sábado, 24 de setembro de 2022


 

 

O ATORMENTADO I – 12 FEV 22

 

Embora Abiran, o “Pai de Deus” signifique,

não se deve o seu nome interpretar

como origem do Monoteísmo milenar,

que o próprio nome em Avraham modifique,

e em “Pai de Muitos” simplesmente fique,

das mil nações que haveria de gerar;

de Sarai também o nome a transmutar,

que de “Heroína” para “Mãe” se simplifique.

 

Mesmo ele a perceber fosse impossível

que tivesse concebido tal conceito,

sem receber uma real epifania,

na “inspiração” dessa “visita” incrível

da divindade revelada em seu direito,

implantada no espírito, que assim cria.

 

O ATORMENTADO II

 

O fato é que Abiram foi instruído

quando em Paddan-Aram ainda vivia,

no culto aos deuses que ali se pretendia

e mesmo neles certamente crido,

porém tais deuses do coração banido,

um bem furioso quando se ofendia,

uma dengosa que seu corpo oferecia,

a carne humana preço em troca requerido.

 

E igualmente existia o deus da guerra,

sacrifício humano supremo ali exigido,

milhares a morrer ao invés de um,

que o massacre de prisioneiros ainda encerra,

um empalado, outro à tortura conduzido

ou morto em fogo, sem se perdoar nenhum!

 

O ATORMENTADO III

 

E que se pode esperar desse infeliz,

envolto em tantas elocubrações,

em suas noites sem luar, as multidões

de estrelas a fitar... O que lhe diz?

São olhos de deuses, alguém quis

lhe garantir, diante de tantas confusões:

não só os olhos, lá estão em profusões

deuses estranhos, suas pupilas quais burís

 

a nos rasgar, a perscrutar pobres humanos,

corpos ocultos sob negros mantos,

a contemplar nossas ações, boas ou más:

“Por isso ao deus Sin, nos invocamos,

que nos proteja e lhe compomos cantos:

é o deus-pastor que todo bem nos traz!...”

 

O ATORMENTADO IV

 

E lhe falavam do poder dessa Ishtar,

não só da Lua, mas da fecundidade,

que aos humanos não vigia com maldade,

mas vem rebanhos e colheitas aumentar,

embora peça sacrifícios, na verdade,

as primícias das colheitas lhe queimar

e o primogênito das ovelhas sobre o altar,

todo “o que abre a madre” em realidade!

 

E em consequência, lhe chegavam a afirmar

que de cada mulher o fruto primordial

se lhe devia imolar, em grande fausto!

Seu sangue sobre os campos a jorrar,

queimada a carne em fogueira triunfal,

pago cem vezes no futuro o holocausto!

 

O ATORMENTADO V

 

E depois que a Mesopotâmia ele deixou,

não tanto por dos deuses ter rancor,

mas por escassez de um pasto protetor

de seus rebanhos, que rápido aumentou,

na peregrinação em que lenta se empenhou,

viu outros povos, cada qual com seu senhor,

rei e sacerdote, cobrando seu penhor

para algum deus que na mente ele gerou!

 

É indubitável que Abraão lhe pagaria

o pedágio da passagem e o direito

de beber de seus poços com frequência;

não há razão por que alguém se espantaria

que a Melkisedek ele pagasse preito

e o dízimo ele entregasse à sua potência!

 

O ATORMENTADO VI

 

Mas finalmente alcançou a revelação:

que nem as estrelas lá no céu pregadas,

nem o luar de inconstantes madrugadas,

deuses seriam que lhe dessem proteção;

tampouco o Sol de imponente floração,

por quem planícies seriam ressecadas,

suas preces merecia alcandoradas,

sequer o vento, a chuva ou o trovão.

 

Se Yahweh falou enfim a Abraão,

só ao que podia entender se limitou,

dentro da mácula de seu antigo entendimento

e desse modo, concebeu a tentação

do filho único que Sara lhe gerou,

sacrificar para provar seu sentimento!

 

O ATORMENTADO VII

 

Talvez não seja mais que alegoria,

talvez quisesse só a obediência comprovar

do filho Isaac, a quem dizia amar,

mas de antemão um carneiro esconderia

nesse monte a que seu filho conduzia,

levando o fogo e a pedra de amolar!

A narrativa não registrou o protestar

dessa rez que no final se imolaria...

 

Talvez nada mais fosse que um ritual:

sabia Isaac que não seria degolado?

Sabia Abraão que jamais o mataria?

Seria uma forma de expiar o antigo mal,

quando Ishmael ao deserto foi levado,

ação bem certo que o atormentaria?

 

O ATORMENTADO VIII

 

Mas é preciso sempre se lembrar

que com Ketura outros filhos já tivera;

caso um matasse, igual outro escolhera

para um herdeiro que haveria de abençoar!

Não se encontra nenhum texto a recordar

que de Ketura algum filho se perdera

em sacrifício ao Deus que conhecera,

por que a Isaac escolheria degolar?

 

O certo é que este, embora consentindo,

até o momento final teve incerteza:

estaria preso o tal carneiro, seu penhor?

Mesmo o ritual sem sua morte se cumprindo,

os dois do monte descendo sem lerdeza,

sempre lembrou-se de Jeová como O Temor!

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