segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

COROMANDEL & SANDRIGO


COROMANDEL

COROMANDEL I  (23 out ll) 

Chegou o momento das recordações.
Vejo as nuvens em pilhas de algodão;
durante a noite, almofadas de tição,
pouco me resta a lembrar dessas tensões.

Quente viagem, longa e sem paixões,
assentados de permeio à multidão,
adormecida do aeroplano no salão,
enquanto eu cato piolhos de ilusões...

Atrás de mim, alguém teve um ataque,
provocado pelo excesso de calor:
por um momento, quase o invejei...

Meu coração batendo, em atabaque,
pela loucura desse condicionador,
mas vi a ironia e então me controlei...


COROMANDEL II

À minha frente, uma mulher trazia
uma criança de berço, que chorava
e meus farrapos de sono atrapalhava,
enquanto o povo a meu redor dormia...

E nos momentos em que um pouco conseguia,
a comissária vinha e atrapalhava,
com refeições que eu nem sequer buscava,
ou atenções a que recusar eu preferia...

Também à frente, uma pequena tela
mostrava meu percurso digital,
alívio único para meu desconforto...

Os contra-alíseos assoprando feia vela
nas costas da cadeira, que era, afinal,
imagem falsa de meu espaço morto...

COROMANDEL III 

Até que enfim se completou essa viagem
e foi a busca intensa das bagagens.
Se aqui for pobre a rima das imagens,
mais pobre foi o meu rito de passagem...

Os aeroportos decretavam avassalagem,
nos corredores infinitos, com mensagens
contraditórias ao longe, mas sem pajens
que nos mostrassem os pontos de triagem.

Não era a Meca, mas foi peregrinação
pelos caminhos sem fim e indiferentes,
até um trem tivemos de tomar!...

Sem que mostrasse real indicação,
acompanhando ao terminal outros presentes
talvez diverso destino a demandar...


COROMANDEL IV

Num descaso total do passageiro,
esse imenso aeroporto tumular,
a altura de DeGaulle a superar,
pobres formigas encarando sobranceiro...

Até chegar à esteira, em que ligeiro,
ficavam nossas malas a jogar,
pouco ligando a seu danificar
e novamente o calor vem, por inteiro...

E me ensopa a camiseta e a camisa,
enquanto puxo malas por rodinhas,
certamente melhor que antigas alças...

Minha própria mala pequena em nada pisa,
trocada por essas malas de rainhas,
a imaginar, quiçá, recepções falsas...

COROMANDEL V 

O tempo dos poetas é diverso
desse tempo que entretém gente comum.
É diferente também do tempo algum:
é o brevelongo tempo de meu verso.

Portanto, o recordar é mais disperso,
pois na viagem, não escrevi nenhum
e se os dato agora, é que o assun-
to realmente corresponde ao dia terso,

em que corremos pelos corredores,
que para isso servem, certamente,
no falso mármore a que meu pé se apega,

nessa busca de pelourinhos constritores,
alagado de suor, incontinenti,
mas que posso fazer, se a noite é cega?

COROMANDEL VI 

Fico a pensar em viagens mais antigas,
esses veleiros indo até Coromandel,
sem ar condicionado e sem quartel,
para banhos, abluções e outras intrigas...

Contudo, o vento lhes soprava doce mel
e embora as ondas balançassem inimigas,
as tábuas do convés em breve amigas
                  se tornavam, mesmo a água sendo fel...

E tantas coisas ouvi desse passado,
sei quais imagens posso hoje esperar,
que a tais destinos místicos nem parto...

Bem confortável em meu casulo alado,
que me permite à imaginação voar,
nesta "viagem à roda de meu quarto"...

SANDRIGO

SANDRIGO I  (24 OUT 11)

 Em Istambul, uma nossa companheira
perdeu as malas, deixadas para trás...
Nesse descaso que a companhia traz,
não nos surgiram nunca sobre a esteira...

Premonição decerto derradeira
que a avisou, talvez, que nesses lás,
por essa vez, não encontraria a paz,
que havia intrigas e a inveja costumeira...

Ficamos largo tempo no aeroporto,
eu sentado, cuidando das bagagens,
minhas familiares saíram a fumar...

Enquanto a outra, em sala sem conforto,
empreendia a sua busca com coragem,
sem sua mala conseguir localizar...

SANDRIGO II

 E não queria o guarda do aeroporto
à minha esposa de novo permitir
que entrasse, para me substituir:
pitar cigarro parecia outra viagem!

Queria que passasse o desconforto
de uma nova revista, outra triagem,
qual transportasse granada na bagagem
e o imenso prédio quisesse destruir!...

Foi necessária a intervenção do guia,
Hassan Enki, a quem muito agradeço,
antes que ao prédio retornar pudesse.

Pois só depois que me substituiria
eu poderia localizar, com meu apreço,
tal bagagem mais perdida que uma prece!

SANDRIGO III 

Fomos depois levados pelo guia
até um hotel, de nome venerado,
pois Venera certamente era chamado
e tratamento bom se recebia...

Tomei o banho que já tanto queria,
prestei tributo a Caco, já cansado...
Já era tarde e o sono perturbado
foi por exótica e bela gritaria...

Pelas seis da manhã, um muezim,
seu chamado eletrônico ampliado,
se pôs a convocar fiéis à prece...

Nessa cidade de ocidental jardim,
em cujo povo fracamente islamizado
a proteção de Alá ainda desce!...

SANDRIGO IV

 Alegava o hotel ter quatro estrelas;
o café da manhã era excelente;
ofereceram banho turco à gente
e instalações de spa para as donzelas...

Naturalmente punham preço nelas,
seriam extras bem caros, claramente.
Eu não buscava artifícios, certamente,
são as mulheres que anseiam ser mais belas

e acreditam que tais coisas ajudam...
A mim bastava olhar pelas janelas,
pelas quais via anúncios luminosos,

figuras digitais, que sempre mudam,
quase antes que se possa percebê-las,
enquanto os carros se moviam silenciosos.

SANDRIGO V 

Foi a coisa que me chamou mais a atenção,
esses veículos quase a se tocar,
que quase nunca se ouvia buzinar...
Só os megafones alertavam a multidão,

quando de novo na almenara estão
os muezins, mais uma prece a convocar.
Que coisa incrível esses carros a ocupar
o espaço inteiro e sem contestação!...

Ninguém gritava para pedir passagem,
apenas ocupavam o lugar...
Mais tarde vi, para meu divertimento,

que os transeuntes ali também se engajem,
pelas ruas, sem nunca se empurrar,
mas avançando em constante movimento...

SANDRIGO VI

E nas calçadas havia escadarias
conduzindo a ocultas aberturas...
Vasta ameaça em noites mais escuras,
possíveis quedas ao longo dessas vias!...

Assim se abriam, junto às paredes frias
e lá no fundo, sob luzes duras,
filas de roupas, mas que por loucuras
só em atacado adquirir podias!...

Só mais tarde descobriram novas lojas,
em outras ruas já um tanto afastadas,
em que a venda peça a peça era normal.

Enquanto nas primeiras já te enojas
pelas ofertas mil sendo mostradas,
nesse comércio sem nada de oriental!...


Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
Edição e postagem: Andréia Macedo

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