domingo, 11 de setembro de 2022


 

O FADO DA ESCOLHA I – 7 SETEMBRO 2022

(de fato, Sophia Scicolloni , sobrinha de Mussolini)

 

no bordel da memória, cem lembranças

se acumulam pelos cantos, pervertidas,

no lusco-fusco buscando ser queridas,

tecendo o tédio igual que tecem tranças;

no salão do bordel, em lentas danças,

as memórias mais ousadas destas vidas,

roubadas de cem outras desvalidas,

chegam melífluas e com palavras mansas.

 

pois são memórias ocas, na verdade,

não mais que serpentinas espalhadas,

enroladas em um toco de papel

e em seu leito recordando iniquidade,

quase em confete se tornam, desoladas,

doces ressaibos de mil frascos de fel...

 

O FADO DA ESCOLHA II

 

vejo as memórias ali avelhantadas,

traços profundos em rugas maquiadas;

é um beijo falso o beijo em que me aleijo,

não desejara me aleijar no beijo,

porém me alijo, na memória desses nadas,

dessas lembranças em misturas alijadas,

cada lembrança só a sombra de um desejo,

cada desejo um dissonante arpejo.

 

no travesseiro da lembrança então me deito,

somente a fronha é que me foi deixada

sobre o lençol do adulterino leito,

amarfanhado por todo o meu despeito,

toda a memória incestuosa abandonada,

somente guardo o amargor que trago ao peito!

 

O FADO DA ESCOLHA III

 

não sei memórias no bordel da alma

poderei então pagar com algum cartão;

memórias velhas aqui se encontrarão,

com violência a combater-me a calma,

que as memórias que procuro dão a palma

às memórias que me assaltam o coração;

elas se aprestam a segurar-me a mão,

para seu leito a puxar, que angústia embalma.

 

mas não consigo fechar esse bordel,

que as boas lembranças ali estão aprisionadas,

com grande esforço só as posso despertar;

tantas guardei em seu berço de papel,

que só me invadem as mais indesejadas,

que realmente eu nem queria visitar!

 

O FADO DO ASSÉDIO I – 8 SETEMBRO 2022

 

hoje desejo te estuprar sem violência,

tua permissão me darás em desatino,

cheque sem fundos para ti assino,

esgotada inteira em ti a minha potência;

para tua alma penetrar, terei leniência,

quando aceitares o desejo que te inclino;

em tua mente, qual estilete fino,

vou introduzir meus versos sem clemência.

 

não são versos comuns esses que escrevo,

não são os brotos de um jardim florido,

não são lamentos de um amor desiludido;

só retalhos de meu corpo neles levo,

talvez te causem certo espanto e dor,

talhos dos dedos arrancados com vigor!

 

O FADO DO ASSÉDIO II

 

por isso digo que são versos de estuprar,

que não são versos de xampu e sabonete,

que por tua pele em perfume se intromete,

são esponja antiga arrancada lá do mar;

para buscá-las fui quase me afogar

no enfrentamento do que o coral secrete,

tinta nanquim que criatura me projete,

não mais querendo que de mim se libertar.

 

contudo eu desço aos abismos da emoção,

bem lá do fundo a trazer pérolas rosadas,

que só obtive mediante assassinato

de cada ostra que as guardou no coração;

em meus pulmões as vejo penduradas

e das pneumas as arranco sem recato.

 

O FADO DO ASSÉDIO III

 

essas imagens que arranquei de mim,

no vasto estupro que de fato foi só meu,

deste ergástulo em que apenas eu fui réu,

talvez te firam ao te alcançar assim;

talvez a casca dessas ostras de alevim

não tenha sido de fato posta ao léu,

mas na esperança de alcançar teu céu,

inesperado e sem convite eu vim.

 

mas para o estupro me dás consentimento

a cada vez que tais versos percorres,

talvez te agradem, talvez lágrimas te pausem,

mas sempre os envio sem arrependimento,

para que os olhos com tais pérolas forres,

ainda que ostras mortas repulsa ali te causem.

 

O FADO DO TÉDIO I – 9 SETEMBRO 2022

 

vêm exigências a cobrar a minha atenção,

a cada vez que aciono este teclado

e não me agrada em nada delas ser escravo.

 

sempre que o ligo, é que tenho uma razão,

jamais aquela com que sou atribulado,

com intenções cada qual dos dedos lavo.

 

mas o mundo exterior hoje é mais forte,

não é questão de se atender à porta

ou o telefone que nosso sono corta,

existe esta janela em vasto porte.

 

a cada vez que a abro o mundo invade,

não somente minha visão com mais alarde,

mas quando uma voz rouca sobrenade,

eu me limito a clicar: “lembrar mais tarde”.

 

O FADO DO TÉDIO II

 

lembrar mais tarde... quanto tempo leva

a final realização de uma tarefa

que não se tem vontade de cumprir?

 

lembrar mais tarde... quando, em meio à treva,

reposteiros corremos e sanefa,

quando o tempo se foi e não quer vir?

 

a gente fica simplesmente adiando

o que não quer fazer até que acabe

o derradeiro instante que nos cabe

para cumprir o tal dever nefando...

 

e então, ou se desiste, ou contemplando

o que deve ser feito e não se sabe,

lança-se mão à tarefa e com um “tab”

o capataz computador vamos ligando...

 

O FADO DO TÉDIO III

 

porém me imponho a essa algaravia

e nem sequer aos que amo dou ouvidos,

que sejam suas mensagens dispersadas...

 

digito apenas o que antes pretendia,

meus versos loucos, tontos, malferidos,

as tuas vistas a latrocínio condenadas...

 

guardo a esperança, que em geral é vã,

de que não os apagues simplesmente

ou com um “lembrar mais tarde” indiferente,

siga ao futuro o meu coaxar de rã.

 

porém se acaso de meus riscos fores fã,

só te suplico um perdão mais permanente:

que na tapeçaria me ajudes, complacente,

a trançar tuas emoções quais fios de lã...

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