terça-feira, 18 de abril de 2023


 

 

ESTERNUTAÇÃO I – 14 ABRIL 2023

(Angela Lansbury)


Eu hoje espirrei por acaso uma só vez

E fui minhalma procurar com grande afeto;

Só a encontrei agarrada contra o teto,

Em uma trave apoiada como arnês.

A meus apelos surda então se fez,

Por mais enviasse o chamado mais dileto:

Ao seu temor de cair não objeto,

Mesmo deixando meu corpo em viuvez.

Tentei em vão do poleiro a desprender,

Com o longo cabo de um espanador,

Com esguichos de spray a convoquei,

Mas tudo em vão até que pude resolver

Minhas narinas ativar com certo ardor,

Só retornando quando outro espirro dei!

 

ESTERNUTAÇÃO II

Consoante a história, durante a Idade Média,

Cada Bobo da Corte era sempre encarregado

De as narinas reais ter ativado,

Para que a alma retornasse à antiga sédia;

Registra mesmo a minha Enciclopédia

Ser tal costume com frequência praticado,

Para o caminho de retorno assim ser indicado:

Se o diabo a encontrasse, que tragédia!

Ficaria o soberano desalmado,

Desprovido do senso de justiça,

A corte e o povo muito sofreriam!

Necessário ser novamente esternutado,

Para que a alma retornasse à antiga liça:

Com o novo espirro, todos se aliviariam!

 

ESTERNUTAÇÃO III

Mas já pensou se espirrasse outro primeiro

E a pobre alma invadisse o seu nariz?

De um tal evento a história não nos diz,

Mas um conflito ocorreria bem certeiro,

Que a alma ali buscaria um paradeiro,

Mas a alma ali presente jamais quis

Um companheiro chegado em chafariz

E o expulsaria num impulso verdadeiro!

Ou quem sabe, apaixonassem-se essas almas,

Quiçá o sujeito se tornasse bipolar,

Obedecendo em parte à visitante,

As duas amantes jamais se achando calmas,

Sem de fato conseguirem se integrar

E o pobre rei sua alma não teria doravante!

 

PERFUMAÇÃO I – 15 ABRIL 2023

Sombras partilham do cheiro e do odor

De quem sobre as paredes as deixou,

Se do reboco arrancassem outro olor,

Seriam mais duras de se desarraigar!

E se algum dia, por decisão pior,

A casa inteira se fizesse derrubar,

Seus fragmentos iriam a tal lugar

Em que a caliça se fosse despejar,

Pouco a pouco a se despedaçar,

Salvo se encontrassem, por acaso

Alguma coisa que as pudesse refletir,

Como em outra parede se irem projetar

Ou escurecendo a argila de algum vaso,

Ou sob árvore se deitassem a dormir...

 

PERFUMAÇÃO II

Talvez ficasse o lugar meio assombrado,

Pela presença das sombras que o habitam,

Talvez notadas pelas vistas dos que as fitam,

Com novas sombras debruçadas do seu lado;

Talvez buscassem entrar nesse coitado,

Em que diversas posturas mesmo ditam:

Ter sombra dupla desta forma incitam,

Seu próprio passo no solo duplicado!

Há muita história sobre alguém sem sombra,

Mas sombra dupla chamará pouca atenção,

Julgado o efeito de lamparina que reluz!

Talvez sequer o projetor se assombra,

A parecer-lhe uma casual duplicação,

Como efeito de uma lanterna que conduz...

 

PERFUMAÇÃO III

Porém se as sombras de fato têm um cheiro,

Alguma coisa afetaria as suas narinas,

Modificando quiçá suas próprias sinas,

Trocando as fronhas de seu travesseiro,

Ou procurando a sua fonte no terreiro,

Ou na passagem de quaisquer meninas

Ou pelo solo algumas coisas menos finas

Meio atarantado a procurar ligeiro.

Melhor deixar as sombras nas paredes,

Qual derradeira lembrança dos antigos

Que haviam habitado nessas casas,

Em dia e noite a constituírem redes,

Às novas sombras sem oferecer perigos,

Tremeluzindo como negras brasas!

 

TRANSFORMAÇÃO I – 16 ABRIL 23

Amor é arco-íris reluzente de perfume,

Nuvem dourada que pisamos sobre o chão,

O suprassumo a talvez ser da solidão,

Se nós apenas usufruimos desse lume,

Porém dos píncaros nos leva até o cume,

Ao partilharmos das luzes da emoção,

Quase afogados no fogo da paixão,

Quando esse amor a nosso lado rume.

Amor é sempre algo maior que nós

E não a simples decorrência do hormonal

E mente e alma a fazer segui-lo empós,

Grande demais para um corpo limitado,

Em seu simples arcabouço material,

Mas para as metamatérias destinado!

 

TRANSFORMAÇÃO II

Amor é mais que sussurro ao pé do ouvido,

Amor que é verdadeiro é imaterial,

Sempre amor leve emanação do espiritual,

Que não se pode jamais deixar no olvido,

Mesmo não sendo por alguém correspondido,

Todo amor transcenderá o digital,

É analógico em seu sentido natural

À carne e osso que se tem querido,

Mas indo além da carne humana consensual,

Muito além de cada orgasmo passageiro

E mais além de qualquer posse triunfal,

Porque sempre nossa mente nos amplia

Em crescimento fatal e alvissareiro,

Além do egoísmo transbordante da agonia.

 

TRANSFORMAÇÃO III

Contudo é feito de meandros complicados,

Dos enredados problemas de uma vida,

Que nosso orgulho leva inteiro de vencida,

Nessa entrega que ultrapassa mil pecados!

E mesmo àqueles mais amargurados

Sempre a um rastro de ouro dão jazida,

Por mais tristeza na alma concebida,

Bem mais além das elegias desvairados,

Pois a qualquer que um vero amor marcou,

Fica a roupagem de sua persistência,

Um dia a lembrar que nunca terminou,

Que a mente inteira leva de vencida,

A conservar-se nessa plena resiliência,

Enraizada em cada artéria malferida.

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