segunda-feira, 21 de novembro de 2011

FALSA HAMADRÍADE & VERA HAMADRÍADE


FALSA HAMADRÍADE I 

A hamadríade é de madeira branca...
Certo formato alguém no tronco percebeu
e o descascou.  E, aos poucos, concebeu
de uma mulher completa imagem franca.

A morta árvore que tal ninfa tranca
bem facilmente, sob o escopro, concedeu
o resultado a quem dela se condoeu
e para a vida essa deidade arranca.

Ficou perfeita, em todos os detalhes:
forquilha dupla lhe desenha os braços
e os seios com mamilos se projetam.

Parte da casca foi poupada nos entalhes,
para mostrar do baixo-ventre os traços
bem femininos, que claros se intersectam.

FALSA HAMADRÍADE II

Acima das forquilhas de seus braços
se estende tronco branco e então se alarga.
O rosto se esculpiu e não se embarga
a parecença por faltar-lhe traços...

Tem lábios e nariz, tem olhos baços,
a sugerir-me uma expressão amarga...
Talvez por suportar a inteira carga
e longos galhos manter em seus abraços.

A árvore secou.   Ou assim parece,
pois de verde vê-se apenas sugestão
(talvez de sua nudez seja a estação...)

e assim se alça, perdida numa prece,
exposta inerme ao olhar da multidão:
seu corpo é a cruz e dela nunca desce.

FALSA HAMADRÍADE III

Quem descascou a árvore, a matou,
provavelmente.  É na casca que está a vida.
A escopro e faca abriu-se tal ferida
que seu vigor nunca mais recuperou...

Foi sua perfeição que a condenou!
Pelo formato dessa ilusão querida
foi a ninfa inicialmente percebida:
morreu do amor de quem apaixonou...

Ou, quem sabe, ela mesma ressecou
e só depois os detalhes se afirmaram.
Poderia ser só lenha de fogueira...

E foi a exibição que a preservou,
nesses entalhes, que aos poucos revelaram
a deusa aprisionada na madeira...

FALSA HAMADRÍADE IV

E assim se ergue, branca, contra o azul
e, quem sabe, um longo tempo permaneça.
Quiçá está viva ainda e talvez cresça,
preservada contra o sol e o vento sul...

Talvez a ninfa goze um tempo exul
e alguém lhe traga oferendas e até peça
algumas graças e acredite nessa
estátua, com poder capaz de expul-

sar as doenças e outros malefícios.
Talvez de sua vagina uma semente
ao solo desça e se enraíze forte...

Qual reação a todos esses vícios
que os mais grosseiros mostram, certamente,
ao contemplarem seu feminino porte.              

VERA HAMADRÍADE I 

Existe outra bem mais natural
erguida hoje em algum lugar da Europa;
o tronco é branco, mas é verde a copa,
porque viceja em vida vegetal.

Não recebeu um corte assim fatal,
que a natureza dessa tortura a poupa;
qualquer um a reconhece assim que topa,
qual dançarina em salto triunfal.

Estende os braços e ramifica os dedos
em variedade de ramos e raminhos
e sua cabeça se lança para trás,

talvez a sussurrar os seus segredos,
quiçá a sugerir até carinhos,
orgulhosa dessa pose que assim faz....

VERA HAMADRÍADE II

Ninguém tocou no tronco desta planta;
como hamadríade cresceu naturalmente.
Um espírito gentil se fez presente
e congelou-se em posição que encanta.

A pele é rosa e branca sob a manta
da canópia que repele o sol ardente,
verdor brilhante de vigor potente,
enquanto ao espaço soergue sua garganta.

Lança uma perna para trás em fino
e majestoso salto para o ar,
nesse balé ritual da despedida...

Sabe-se lá por que favor divino
foi transformada assim para durar
muito mais tempo do que a humana vida!

VERA HAMADRÍADE III

Ou quem sabe, essa ninfa se matasse
por força de um amor mal recebido,
que não fora por alguém correspondido
e não pudesse suportar que a desprezasse...

E assim, nessa clareira, derramasse
todo esse amor que havia concebido...
E a tal visão, um deus, compadecido,
nessa árvore virente a transformasse...

E que o vermelho sangue da donzela
em seiva branca assim se condensasse
e desse vida e forma ao seu verdor...

E o amor fervente que brotara nela
em galhos congelado rebrotasse,
como a prova final de seu amor...

VERA HAMADRÍADE IV

Talvez, à noite, quem chega na clareira
a possa ver dançando à luz do luar...
Ou, em noites mais escuras, rebrilhar,
num rodopio de luz alvissareira...

Quem sabe em salto imóvel, derradeira
demonstração da energia de valsar,
por sua hubris quis o deus a castigar
e, em vulto branco, petrificou-a inteira.

Mas eu sinto, ao contemplar sua harmonia,
um não-sei-quê que a mente me comove
e até queria de seu baile partilhar...

Talvez eu tire de uma lira a melodia
que esse tronco estremece... E assim renove
seu espírito cativo, em cintilar...

VERA HAMADRÍADE V

Mas o que ocorreria se eu, então,
fosse tocar, igual que Orfeu, a lira?
Os espíritos da noite agitaria
e escutariam minha encantação?

Despertaria Eurídice a emoção
que ao longo dessas cordas tangeria...?
E se esse olhar que sob a casca mira
se preenchesse de lágrima e paixão?

Não obstante, se nem o próprio Orfeu
trouxe Eurídice, afinal, à luz do dia,
como a hamadríade eu despertaria?

Por mais forte este amor que fosse meu,
dos caprichos de um deus dependeria,
muito mais do que minha lira desprendeu...

VERA HAMADRÍADE VI

Vamos supor, então, que um deus travesso,
buliçoso, a zombar do romantismo,
se dispusesse a executar um cataclismo,
para atender a essa graça que lhe peço...

Em meu corpo, de repente, já eu cresço,
a terra foge, qual para um abismo,
pois nem entendo qual tipo de exorcismo
causou a mutação que já nem meço!...

Ela me olha, com pupilas reluzentes
e meus braços entrelaçam seus cabelos,
mas não foi nova vida que lhe dei...

Meus dedos se alongaram, mais potentes,
e reconheço, à luz dos pesadelos,
que noutra árvore igual me transformei!...

Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.

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