sexta-feira, 18 de novembro de 2011

CÍCLOPE CEGO

                                                                                Arte de  David G. Paul – TX U.S.A.

CÍCLOPE CEGO I 

É uma árvore realmente gigantesca.
E morta.  
Só os deuses sabem quanto
se espalhava da antiga fronde o manto
ou se espraiava das folhas o arabesco.

Hoje só resta o espetáculo.
Dantesco,
da imensa cepa cortada em velho canto.
Foi um pinheiro, talvez, e ergueu-se tanto
quanto se alça um trono principesco.

Porque esse tronco em cor de cinza e prata.
ainda sobe talvez a trinta pés
e se abre em dez galhos qual coroa.

Todo enrugado, em sua grossa bata,
renitente como a crença dessas fés
há muito mortas, que a imaginação povoa.

CÍCLOPE CEGO II

No recôncavo da árvore, construíram
uma casa, talvez para habitação;
com maior chance, para fins de adoração
desse toróide cortado, que admiram.

Por entre os galhos que subsistiram,
ainda bem grossos da antiga brotação,
se aninha a moradia, em comunhão
íntima ainda com o vegetal que viram.

Há muito, não dá sombra a fortaleza;
não há lugar nos seus galhos para ninhos;
parece quase em prata ser fundida,

porém conserva ainda sua beleza,
como um memento terrível aos vizinhos:
árvore morta, que se apega à vida...

CÍCLOPE CEGO III

Há quantos séculos que permanece erguida,
morta, é bem certo, porém forte e robusta!
Erguendo aos céus a sua coroa augusta,
qual monumento a uma ode perseguida...

Uma escada em caracol leva à guarida
edificada no cilindro assim vetusto.
Faz recordar qualquer arcano busto
de deusa antiga, por inveja destruída...

E mesmo hoje, conserva-se encantada
essa árvore que morreu, um dia, em pé,
altiva e cativante em majestade.

Essa coroa de lenho, hoje guardada
como capela à Natureza e até
como um emblema à temporária eternidade!

CÍCLOPE CEGO IV

Há quantos anos brotou essa semente?
Quantos milênios levou para chegar
ao ponto desse imenso frondejar
e há quanto tempo se ergue, ainda imponente?

Não foi um raio, bem evidentemente,
que corcoveou dos céus para a matar,
nem terremoto a veio desarraigar:
morreu cansada do mundo indiferente.

Mas é aqui preservada, e com razão,
essa cepa prateada e impressionante,
esse tronco mais alto que dez carros,

a mostrar o vigor desse Japão,
de ininterrupta dinastia reinante,
enquanto as outras são partidos jarros.

CÍCLOPE CEGO V

A cidade construiu-se a seu redor:
certamente é uma espécie de sacrário,
muito mais santo que qualquer rico santuário,
esse gigante estriado em seu palor.

E bem sei que a reverenciam com amor
os japoneses, de olhar atrabiliário.
No Ocidente, um destino bem mais vário
teria tido há muito tempo o seu fragor.

Casas, talvez, ou móveis, ou lembranças
teriam feito com toda essa madeira
ou através dela estrada aberta para um carro,

como a sequóia que se ergue entre outras lanças
na Califórnia... Mas esta planta hospitaleira
sustenta o céu, erguendo-se do barro!

CÍCLOPE CEGO VI

E onde mais se poderia encontrar
esta árvore gigantesca e majestosa,
toda enrugada a imensa mão formosa,
que abraça a casa em manso dominar?

E poderia, quiçá, até a esmagar,
se não tivesse esgotada a poderosa
energia e robustez  voluntariosa,
que a impulsionaram até aos céus se alçar...

Com japonesa sensibilidade,
cultivaram plantas verdes sobre o teto,
como se a casa ali brotasse realmente.

E os automóveis se encolhem, na verdade,
perante a mão desse deus morto em secreto,
sem nunca ser  vencido totalmente!

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