quinta-feira, 11 de abril de 2024

 

CÉLULAS ÀS PRAIAS I – 30 MAR 24

(Nesta noite, sofri um tombo e rolei escada

abaixo. De certo modo, fui lançado ao mar.)

(MARISKA HARGITAY, "OLIVIA BENSON")

 

Os mortos marcham pelo chão do mar,

tentando desfazer-se das mortalhas,

sacos de lona ou qualquer coisa que as valhas

de uma amurada sem incenso os derramar.

Talvez eu tenha sido um rei no ar,

contudo a morte me colheu em suas metralhas,

ossos em pó que em tombadilho espalhas,

baldes de água no convés a derramar,

para aquilo que sobrou o cerimonial,

lá rugiram os canhões que não comando,

bandeiras pandas não mais sob o meu mando,

restos de sangue em guisados, afinal,

lançados às vagas, qual ato de obediência,

peixes rasgando minha lona em impertinência.

 

CÉLULAS ÀS PRAIAS II

 

Mas em cada fragmento abandonado

tudo de mim existe em rubra glória,

não recebendo um preito, nem memória,

salvo das bocas famintas do pescado,

a disputar entre si cada bocado,

nem James Ensor a pintar-me a escória,

de meu crânio a destilar-se a história

em cada peixe assim alimentado,

sem meu cadáver converter-se em pó,

eu vaguearia por planícies abissais,

julgando os Campos Elíseos percorrer,

mas ao invés de diluir-me nessa mó

eu subiria às praias de corais,

aos grãos de areia, enfim, a pertencer.

 

CÉLULAS ÀS PRAIAS III

 

Não te espantes no macabro de meu sonho,

do bom combate não me apartarei,

pelos pés dos veranistas subirei

e nos seus cérebros minhalma assim reponho;

talvez te assuste o meu ideal medonho,

mas entre “espumas flutuantes” bailarei,

igual ao poeta cuja voz tanto escutei,

nesse romântico ideário que proponho:

tantos de mim lançados para o mar,

sem lona ou lastro ou qualquer cerimonial,

mortas escamas sem saber que o eram,

enfim libertas de sua magia bascular,

dormem as células sem luz de castiçal,

sob as pegadas que mil pés alheios geram! 

 

AMOR EM AARU  I – 31 MAR 2024

(A Terra Egípcia dos Mortos)

 

Sobre o tapete de amor de teus pelos pubianos 

eu voarei por entre as praias do infinito;

em tua cornucópia eu soprarei meu grito,

invocando as trombetas dos sonhos mais arcanos;

no clangor ressequido dos últimos afanos

apocalipsarei os armageddons que habito

sobre o monte de ossos secos mais bonito

que o imaginar me conceberá em desenganos;

em tua carne derramarei o meu Jordão,

minha flor deserta da fiel Jerusalém,

entre as palmeiras que se erguem de teus seios,

no carmesim do mais puro sermão

e no rosário de teus dentes eu também

me perderei, permeio à saga dos receios.

 

AMOR EM AARU  II

 

Existe abismo em teu púbis solitário,

doce penhasco em que me perderei,

no teu clitóris meu amor afogarei,

perante a vulva de teu leito solidário;

sou peregrino, anacoreta perdulário,

mas todos os meus dias de tua fonte beberei,

sobre teu hímen meu corpo verterei,

até tuas trompas perseguir em meu ordálio,

meu ser minúsculo ante a rósea penedia,

membranas feitas de acendrado pensamento,

de Bertholin sorvo o aquoso julgamento,

em teus orvalhos meu altar alcançaria,

em teus degraus a buscar qualquer assento,

simples esperma congelado em tal momento.

 

AMOR EM AARU  III

 

Necromancia encontrarei nesse fanal,

não mais que  o chefe da longa caravana,

flagelo simples que todo o ardor inflama,

pobres gametas a afogar-se no abissal,

tal qual um dia, no instante mais fatal,

eu deslizei pela carne que se afana

e fui meu pai nessa uterina chama,

tantos de mim a extingui-se no plural

e nessa minha função sobrevivente,

de novo eu sou o carrasco sem perdão,

mais uma vez em deeneá me espanto,

contra milhões de potência indiferente,

absorvidos enfim ness mansão,

sem sepultura nem gotejar de pranto!

 

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