEM NUNCA TER PESADELOS DESCONFORMES;
CAMINHO OU ANDO EM VOO DESABRIDO
E MIL OUTRAS RELAÇÕES AGUARDO OU TENHO.

ALTERNÂNCIA IV

E TAL QUAL SE MARCHASSE EM OUTRO MUNDO,
BEM DIVERSO, MAS EM TUDO SEMELHANTE,
NUNCA ME VEJO A MONTAR NUM ELEFANTE,
NÃO ENCONTRO DEUS NEM QUALQUER DEMÔNIO IMUNDO;

NÃO FREQUENTO CASTELOS, NÃO HÁ PROFUNDO
CONHECIMENTO A RECEBER VIBRANTE,
NÃO VOGO POR UM MAR BELIGERANTE,
MAS HÁ MOMENTOS DE PRAZER JOCUNDO;

E ME DIVIRTO COM MEUS AMIGOS REENCONTRADOS,
PERCORRO VASTOS CAMPOS E AVENIDAS
(SEM CONSULTAR AQUELA ARCANA BIBLIOTECA!),

POIS É UMA VIDA PARALELA  DESTES LADOS,
NA QUAL DESCUBRO COISAS ESQUECIDAS,
MEU CORPO URINA E ATÉ MESMO DEFECA!

ALTERNÂNCIA v

NAS REFEIÇÕES, SINTO O SABOR DOS ALIMENTOS,
DA UVA OS FRUTOS, COM TODO O SEU PERFUME,
OS OLHOS PISCO PARA UM VAGALUME,
ANIMAIS MANSOS A ME FITAR, ATENTOS.

SINTO NOS DEDOS O TOQUE, EM TAIS MOMENTOS,
VOU À LAREIRA E ALI ACENDO RUBRO LUME,
CARVÕES EM BRASA COM POEIRA DE AZEDUME,
NO CHEIRO DE QUEIMADO OS FOGOS LENTOS;

E CERTAMENTE, HÁ MOMENTOS BEM FREUDIANOS;
EM INSTRUMENTOS OU NO CANTO EU INTERPRETO,
SENDO APLAUDIDO COM ATENCIOSO AFETO;

O MUNDO É MEU, SEM LHE SOFRER OS DESENGANOS...
OU HAVERÁ CERTA ONÍRICA CENSURA
QUE ME IMPEÇA RECORDAR COISA MAIS DURA?

ALTERNÂNCIA Vi

E HÁ VÁRIAS CASAS PARA AS QUAIS SEMPRE RETORNO,
LEITOS VAZIOS OU COMPANHEIRAS ME RECEBEM;
COMIGO TRAGO AS CHAVES QUE CONCEDEM
FÁCIL ACESSO A CADA LEITO MORNO!

E ALGUMAS VEZES, TRABALHO DE PEDREIRO,
SOU EM OUTRAS CUIDADOSO CARPINTEIRO,
NOVO QUARTO ADICIONANDO A UMA MANSÃO...

E SOBRE OS MONTES ME VEJO PEGUREIRO,
DAS CAVERNAS A EXPLORAR ESTALAGMITES,
MESMO EM SONHO A EXPANDIR OS MEUS LIMITES!

VAGA PROMESSA I – 15 MAIO 2018

Hoje lembrei que esquecera este soneto
Que me pediste.  Não foi o tempo apenas,
As dores dos quadris e outras penas
Que me tornaram um pouco mais discreto.

Talvez por me olvidar de qual secreto
Desejo inspiraria minhas verbenas,
Pois mais recorda o corpo dessas cenas
Em que teu corpo me fora tão dileto...

Certamente não se põem os pés na estrada
Quando correm fincões pernas abaixo,
Dores nas costas e rompidos ligamentos,

Mas o desgaste dos joelhos não é nada,
Pois os desprezo, que a tais dores não me abaixo,
Bem mais difícil os desgastados sentimentos...

VAGA PROMESSA II

Já nem recordo quanto tempo faz
Que algum amor me pediu este soneto,
Nem a que ponto este amor tornou-se inquieto,
Nem a menor recordação o tempo traz...

Achei o original no fundo, atrás
De tantos outros, amarfanhado inseto...
Qual o motivo do rascunhar secreto,
Qual foi  a dor que senti ainda rapaz?

Quem me dirá se não foi amor tardio,
Aconchegado ao ombro de meu braço,
Nas noites férteis de longas madrugadas,

Reumática pressão causando o frio,
Pela dormência provocada pelo abraço,
Nessa recusa de ter suas faces afastadas...

VAGA PROMESSA III

É tão incrível como o passado vai
Amolecendo na memória do real...
Seria, de fato, bem mais natural
Que só murchasse qual botão que cai.

É só dos sonhos que a lembrança não me sai,
Na realidade desse amor espiritual,
Enquanto encontros de existência material
São apagados em seu constante vém-e-vai...

Assim de quem eu prometi este soneto
Não consigo nem os olhos relembrar,
Por quantas vezes a fui acompanhar...

Quantas vezes apresentou-se em dom secreto,
Nem quantas vezes os meus versos leu
Sobre outro amor que a memória já esqueceu!

Verde é o Sorriso 1 – 16 MAIO 2018

Se esmeralda e rubi é o teu sorriso,
Por cintilante e belo que pareça,
Por que meu sonho assim tanto enriqueça,
Na vida sendo marmóreo como um friso?

Do diadema que cerca o crânio liso
Qual estátua de deusa, não me esqueça,
Não das jóias coloridas que se desça
Às minas frias desse limoso piso.

Não afirmo que teus lábios sejam verdes,
Nem por rubi a cor de tuas gengivas,
Mas à riqueza que teu sorriso me transmite,

E se me olhas sem sorrir, ao desdenhardes
De minhas frases de amor por mais altivas,
Assim me negas a presença de um convite.

Verde é o Sorriso 2

Talvez fossem de topázio e de safira
A cabeleira tal sorriso a emoldurar
Os olhos puros em vítreo lampejar...
Saberá ela o porquê que me ferira...?

Mais que o topázio nessa noite perseguira,
Mais que safira o meu inteiro desejar,
Quase sem crer de a esmeralda conquistar
Após o beijo rubro qual rubi que conseguira!

Essa turquesa de anil tonalidade,
Essa ametista qual cova profunda,
Oculta em ganga de aparente asperidade,

A um crisopraso não amando, na verdade,
Nem ao bdélio da garganta rubicunda:
À água-marinha de perfeita claridade!...

Verde é o Sorriso 3

Lápis-lazuli que somente imaginei
Em contraste com o jade acastanhado
Desse olhar com que fiquei acostumado,
Na cor de amêndoa dos cabelos que beijei...

Mas que espécie de poeta então serei,
Se não puder tornar mais encantado
Este amor longamente consagrado,
Concreto em tudo, salvo o que sonhei?

E que importa, neste amor de joalheiro,
Caso a esmeralda se vire em turmalina,
Quando o fulgor de seus olhos é diamante?

Se nesta vida o amor que quis primeiro
Era de âmbar, coral e cornalina,
Em seu sorriso de Pandora triunfante?

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
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