quarta-feira, 10 de abril de 2024

 

 

CANÇÕES DE GELATINA I – 28 MAR 24

 

Cada canção que me emerge do passado,

da gelatina do tempo esverdinhado,

faz-se canção de amor apaziguado,

não brota lágrimas das vistas dos jograis:

são arlequins de perdidos carnavais,

gélidas hóstias de cibório conservado,

mas os mais puros dos versos são sensuais,

nesse ostensório de meu peito amarfanhado

e conto as contas do rosário manejado,

contas de sebo dos suores de meu peito;

budista eu fosse, teria moinhos de orações,

porém Borobudur foi soterrado (*)

dos Holandeses tão somente avisa o leito,

olhos puxados cobriram as cinzas dos vulcões.

(Grande templo em Java)

 

CANÇÕES DE GELATINA II

 

Volam no  v ento em luz de lamparina,

pássaros cegos a bicar-me o coração,

cada picada a gotejar nova canção,

em comercial afinal da própria sina

e cada hemácia de meu sangue se destina

a despontar em meu peito brotação;

eu as engolfo nos fractais de meu pulmão,

em hemoptise me percorre e me fascina.,

Se houvesse tempo, eu prenderia o passado,,

mas tão veloz corre essa inspiração!

Se não a acolho, me rasga o coração

E vai passando, sem me dar seu fado...

Ai de mim, prestamista da ilusão,

versos alheios a repassar atribulado!

 

CANÇÕES DE GELATINA III

 

Não, minha amiga, de amor hoje  não esperes,

não vim solerte a te fazer a corte,

sou só fantasma de transparente porte,

que roubou do passado as priscas eras,

mas em teus cílios aceitação me geras

tuas íris espelhas do mais antigo norte,

humor vítreo a derramanar-se nesse aporte,

escleróticas manto real de mortas feras,

mas por teus olhos alcanço o teu quiasma

e subo ao gânglio que perpetua teus sonhos,

como eu queria trazer-te só alegria!

Mas só te posso fecundar, pois sou fantasma,

no suicídio dos ideares mais bisonhos,

em que canção só de teus lábios brotaria!

 

NÚMERO DE HOMEM I – 29 MARÇO 2024

 

Quantos te amaram na esfera do desejo,

mulher bonita, a mais linda da cidade,

lábios de rosa a captar virilidade,

botões de sonho a me assoprar um beijo!

Há tantos anos já!  Eu era só um andejo,

sem pouso ou paradeiro em realidade,

louvado apenas por invulgar capacidade

deste meu cérebro citadino e sertanejo.

Não foste minha, então.  Só de curiosa,

pediste à amiga que me convidasse,

que nos deixou a sós por um pretexto,

mas em minhalma a se gravar viçosa

essa imagem que perpétua me encantasse

e em mim gravasse um final palimpsexto!

 

NÚMERO DE HOMEM II

 

Cada glifo de meu antigo juramento

foi destacado com o gume de um cinzel,

canção de gesta a grafar em tal quartel,

arcano gótico em meu pleno pensamento,

passados anos, a partir desse momento,

sem que tocasse em teus seios de mel,

o palimpsexto guardei sob o burel,

seu sacerdote até meu último alento...

Como soubeste me prender em tal instante!

E como foi que a pedir prenda me atrevi

à mais bela mulher que então já vi?

Para outrem foi minha saga de hierofante

e a tal amor fui eternamente condenado

só pelo olor desse teu peito perfumado!

 

NÚMERO DE HOMEM III

 

Que se passasse assim, ano após ano,

tu em tuas graças, eu em meus afanos,

as contas de meus rosários soberanos,

presas ao cíngulo do mais total afano!

Três meses e três dias, ano tríplice de insano,

teu tempo igual, sem semelhantes danos,

trezentos e trinta e três os dias arcanos,

trezentos e trinta e três de ideário humano!

Os teus e os meus em só número afinal,

em tal frequência a afrontar o imaginário,

seiscentos e sessenta e seis, em seu total!

Apocalipse só em duas vidas a se expandir,

 nessas trombetas do perpetuíssimo sacrário,

perdido em ti sem jamais me redimir!

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